CNJ pune juíza com afastamento de 60 dias devido a postagens discriminatórias nas redes sociais – Análise Jurídica

CNJ pune juíza com afastamento de 60 dias devido a postagens discriminatórias nas redes sociais – Análise Jurídica

Contexto do caso

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou o afastamento da juíza Ana Cristina Paz Neri Vignola, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por um período de 60 dias, devido a publicações consideradas ofensivas e discriminatórias em suas redes sociais:

Juíza

As postagens, feitas durante o período eleitoral de 2022, continham insultos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ataques a nordestinos, e conteúdo considerado homofóbico.

Abriu-se o procedimento contra ela em novembro de 2022, logo após o segundo turno das eleições presidenciais. Em sua conta no Instagram, a juíza postava publicamente memes e frases de efeito contra…

“Se diploma fosse sinal de inteligência, não teríamos tantos professores ‘fazendo o L’”, diz uma publicação. Em outra, ela publicou uma caricatura de Moraes rodeado de pessoas com a boca tapada, enquanto diz “Viva o Estado democrático de Direito”. “Supremo é o povo”, diz outra postagem, replicando um bordão dos apoiadores de Jair Bolsonaro. Também há várias comparações de Lula com um presidiário, por causa das condenações da Lava-Jato.

Outra imagem publicada pela juíza é de uma mão negra com uma bandeira LGBTQIA+ nos braços e o número 13, sendo segurada por uma mão branca com o número 22. “Na minha família não”, diz a imagem.

Bolsonaro também é f*, foi falar na Bahia que ia gerar um milhão de empregos”, “se votar no PT fosse bom negócio, o Nordeste seria uma Dubai do Brasil”, dizem outras publicações de Vignola.

Implicações do cargo de Magistrado

Os magistrados, devido à natureza de sua função, estão sujeitos a normas de conduta mais rigorosas que o cidadão comum

Isso se deve à necessidade de preservar a imparcialidade, a dignidade e o decoro da função jurisdicional. Algumas implicações importantes são:

  • Dever de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular (Art. 35, VIII da LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional).
  • Vedação de manifestar opinião sobre processo pendente de julgamento ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais (Art. 36, III da LOMAN).
  • Obrigação de manter postura compatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções (Art. 37, VII do Código de Ética da Magistratura).

A decisão do CNJ e a pena aplicada

Nesse sentido, o CNJ, em decisão unânime, aplicou à juíza Ana Cristina Paz Neri Vignola a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais por um período de 60 dias. Esta decisão se baseia na Resolução nº 135/2011 do CNJ, que dispõe sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados. 

Especificamente, o artigo 3º da Resolução 135/2011 do CNJ estabelece as penas disciplinares aplicáveis aos magistrados:

"Art. 3º São penas disciplinares aplicáveis aos magistrados da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar, da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios:

I - advertência; 
II - censura; 
III - remoção compulsória; 
IV - disponibilidade; 
V - aposentadoria compulsória; 
VI - demissão."

A pena de disponibilidade, aplicada neste caso, está prevista no inciso IV. 

Ademais, o artigo 6º da mesma resolução detalha a aplicação da pena de disponibilidade:

"Art. 6º O magistrado será posto em disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, ou, se não for vitalício, demitido por interesse público, quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou remoção compulsória."

A pena de disponibilidade significa que a juíza ficará afastada de suas funções por 60 dias, recebendo vencimentos proporcionais ao seu tempo de serviço. 

Segundo a Revista Veja1:

Durante o período de afastamento, a magistrada vai receber salário proporcional ao tempo de serviço. Ela está lotada no fórum de Sorocaba e, de acordo com informações do Portal da Transparência do Tribunal de Justiça de São Paulo, recebe um salário mensal de 81.092,36 reais — a reportagem verificou os vencimentos de maio, junho e julho.

Além disso, durante este período, ela não poderá exercer qualquer função jurisdicional ou administrativa no âmbito do Poder Judiciário.

