Neste artigo falaremos sobre a Lavratura de Termo Circunstanciado pela PRF, destacando o entendimento jurisprudencial pertinente ao tema.
Desse modo, teceremos algumas considerações iniciais sobre a previsão constitucional relacionada à Polícia Rodoviária Federal (PRF), abordando, principalmente, suas atribuições e as comparando com as de outros órgãos de segurança pública.
Na sequência, falaremos sobre o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), falando tanto sobre seu âmbito de cabimento quanto sobre a possibilidade de servir como fundamento para a ação penal.
Por fim, abordaremos o assunto central deste artigo, qual seja, a possibilidade de a PRF lavrar Termo Circunstanciado, o que faremos com base no que decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 6.245/DF e 6.264/DF.
Vamos ao que interessa!
Lavratura de Termo Circunstanciado pela PRF
Previsão constitucional relacionada ao tema
Polícia Rodoviária Federal (PRF)
A Constituição Federal não trata especificamente sobre a lavratura de termo circunstanciado. No entanto, para iniciarmos nossa análise, vamos entender quais são as atribuições da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e quais os órgãos incumbidos de exercer a função de polícia judiciária.
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através da PRF, além de outros órgãos especificados no artigo 144 da CF.
Nesse sentido, o § 2º do artigo 144 da CF estabelece que a PRF é órgão permanente de segurança pública, sendo organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destinando-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
Ou seja, a PRF possui a chamada função de “polícia administrativa”, a quem incumbe tanto o patrulhamento preventivo quanto o repressivo.
O § 10 do artigo 144 dispõe que a segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas, compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente.
Além disso, a segurança viária compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei.
Por fim, no que se refere à previsão legal, o artigo 20 da Lei 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro) preconiza diversas atribuições da PRF.
Comparação com outros órgãos de segurança
Inclusive, podemos estabelecer um paralelo com as polícias militares, a quem incumbe a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, vide § 5º do mesmo artigo 144 e que exerce a segurança viária das rodovias estaduais, por exemplo.
Também é interessante relacionarmos a PRF com a Polícia Federal (PF). A Polícia Federal também é órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, mas suas funções são diversas.
O § 1º do artigo 144 especifica que a PF destina-se a:
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
Note que a última atribuição da PF é justamente a de exercer as funções de polícia judiciária da União, tarefa esta que é exercida pela Polícia Civil no âmbito estadual, distrital e municipal.
Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO)
O Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) é um instrumento que tem lugar perante as infrações penais sujeitas aos Juizados Especiais Criminais, os quais, por sua vez, possuem fundamento no artigo 98, inciso I, da CF/88 e estão regulados pela Lei 9.099/95 e, em âmbito federal, pela Lei 10.259/2001.
Desse modo, uma vez cometida uma infração penal de menor potencial ofensivo, a autoridade policial que dela tomar conhecimento lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.
As infrações penais de menor potencial ofensivo consistem nas contravenções penais e nos crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
Além disso, a Lei 9.099/95 prevê que o autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança.
Também é interessante salientar que tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça entendem que, nos juizados especiais criminais, a acusação pode ser oferecida exclusivamente com base no TCO, dispensando-se o próprio inquérito policial.
Portanto, a defesa do réu não pode se valer do argumento de que há apenas o registro da ocorrência (TCO) para pedir o trancamento da ação penal, vide STF, HC 85.803, Relator Ministro Carlos Britto, Primeira Turma, julgado em 30/08/2005; e STJ, HC 113.852, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 19/03/2009.
A PRF pode lavrar Termo Circunstanciado?
Controvérsia das ADIs 6.245 e 6.264
Agora que já vimos as atribuições da PRF e da PF, bem como já falamos sobre o TCO, vamos abordar uma controvérsia que acabou chegando no STF, qual seja, o questionamento acerca da possibilidade de a PRF lavrar Termo Circunstanciado.
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – ADPF e a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária – ANDPJ ajuizaram as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6245 e 6264, com pedido de medida cautelar, tendo como objeto o art. 6º do Decreto nº 10.073/2019, que acrescentou o inciso XII ao art. 47 do Anexo I do Decreto 9.662/2019, conferindo à Polícia Rodoviária Federal a prerrogativa de lavrar termo circunstanciado de ocorrência (TCO).
