Hoje, iremos comentar a seguinte decisão do STF que saiu no informativo 1187 em 01/09/2025:

Em síntese, podemos dizer que o STF interpretou o art. 3º, §3º da Lei 10.259/2001 de forma restritiva, mantendo prerrogativa do jurisdicionado de ajuizar ação contra União em diferentes localidades.
Isto é, o Supremo Tribunal Federal definiu, no julgamento do RE 1.426.083/PI, que a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais restringe-se exclusivamente ao critério do valor da causa, preservando a faculdade constitucional do demandante de escolher o foro para ajuizar ação contra a União.
A decisão, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes no Tema 1.277 da repercussão geral, harmoniza o sistema processual ao estabelecer que o art. 3º, §3º da Lei 10.259/2001 não pode suprimir direitos assegurados pelos arts. 109, §2º e 110 da Constituição Federal.
A Corte Suprema rejeitou interpretação restritiva que limitava o jurisdicionado ao ajuizamento de ações exclusivamente no JEF de seu domicílio, afirmando que tal entendimento “representaria nítida afronta ao disposto no art. 109, §2º, da Constituição Federal” e comprometeria o acesso à justiça previsto no art. 5º, XXXV da Carta Magna.
Fundamentação constitucional do direito de escolha do foro
O ministro Alexandre de Moraes estabeleceu que “o objetivo da norma constante do §2º do art. 109 da Constituição Federal é justamente facilitar o acesso ao Poder Judiciário”, permitindo que a parte escolha entre diversos foros: domicílio do autor, local do ato ou fato gerador da demanda, local onde situada a coisa ou Distrito Federal.
A ratio decidendi fundamenta-se na compreensão de que o constituinte originário, “à vista dos privilégios dados à União Federal em matéria processual também facultou aos demais jurisdicionados” a escolha do foro competente.
Nesse diapasão, o relator enfatizou que “o texto da norma constitucional é claro em seu propósito de facilitar o acesso à justiça pelos jurisdicionados e ressalta a possibilidade de escolha do foro judicial”.
Outrossim, a decisão harmoniza-se com precedentes consolidados do próprio STF, citando diversos julgados que reconhecem a “faculdade de propor a ação contra a União no Juízo da Capital do Estado de seu domicílio”, conforme estabelecido no RE 233.990 e reiterado no ARE 1.151.612.
Relembre:
O art. 109, § 2º, da Constituição Federal encerra a possibilidade de a ação contra a União ser proposta no domicílio do autor, no lugar em que ocorrido o ato ou fato ou em que situada a coisa, na capital do estado-membro, ou ainda no Distrito Federal. Desse modo, o autor, se quiser ajuizar demanda contra a União, terá cinco opções, podendo propor a ação: a) no foro do domicílio do autor; b) no lugar em que ocorreu o ato ou fato que deu origem à demanda; c) no lugar em que estiver situada a coisa; d) na capital do Estado-membro; ou e) no Distrito Federal. STF. 1ª Turma. RE 463101 AgR-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 27/10/2015. STF. 2ª Turma. ARE 1151612 AgR/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/11/2019 (Informativo 960).
Quais são as regras de competência territorial aplicáveis à Justiça Federal? Em outras palavras, em qual seção (ou subseção) judiciária deverão ser propostas as ações?
Se a União for a autora:
As causas em que a União for autora serão proposta na seção (ou subseção) judiciária onde tiver domicílio a outra parte, ou seja, no foro do domicílio do réu:
Art. 109 (...)
§ 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte.
Se a União for a ré:
O § 2º do art. 109 trata do tema:
Art. 109 (...)
§ 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
Pela redação literal do § 2º, o autor teria quatro opções. Assim, o autor poderia ajuizar a demanda contra a União na seção (ou subseção) judiciária:
a) em que ele (autor) for domiciliado;
b) onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda;
c) onde estiver situada a coisa; ou
d) no Distrito Federal.
A jurisprudência, no entanto, acrescenta uma quinta opção: se o autor for domiciliado no interior, ele poderá também propor a ação na capital do Estado. Ex.: o autor é domiciliado em Feira de Santana, interior da Bahia. O § 2º do art. 109 é claro ao dizer que ele poderá ajuizar a ação onde ele é domiciliado (subseção de Feira de Santana). No entanto, a jurisprudência diz que ele pode escolher ingressar com a ação na capital do Estado (em nosso exemplo, Salvador).
Logo, a parte autora pode optar pelo ajuizamento da ação contra a União na capital do Estado-membro, mesmo que exista Vara Federal instalada no município em que ela for domiciliada.
Cada Estado-membro constitui uma seção judiciária, sediada em sua Capital (art. 110 da CF/88). O processo de descentralização da Justiça Federal, com a instalação de diversas Varas em cidades do interior dos Estados não configura regra de competência absoluta, podendo, mesmo assim, o autor da demanda, optar por propô-la na Capital do respectivo Estado. Nesse sentido:
(...) A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que a parte autora pode optar pelo ajuizamento da ação contra a União na capital do Estado-membro, mesmo quando instalada Vara da Justiça Federal no município do mesmo Estado em que domiciliada. (...)
