Justiça expulsa moradora que chamou comediante de macaco

Justiça expulsa moradora que chamou comediante de macaco

Justiça determina que aposentada que fez ataques racistas contra o comediante Eddy Júnior deixe prédio onde mora em SP por ‘comportamento antissocial’. Justiça expulsa moradora

Justiça expulsa moradora

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia. 

Justiça expulsa moradora: decisão

A Justiça paulista acaba de determinar a expulsão da aposentada Elisabeth Morrone e do filho do condomínio onde moram na Barra Funda, Zona Oeste de São Paulo, depois de se envolverem em um episódio de racismo e ameaça contra o humorista e músico Eddy Júnior. 

A decisão foi da juíza Laura de Mattos Almeida, da 29ª Vara Cível, que deu o prazo de 90 dias para que Morrone e o filho saiam do local em função de “comportamento antissocial”. 

Justiça expulsa moradora: o caso

Vamos relembrar o caso. 

Em julho de 2023, Elisabeth Morrone e o filho dela se tornaram réus pelo crime de ameaça contra o humorista Eddy Jr. no condomínio onde moram, em São Paulo. A aposentada também passou a ser processada por injúria racial e agressão.  

O caso ocorreu em 2022. Vídeos da época mostraram Elisabeth, que era vizinha de Eddy, chamando o artista de “macaco”, e, juntamente com o filho, portavam garrafa e faca em mãos em frente ao apartamento do humorista. 

Na gravação feita pelo artista, a aposentada também chama o rapaz de “ladrão, sujo e imundo”. 

A delegada que acompanhou o caso, ao concluir o inquérito, sugeriu a instauração de incidente de insanidade mental, e o caso foi então encaminhado ao Ministério Público.  

A aposentada alegou que não se lembra da confusão na madrugada de 18 de outubro por conta de medicamentos que tomara. 

O que alegou a defesa Justiça expulsa moradora

Na defesa feita na delegacia, constou que

A investigada estava tão atormentada e perturbada, nervosa e com taquicardia, inclusive sob efeitos de remédios para tentar dormir, que sequer consegue lembrar dos fatos ocorridos no dia 18”.  

Mas a perícia realizada no vídeo apontou que Elisabeth falou a frase: “fora, macaco”. 

Desabafo da vítima Justiça expulsa moradora

No Instagram o humorista e músico Eddy Júnior desabafou

Outra vítima aparece

Após esse caso ganhar repercussão outra vítima apareceu. A advogada Nayara Cruz contou que ela e o filho também foram discriminados por Elizabeth:

Ela me abordou, me questionando por que eu estava na academia, porque o uso da academia era restrito a moradores. Eu falei que era moradora, e ela me questionou quanto eu paguei pelo meu apartamento. Teve um outro episódio que ela foi agressiva com o meu filho, que estava no hall brincando com outras crianças. Ela chamou o meu filho de vagabundo e disse que ele não poderia ficar no hall do prédio”. 

Decisão do condomínio

Em decorrência desse triste e lamentável caso o condomínio onde a aposentada mora se reuniu em assembleia e deliberou, por maioria, pela expulsão da aposentada por comportamento antissocial.  Justiça expulsa moradora

A administração do condomínio justificou que “há meses vem sofrendo com o comportamento antissocial” de Elisabeth e do filho dela e cita a existência de “ruído praticamente todas as noites, ligando som e arrastando móveis, o que gera constante perturbação do sossego”. 

Como consequência, foram aplicadas diversas multas pelo condomínio:

foram aplicadas regularmente, diante do reiterado descumprimento dos deveres legais e das regras previstas na convenção condominial e no regimento interno por parte da autora, que praticou condutas antissociais, tais como subtrair e danificar página do livro de ocorrências, insultar moradores, intimidar morador com garrafa de vinho e facas e acusar prestadores de serviços do condomínio de estarem faltando com a verdade, ensejando até a lavratura de boletim de ocorrência”. 

Pedidos da defesa

Morrone chegou a pedir indenização de R$ 50 mil contra o condomínio por danos morais em relação ao episódio e a anulação das multas, mas acabou condenada a deixar o prédio

O advogado de Elisabeth Morrone e seu filho, o dr. José Beraldo, comentou a sentença:

A decisão chega a ser monstruosa. Expulsar uma mãe que cuida de um filho doente e de uma doença grave é um absurdo. O direito à moradia é um direito abissalElizabeth possui a curatela do filho devidamente legalizada [ele recebe acompanhamento do Centro de Atenção Psicossocial – Caps]. Ou seja, trata-se de pessoa inimputável, que não tinha consciência do que estava fazendo naquele momento, questão que já foi levantada e suscitada em processo criminal no Fórum da Barra Funda”. 

ANÁLISE JURÍDICA  

Entendidos os fatos e o contexto em que ocorreram, vamos à análise jurídica do episódio

Você sabe o que é esse comportamento antissocial que gerou a expulsão da aposentada?

Comportamento antissocial é aquele voltado ao descumprimento reiterado das regras básicas da coletividade, tais como urbanidade e educação, tornando a convivência impossível.