De acordo com as Associações, o dispositivo impugnado, ao atribuir à PRF competência para lavrar o termo circunstanciado de que trata o art. 69 da Lei 9.099/95, violou o art. 144, § 1º, I, e §§ 2º e 4º, da Constituição, que reserva o exercício das funções de polícia judiciária da União à Polícia Federal.
Ainda nesse sentido, argumentou-se que o TCO seria uma atribuição privativa de polícia judiciária, uma vez que configura ato de procedimento investigativo, não podendo ficar a cargo de órgãos de polícia administrativa, como é o caso da PRF.
Por fim, alegou-se que a norma afronta o princípio da eficiência e da supremacia do interesse público.
O que o STF decidiu?
O Supremo Tribunal Federal fixou Tese segundo a qual o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) não possui natureza investigativa, podendo ser lavrado por integrantes da polícia judiciária ou da polícia administrativa.
Sendo assim, separamos os principais argumentos que fundamentam essa decisão do Supremo:
- O TCO destina-se a CONSTATAR e REGISTRAR ocorrências de crimes de menor potencial ofensivo, tal como definido na Lei nº 9.099/1995;
- Por isso, e também por não iniciar qualquer procedimento que acarrete diligências para esclarecimento dos fatos ou da autoria delitiva;
- Diferencia-se, portanto, do inquérito policial, o qual deve ser necessariamente presidido por delegado de polícia (polícia judiciária), possuindo, assim, natureza investigativa;
- Há precedentes do próprio STF no sentido de que é constitucional a lavratura de TCO por autoridade policial que não seja delegado de polícia, por não se tratar de atribuição exclusiva da polícia judiciária – o STF já entendeu, na ADI 5.637, pela constitucionalidade de lei estadual de Minas Gerais que que autorizava a Polícia Militar a lavrar o TCO nas hipóteses de crimes de menor potencial ofensivo;
- O Conselho Nacional de Justiça, também entende que a lavratura do termo circunstanciado não constitui atividade própria de investigação, nem se insere no campo de atribuições privativas da polícia judiciária. Assim, o CNJ reconhece expressamente a possibilidade de a PRF empreender a fase preliminar nos crimes de menor potencial ofensivo;
- Os princípios aplicados aos juizados especiais, sobretudo a economia processual e a celeridade, militam em favor da desconcentração da atribuição para a lavratura do TCO;
- A Advocacia-Geral da União, ao se manifestar nos autos, salientou a redução de custos obtida com a possibilidade de policiais rodoviários emitirem o termo circunstanciado;
Por fim, é interessante notar que foram opostos embargos de declaração, argumentando-se que teria havido omissão na análise do conceito legalmente estabelecido de autoridade policial constante do art. 92 da Lei nº 9.099/1995, do art. 4º do Código de Processo Penal e do art. 2º da Lei nº 12.830/2013.
No entanto, o STF não acolheu os embargos declaratórios, sob o fundamento de que a questão submetida a julgamento foi resolvida com base nas normas constitucionais relativas aos agentes de segurança pública, não cabendo cogitar de omissão por suposta ausência de apreciação de conceitos legais impertinentes à resolução da causa.
Desse modo, apontou-se que a embargante, com seus argumentos, pretendia promover indevida interpretação da Constituição a partir de dispositivo legal, mas, ao contrário, é a CF/1988 que deve basear a hermenêutica da ordem jurídica.
Conclusão
Portanto, pessoal, esse foi nosso breve resumo sobre a Lavratura de Termo Circunstanciado pela PRF, destacando o entendimento jurisprudencial pertinente ao tema.
Vimos que é constitucional — por ausência de usurpação das funções das polícias judiciárias — a prerrogativa conferida à Polícia Rodoviária Federal de lavrar termo circunstanciado de ocorrência (TCO), o qual, diversamente do inquérito policial, não constitui ato de natureza investigativa, dada a sua finalidade de apenas constatar um fato e registrá-lo com detalhes (Informativo STF nº 1.083).
Até a próxima!
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