STF. 1ª Turma. RE 641449 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 08/05/2012.
Cinco opções
Desse modo, o autor, se quiser ajuizar demanda contra a União, terá cinco opções, podendo propor a ação:
a) no foro do domicílio do autor;
b) no lugar em que ocorreu o ato ou fato que deu origem à demanda;
c) no lugar em que estiver situada a coisa;
d) na capital do Estado-membro; ou
e) no Distrito Federal.
O art. 109, § 2º, da Constituição Federal encerra a possibilidade de a ação contra a União ser proposta no domicílio do autor, no lugar em que ocorrido o ato ou fato ou em que situada a coisa, na capital do estado-membro, ou ainda no Distrito Federal. STF. 2ª Turma. ARE 1151612 AgR/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/11/2019 (Informativo 960).
Interpretação sistemática da competência absoluta
O Supremo estabeleceu interpretação sistemática que preserva tanto a eficiência dos Juizados Especiais quanto os direitos constitucionais do jurisdicionado. Conforme destacou o relator, “ao definir a competência absoluta do Juizado Especial Federal, a única interpretação cabível se resume ao exame de competência entre Juizado Especial e Juízo Federal Comum”.
Destarte, o §3º do art. 3º da Lei 10.259/2001 “logicamente não pode ser sobreposto à previsão da Constituição Federal”, devendo ser analisado exclusivamente quando o conflito de competência ocorrer entre JEF e Justiça Federal comum. Quando se tratar de competência territorial entre diferentes JEFs, “prepondera o disposto no §2º do art. 109 da Constituição Federal”.
A Corte extraiu três conclusões fundamentais: primeiro, nas causas sujeitas ao JEF, a União pode ser demandada no foro escolhido pelo autor segundo o art. 109, §2º da CF; segundo, a competência absoluta refere-se exclusivamente ao valor da causa até 60 salários-mínimos; terceiro, havendo JEF instalado, o autor deve ajuizar obrigatoriamente neste, mas pode eleger territorialmente qual JEF utilizará.
Precedentes convergentes
A decisão insere-se na tendência jurisprudencial de proteção do acesso à justiça e dos direitos do jurisdicionado hipossuficiente. Assim como nas medidas executivas atípicas contra devedores contumazes, o STF demonstra preocupação em não permitir que inovações processuais restrinjam direitos fundamentais já consolidados.
Ademais, o tribunal citou a Súmula 689/STF, que estabelece idêntico entendimento para ações previdenciárias: “O segurado pode ajuizar ação contra a instituição previdenciária perante o juízo federal do seu domicílio ou nas varas federais da Capital do Estado-Membro”. Esta convergência revela a coerência sistêmica da jurisprudência suprema.
A Procuradoria-Geral da República, em parecer favorável ao recurso, destacou que a restrição territorial “vai de encontro ao princípio constitucional do devido processo legal, ofendendo, especialmente, o direito de acesso ao Judiciário”. Esta manifestação ministerial reforçou a inconstitucionalidade de interpretações restritivas da escolha do foro.
Em resumo
A tese fixada pelo STF (“O art. 3º, §3º, da Lei 10.259/2001, é compatível com a Constituição Federal, devendo ser interpretado no sentido de que a competência absoluta dos juizados especiais federais se restringe ao valor da causa, havendo a faculdade de escolha do foro pelo demandante na forma do art. 109, §2º, da CF/88″) produz reflexos para milhares de demandas contra a União.
Como o tema já caiu em provas
Ano: 2025 Banca: FGV Órgão: TRF - 1ª REGIÃO Prova: FGV - 2025 - TRF - 1ª REGIÃO - Juiz Federal Substituto Gustavo ajuizou ação em face da União. Como causa de pedir, sustentou que é ocupante do cargo de advogado da União e que, no ano de 2020, não houve a revisão geral anual de sua remuneração. Assim, pediu a condenação do ente público a promover a revisão de seu salário, aplicando-se o IPCA como índice de correção, o qual foi utilizado para a revisão da remuneração dos servidores do Estado de São Paulo, e ao pagamento dos valores devidos a contar de janeiro de 2021. O valor atribuído à causa, a qual foi distribuída ao XX Juizado Especial Federal da 1ª Subseção Judiciária de São Paulo, foi de 30 mil reais. Sabendo-se que, pela Súmula Vinculante 37, o Judiciário não pode aumentar os vencimentos de servidores públicos com base no princípio da isonomia, nem o Executivo é obrigado a conceder revisões gerais anuais no vencimento de servidores públicos, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal com repercussão geral reconhecida, é correto afirmar que: Alternativas B) diante do valor atribuído à causa, a demanda poderia ter sido distribuída ao Juízo Federal comum, pois a competência dos Juizados Especiais Federais é relativa. (Errado)
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