Juízes brasileiros poderão acumular até 202 dias de folga por ano, somando férias, recessos e licenças previstas em lei, gerando debates sobre produtividade e privilégios no Judiciário.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Resolução do CJF
O Conselho da Justiça Federal publicou resolução que institui regras para a convocação temporária de magistrados Federais para atuarem, de forma remota, em projetos de auxílio jurisdicional em outras regiões da Justiça Federal (Res 943/25).
O principal ponto de relevância da norma é a concessão de dois dias de licença indenizatória por semana trabalhada, limitada a oito dias por mês, aos magistrados convocados.
O benefício é cumulativo com os direitos e vantagens do cargo de origem e tem natureza indenizatória – equivalendo a um aumento proporcional nas folgas mensais do juiz que participar dos projetos de auxílio.
Mas qual o grande objetivo da medida?
Agilizar o julgamento de processos acumulados em determinadas unidades judiciárias, com foco na melhoria da produtividade, conforme metas fixadas pelo Conselho Nacional de Justiça.
Durante o período de convocação, o magistrado terá direito à licença indenizatória, limitada a oito dias por mês, com base de cálculo correspondente ao subsídio do magistrado.

Importante ressaltar que não haverá pagamento do benefício durante os períodos de afastamento oficial, como férias, recesso forense (de 20 de dezembro a 6 de janeiro), ou licenças na origem.
Folga para juízes: 202 dias por ano
Mas como se chegou ao mágico número de 202 dias de folga por ano?
Vejamos.

Considerando o limite de oito dias de licença indenizatória por mês, um juiz poderia somar até 96 dias adicionais ao longo do ano. A esse total se somam os 60 dias de férias anuais previstos na Loman – Lei Orgânica da Magistratura Nacional e o recesso forense de 18 dias (de 20 de dezembro a 6 de janeiro), o que resulta em 174 dias de afastamento remunerado em um período de 12 meses.
Como se não bastasse, há ainda a possibilidade de usufruto de licença compensatória, prevista para situações em que o magistrado assume a carga de trabalho de colega afastado, como em casos de férias, licença ou vacância temporária. Essa licença garante um dia de folga a cada três dias de trabalho excedente, com limite mensal de até dez dias.
Na prática, embora o teto teórico de folgas mensais, considerando ambas as regras, possa alcançar 18 dias (8 indenizatórios + 10 compensatórios), esse acúmulo simultâneo é inviável em meses comuns, por limitação de dias úteis. Ainda assim, em meses com 30 ou 31 dias, o total de afastamentos pode chegar a 13 a 15 dias, o que, ao longo do ano, pode elevar o número total de dias não trabalhados para até 202, desconsiderando finais de semana e eventuais plantões.
O Portal Migalhas preparou uma arte bem interessante que demonstra como se chega aos 202 dias de folga:
FUNDAMENTOS PARA O NOVO BENEFÍCIO DA CONVOCAÇÃO TEMPORÁRIA |
A necessidade de aprimorar a prestação jurisdicional, assegurando mais eficiência no julgamento de processos acumulados em determinadas unidades judiciárias, conforme o princípio da razoável duração do processo previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. |
As metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visam à melhoria da prestação jurisdicional por meio de estratégias que garantam mais eficiência e produtividade. |
A cooperação entre Tribunais Regionais Federais é medida eficaz para a redução de acervo processual histórico, ao amparo da Resolução CNJ n. 350/2020. |
Competência do Conselho da Justiça Federal, como órgão central do sistema, para exercer a supervisão administrativa da Justiça Federal de 1º e 2º graus. |
Regras e Restrições para a Convocação de Magistrados
A norma do CJF veda a convocação de magistrados que estejam respondendo a sindicância ou processo administrativo disciplinar, ou que tenham sido punidos disciplinarmente.
A participação dos juízes será feita de forma remota, sem afastamento das funções originais. Os projetos de auxílio deverão ser apresentados pelos Tribunais Regionais Federais e aprovados pelo colegiado do Conselho da Justiça Federal.
A seleção dos magistrados convocados será feita pelo tribunal proponente, desde que estejam em pleno exercício da função, com produtividade regular e sem processos paralisados.
A atuação externa não suspenderá o auxílio em razão de férias, licenças ou compensações da jurisdição de origem, exceto em hipóteses excepcionais tratadas diretamente com o gabinete responsável pelo projeto.
Não serão convocados magistrados que estejam em auxílio no(s):
- Supremo Tribunal Federal
- Superior Tribunal de Justiça
- Conselho Nacional de Justiça
- Conselho da Justiça Federal
- Direção ou secretaria das Escolas de Formação, na Presidência, nas Corregedorias-Gerais e Regionais, nas Vice-Presidências dos Tribunais, em Tribunal Regional Eleitoral, ou;
- Cumprindo mandato, com prejuízo das funções jurisdicionais, em associação de magistrados.
O setor de estatística do tribunal proponente deverá consolidar os dados e publicar, mensalmente e ao final do período de convocação, relatório de produtividade dos convocados e o impacto percentual que a execução do projeto representou no acervo das unidades em que atuaram.
Análise Jurídica – Folga para juízes
O grande questionamento à medida do CJF é voltado para a moralidade da norma, na medida em que pode gerar um afastamento do magistrado ao serviço de quase 7 meses no ano.
Moralidade administrativa
Esse afastamento, mesmo que previsto em regulamento próprio, afronta ou não o princípio da moralidade administrativa?
O artigo 37, da Constituição Federal, traz uma série de princípios que devem ser observados pela Administração Pública, a exemplo da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O princípio da moralidade administrativa exige que os agentes públicos atuem de maneira ética, proba, com boa-fé, sob pena de afronta à Constituição e cometimento de improbidade administrativa
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, de forma brilhante, leciona:
“Sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do Administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa”
O princípio da moralidade administrativa pode ser entendido sob três aspectos distintos:
a) Dever de atuação ética (princípio da probidade): o agente público deve ter um comportamento ético, transparente e honesto perante o administrado. Assim, o agente público não pode sonegar, violar nem prestar informações incompletas com o objetivo de enganar os administrados. Não pode um agente se utilizar do conhecimento limitado que as pessoas têm sobre a administração para obter benefícios pessoais ou prejudicar indevidamente o administrado.
b) Concretização dos valores consagrados na lei: o agente público não deve limitar-se à aplicação da lei, mas buscar alcançar os valores por ela consagrados. Assim, quando a Constituição institui o concurso público para possibilitar a isonomia na busca por um cargo público, o agente público que preparar um concurso dentro desses ditames (proporcionar a isonomia) estará também cumprindo o princípio da moralidade.
c) Observância dos costumes administrativos: a validade da conduta administrativa se vincula à observância dos costumes administrativos, ou seja, às regras que surgem informalmente no cotidiano administrativo a partir de determinadas condutas da Administração. Assim, desde que não infrinja alguma lei, as práticas administrativas realizadas reiteradamente, devem vincular a Administração, uma vez que causam no administrado um aspecto de legalidade.
Portanto, conceder ainda mais folgas aos magistrados, que já possuem 60 dias de férias ao ano, não parece ser a medida mais acertada.
Importante acompanhar o desenrolar dos fatos, e ver se o princípio da moralidade administrativa será utilizado como fundamento para a sustação de um benefício, no mínimo, questionável.
Ótimo tema para provas de direito constitucional e direito administrativo.
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