Pode o juiz stalkear as redes sociais do réu para decidir sobre a prisão preventiva? O STJ responde

Pode o juiz stalkear as redes sociais do réu para decidir sobre a prisão preventiva? O STJ responde

Prof. Gustavo Cordeiro

Introdução: a nova realidade da investigação criminal

Vivemos na era da hiperconectividade digital, em que cada postagem, story ou comentário em redes sociais pode revelar aspectos relevantes sobre a personalidade, rotina e intenções de uma pessoa. No âmbito criminal, essa realidade trouxe uma questão complexa e atual: até que ponto o magistrado pode utilizar informações públicas das redes sociais para fundamentar decisões sobre prisão preventiva?

O Superior Tribunal de Justiça, em recente julgamento da Quinta Turma revelado pelo Informativo Extraordinário nº 25 (número do processo não divulgado em razão do segredo de justiça, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 1º/4/2025), enfrentou essa questão de forma definitiva, estabelecendo parâmetros que todo concurseiro das carreiras jurídicas precisa conhecer.

O posicionamento do STJ: legitimidade da consulta direta

A tese consolidada

O STJ firmou entendimento de que o magistrado pode acessar redes sociais de investigado e utilizar as informações públicas para fundamentar decisão de prisão preventiva e medidas cautelares, desde que observados os limites legalmente autorizados. Essa posição representa um marco na interpretação do sistema acusatório brasileiro.

Fundamentos jurídicos da decisão

A Corte Superior baseou sua decisão em três pilares fundamentais:

1. Livre convencimento motivado (art. 155, CPP): o magistrado, no exercício de seu livre convencimento, pode realizar diligências suplementares para conferir a veracidade dos fatos alegados pela acusação. A consulta a redes sociais, quando as informações são públicas, enquadra-se perfeitamente nessa prerrogativa.

2. Economia processual: o STJ destacou que, diante da facilidade do acesso às informações públicas disponíveis em redes sociais, a consulta direta pelo magistrado representa medida de economia processual. Então por que determinar que terceiros realizem uma diligência que pode ser executada de forma imediata e eficiente?

3. Analogia ao art. 212, parágrafo único, do CPP: se o magistrado pode complementar diretamente a inquirição de testemunhas, por analogia, também pode realizar consultas diretas a fontes públicas de informação. Assim, trata-se de aplicação extensiva dos poderes instrutórios do juiz.

Limites e requisitos para a consulta

O que o magistrado PODE fazer

  • Acessar perfis públicos em redes sociais (Instagram, Facebook, Twitter, TikTok)
  • Utilizar informações públicas como elemento de convicção
  • Realizar consulta direta, sem necessidade de delegação
  • Fundamentar decisões com base nessas informações, combinadas com outros elementos

O que o magistrado NÃO PODE fazer

  • Acessar conteúdo privado sem autorização judicial
  • Determinar quebra de sigilo de dados sem seguir o procedimento legal
  • Utilizar informações obtidas por terceiros de forma ilícita
  • Basear decisão exclusivamente em postagens, sem outros elementos

Compatibilidade com o sistema acusatório

A falsa controvérsia

Redes sociais de

Um dos principais questionamentos era se essa prática violaria o sistema acusatório e comprometeria a imparcialidade judicial. O STJ foi categórico: não há violação.

Inclusive, há precedentes do STF que confirmam a tese: ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305/DF (Pacote Anticrime). Em tais julgados, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, com efeitos “erga omnes” e eficácia vinculante, o próprio Supremo Tribunal Federal já havia estabelecido ser constitucional (em nada afrontando o sistema acusatório) a possibilidade de o juiz, de ofício:

  • Determinar diligências para dirimir dúvidas sobre ponto relevante (art. 156, II, CPP)
  • Determinar oitiva de testemunha (art. 209, CPP)
  • Complementar inquirição (art. 212, CPP)
  • Proferir sentença condenatória mesmo com parecer ministerial pela absolvição (art. 385, CPP)

Como as redes sociais repercutem na justiça criminal: casos emblemáticos

A realidade dos tribunais brasileiros

A decisão do STJ não surge no vácuo. O uso de redes sociais como elemento probatório já é uma realidade consolidada na prática judiciária brasileira, com casos que demonstram a relevância crescente das publicações digitais no sistema de justiça criminal.

Caso 8 de janeiro de 2023: marco na aplicação prática

Um exemplo paradigmático ocorreu com os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Pelo menos 40 pessoas permaneceram presas não por terem sido flagradas fisicamente na invasão aos prédios públicos, mas exclusivamente por suas publicações em redes sociais incentivando ou demonstrando participação nos atos.