A decisão levou em consideração a gravidade das publicações, seu potencial ofensivo e discriminatório, e o fato de terem sido feitas durante um período eleitoral. 

Como citado por um dos conselheiros:

“Nós temos diversas publicações realizadas pela magistrada em período eleitoral, penificando sua percepção homofóbica e discriminatória, mesmo diante das censuras que são impostas ao seu cargo”.

Rigor da punição

É importante notar que, conforme o artigo 4º da Resolução 135/2011:

"Art. 4º O magistrado negligente, no cumprimento dos deveres do cargo, está sujeito à pena de advertência. Na reiteração e nos casos de procedimento incorreto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave."

Ou seja, o fato de ter sido aplicada uma pena mais severa que a advertência ou censura indica que o CNJ considerou a conduta da magistrada como uma infração grave, justificando uma punição mais rigorosa. 

Esta pena é considerada uma sanção intermediária, mais grave que uma advertência ou censura, mas menos severa que a aposentadoria compulsória ou a demissão. Ela serve como uma reprimenda séria e um período de reflexão para a magistrada, sem, contudo, encerrar definitivamente sua carreira no Judiciário.

A aplicação desta pena demonstra a preocupação do CNJ em manter o equilíbrio entre a necessidade de disciplina e a preservação da independência judicial. Ao mesmo tempo, envia uma mensagem clara sobre a importância da conduta ética e imparcial dos magistrados, mesmo em suas manifestações pessoais nas redes sociais.

Proibições e limitações dos juízes nas redes sociais

Embora não haja uma proibição expressa do uso de redes sociais por magistrados, existem diretrizes e recomendações que devem ser observadas:

Resolução CNJ nº 305/2019: Estabelece os parâmetros para o uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário. 

Art. 4º, II: Veda manifestações que possam ser percebidas como discriminatórias.
Art. 4º, IV: Proíbe a emissão de opinião que demonstre atuação em atividade político-partidária.
Provimento nº 71/2018 da Corregedoria Nacional de Justiça: Dispõe sobre o uso do e-mail institucional e das redes sociais pelos membros e servidores do Poder Judiciário.

Art. 2º, §2º: Recomenda aos magistrados que evitem publicar em redes sociais comentários sobre as atividades jurisdicionais de outros magistrados.

Análise das implicações jurídicas da decisão do CNJ

  • Violação do dever de imparcialidade: as publicações de cunho político-partidário podem comprometer a percepção de imparcialidade da magistrada.
  • Quebra do decoro da magistratura: comentários discriminatórios e ofensivos são incompatíveis com a dignidade do cargo.
  • Potencial influência no processo eleitoral: por terem sido feitas durante o período eleitoral, as publicações podem ser interpretadas como uma tentativa indevida de influenciar o pleito.
  • Violação de direitos fundamentais: ao fazer comentários discriminatórios, a magistrada pode ter violado princípios constitucionais como a igualdade e a dignidade da pessoa humana.

Consequências e precedentes

A decisão do CNJ estabelece um importante precedente sobre os limites da liberdade de expressão dos magistrados nas redes sociais. Ela reafirma que:

  1. A liberdade de expressão dos magistrados não é absoluta e deve-se exercê-la com responsabilidade.
  2. O uso das redes sociais por juízes está sujeito a escrutínio e pode resultar em sanções disciplinares.
  3. Comentários discriminatórios ou político-partidários são incompatíveis com a função jurisdicional.

Conclusão

O caso em questão demonstra a complexidade da interação entre a liberdade de expressão dos magistrados e os deveres inerentes ao cargo. 

A decisão do CNJ reforça a necessidade de cautela e responsabilidade no uso das redes sociais por membros do Judiciário, estabelecendo um equilíbrio entre o direito à livre manifestação e a preservação da dignidade e imparcialidade da função jurisdicional.


  1. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/cnj-afasta-juiza-que-atacou-lula-e-alexandre-de-moraes-nas-redes>. ↩︎

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