Mas para a expulsão do condômino não é necessário apenas a prática de condutas antissociais. É necessário, também, que o condômino antissocial tenha uma conduta de constante perturbação à vida condominial, gerando uma convivência hostil

Podemos citar alguns comportamentos antissociais que podem gerar essa hostilidade na convivência. São eles: Justiça expulsa moradora

  • Xingamentos, ofensas e brigas; 
  • Perturbação do sossego dentro do apartamento; 
  • Dar festas quase que todos os dias, sem se incomodar com o barulho que causa; 
  • Destratar os funcionários, o que dificulta o condomínio de contratar pessoas para determinadas funções; 
  • Ser agressivo com vizinhos; 
  • Ignorar as regras da vida em condomínio e o regulamento interno; 
  • Usar a unidade para cometer atos ilícitos, como tráfico de drogas, exploração sexual, roubo de itens das áreas comuns e outros crimes; 
  • Usar a unidade para atividades distintas às do condomínio, como comércio, serviços ou pensionatos; 
  • Acumular lixo na unidade, podendo atrair baratas e ratos. 

Expulsão do condômino

O ordenamento jurídico permite a expulsão do condômino antissocial? Vejamos. 

O código civil, em seu artigo 1.337, traz a previsão da aplicação de multa para o condômino antissocial. Justiça expulsa moradora

Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. 
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia. 

Figuras distintas

Percebemos, aqui, duas figuras distintas1

O condômino faltoso contumaz (art. 1.337, caput, CC): O faltoso contumaz é aquele “que não cumpre reiteradamente seus deveres perante o condomínio”, pois está sempre cometendo infrações. Pode ser a mesma repetidamente, como o caso daquele que toda vez coloca o lixo fora do local adequado, que rotineiramente estaciona o carro fora da delimitação da vaga, ou que volta e meia toca instrumentos musicais em elevado som.  Justiça expulsa moradora

Sanção prevista: Multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, independentemente das perdas e danos que se apurem.  

Quórum da assembleia: Convocação prévia de ¾ dos condôminos restantes. 

O condômino antissocial (art. 1.337, § único, CC): Já o condômino antissocial é aquele que por seu comportamento afrontoso gera incompatibilidade de convivência com os demais. Ou seja, não são infrações leves, incessantes pequenos desvios, são atos lesivos a tal ponto que torne impossível a convivência em comunidade. 

Sanção prevista: Multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, independentemente das perdas e danos que se apurem. 

Quórum da assembleia: Convocação posterior dos ¾ dos condôminos restantes. 

Vale destacar que, em todo caso, é garantido ao condômino o direito de ampla defesa e contraditório quando for deliberar sobre a aplicação da multa ou a expulsão, em respeito ao art. 5º, LV, CF. Justiça expulsa moradora

Enunciado nº 92, do CJF: “As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo”. 

Como visto, o código civil não prevê, expressamente, a pena de expulsão do condômino antissocial. Mas parte da doutrina e da jurisprudência entendem perfeitamente possível. 

O que pensa a doutrina

Marco Aurélio Bezerra de Melo defende a pena de exclusão: 

“Imaginemos uma situação em que o condômino abastado prefira pagar as multas arbitradas e continue realizando as suas festas madrugada adentro, praticando comércio que acarrete alto consumo de água e mantendo seus animais ferozes no interior do imóvel, entre outras práticas ainda mais condenáveis, como a exploração à prostituição ou o favorecimento do consumo de drogas ilícitas no condomínio. O que fazer? Saem os condôminos ordeiros e cumpridores de suas obrigações e fica reinando absoluto no edifício o arruaceiro, chalaceador, o intrigueiro, o egoísta, o bandido, o fascista, o traficante, o facínora, o mau-caráter, o insuportável? Pensamos que não.”2 

Entretanto, para a aplicação da pena de expulsão é necessário o ajuizamento de uma ação judicial para tanto, sendo a matéria reservada à jurisdição

Importante frisar que a pena de expulsão não se confunde com a perda da propriedade. São coisas distintas. A expulsão, de fato, limita o direito de propriedade, já que o dono fica impedido de voltar a residir no local, mas ele mantém o direito de propriedade sobre o imóvel, podendo vender, permutar ou alugar a unidadeJustiça expulsa moradora

Decisão da justiça

No caso concreto a juíza ressaltou que: 

“O comportamento antissocial em questão restringe o direito de propriedade dos demais condôminos do edifício. E a impossibilidade de se conviver harmonicamente no condomínio permite que os condôminos adotem medidas de restrição ao direito de propriedade do antissocial, além daquelas previstas no artigo 1.337 do Código Civil… No caso, a restrição à fruição do bem para impossibilitar a moradia é mesmo medida adequada e necessária ao restabelecimento da ordem no condomínio, não sendo desarrazoada a aplicação da sanção limitativa do direito de propriedade, face às graves condutas praticadas pela condômina, o que mostra o acerto da deliberação dos demais condôminos que, por ampla maioria, em assembleia extraordinária realizada em 30 de novembro de 2022, optaram pela propositura da presente ação inibitória… O exercício do direito de propriedade, entretanto, não é absoluto, tendo o proprietário o dever de utilizar a coisa de acordo com a sua função social (CF, art. XXIII) e, tratando-se de unidade autônoma em condomínio edilício, como no caso, necessária, também, a observância às regras contidas na convenção condominial, no regimento interno e nas deliberações da assembleia”. 

O tema é instigante, e pode ser cobrado nas provas de direito civil ou mesmo de direito constitucional, então, muita atenção!  

REFERÊNCIAS:

1 https://www.jusbrasil.com.br/artigos/condomino-antissocial-breve-analise-do-art-1337-do-codigo-civil/1206274868, acesso em 18/07/2024, às 11:29hs.

2 Código Civil Comentado Doutrina e Jurisprudência, Ed. Forense, livro digital, p. 958.

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