Logo, este caso evidencia como as postagens podem constituir elemento autônomo para fundamentar prisões preventivas, especialmente quando demonstram:

  • Incitação à violência ou atos antidemocráticos
  • Participação em organização criminosa através de manifestações públicas
  • Risco à ordem pública evidenciado pelo conteúdo das publicações
  • Continuidade delitiva através de posts sequenciais

Apologia ao crime nas redes: o caso do MC de Fortaleza

Outro exemplo recente (julho de 2025) demonstra a aplicação prática dessa jurisprudência: um MC de 21 anos foi preso em Fortaleza por fazer apologia ao crime nas redes sociais. O caso apresenta elementos típicos da nova realidade digital.

Características do caso:

  • Músicas classificadas como “funk proibidão” exaltando facção criminosa
  • Vídeos com 100 mil visualizações cada
  • Mais de 10 mil seguidores nas redes sociais
  • Ostentação de joias e armas em postagens
  • Influência digital direcionada ao público jovem

Padrões identificados pela jurisprudência

Analisando esses casos práticos, identificamos padrões consolidados na aplicação das redes sociais como fundamento para medidas cautelares:

1. Volume e alcance das publicações: a quantidade de visualizações, seguidores e engajamento são fatores considerados pelos magistrados para avaliar o potencial lesivo das postagens.

2. Conteúdo explícito: publicações que demonstram claramente:

  • Participação em atividades criminosas
  • Incitação à violência
  • Desafio às decisões judiciais
  • Ostentação incompatível com renda lícita

3. Continuidade temporal: postagens sequenciais que evidenciam persistência na conduta criminosa e risco de reiteração delitiva.

4. Influência social: o número de seguidores e a capacidade de influenciar terceiros são elementos considerados para avaliar o risco à ordem pública.

Impacto nos concursos jurídicos

[QUESTÃO INÉDITA - MODELO CESPE/CEBRASPE]

Considerando a recente jurisprudência do STJ sobre o uso de redes sociais na fundamentação de decisões criminais e a aplicação prática observada nos tribunais brasileiros, assinale a alternativa CORRETA:

(A) O magistrado que acessa diretamente o perfil público do investigado em rede social para fundamentar decisão de prisão preventiva viola o sistema acusatório, devendo a decisão ser anulada por quebra de imparcialidade.

(B) As informações obtidas em redes sociais somente podem ser utilizadas como elemento probatório subsidiário, sendo vedado fundamentar prisão preventiva exclusivamente com base em publicações digitais.

(C) O magistrado pode acessar redes sociais de investigado e utilizar as informações públicas para fundamentar decisão de prisão preventiva, desde que observados os limites legalmente autorizados, não configurando violação ao sistema acusatório nem quebra de imparcialidade.

(D) A consulta direta pelo magistrado a perfis públicos em redes sociais configura atividade investigativa incompatível com o sistema acusatório, sendo necessária sempre a requisição de diligência ao órgão policial competente.

(E) As publicações em redes sociais podem fundamentar medidas cautelares apenas quando houver prévia quebra de sigilo telemático autorizada judicialmente, independentemente do caráter público das informações.

GABARITO: ALTERNATIVA C.

FUNDAMENTAÇÃO: conforme entendimento consolidado pelo STJ (Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 1º/4/2025), não há ilegalidade na conduta do magistrado que, para decidir pedido de prisão preventiva, realiza consulta direta a informações públicas disponíveis em redes sociais. Trata-se de exercício legítimo do livre convencimento motivado e medida de economia processual, em analogia ao art. 212, parágrafo único, do CPP. A prática não configura violação ao sistema acusatório nem comprometimento da imparcialidade judicial, estando em consonância com os poderes instrutórios reconhecidos pelo STF nas ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305. Os casos práticos dos atos de 8 de janeiro e da prisão do MC em Fortaleza demonstram a aplicação efetiva dessa jurisprudência nos tribunais brasileiros.

Esquema comparativo

PODENÃO PODE
Consulta diretaQuebra de sigilo sem autorização
Informações públicasConteúdo privado
Fundamentação combinadaDecisão baseada apenas em posts
Economia processualInvasão de privacidade

Conclusão: a modernização da jurisdição penal

A decisão do STJ representa um marco na modernização da jurisdição penal brasileira, adaptando institutos processuais tradicionais à realidade digital contemporânea. Para os concurseiros, essa jurisprudência consolida um entendimento que certamente será cobrado nas próximas provas, especialmente considerando sua atualidade e relevância prática.

O grande diferencial está na harmonia estabelecida entre eficiência processual e garantias fundamentais. O magistrado não se torna um “investigador digital”, mas sim um aplicador da lei que utiliza ferramentas modernas para formar seu convencimento, sempre dentro dos limites constitucionais e legais.

Dica estratégica final: este tema se conecta diretamente com outros pontos relevantes como prisão preventiva, sistema acusatório, livre convencimento motivado e poderes instrutórios do juiz. Estude-os de forma integrada para maximizar seu desempenho nas provas!


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