* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
O magistrado Carlos Eduardo Mendes foi afastado temporariamente (120 dias) de seu cargo, na 8ª Vara Cível de Campinas, em uma decisão unânime do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
A causa da punição: inúmeras faltas no trabalho presencial e uma fila de processos atrasados.
O desembargador José Carlos Ferreira Alves, relator do caso, apontou que o magistrado presidiu menos audiências do que outras varas. A título de exemplo, em vara próxima da de Mendes houve, entre abril de 2022 e março de 2023, uma média mensal de 52 audiências. Por outro lado, a média do juiz punido foi de apenas 9 audiências.
Além disso, sobre o trabalho presencial, o desembargador relator ressaltou que o juiz respondeu de forma irônica os questionamentos: “Não sei doutor, não tem como saber. O que posso te dizer é que teve dias que eu tentei acessar o site”, e acrescentou, ainda, que as alegadas falhas do sistema de informática não eram reportadas à equipe de informática.
Apurações
E não para por aí. A apuração demostrou que Mendes enviava despachos vazios para “mascarar os atrasos processuais“. Os dados de processos atrasados eram enviados para uma “planilhona”, controlada por auxiliares do magistrado.
Ou seja, houve, segundo o desembargador relator do caso, “tentativa de burla do sistema de automação da Justiça, de modo a omitir atrasos processuais, porque não iam para o E-Saj (sistema do TJSP), iam para a chamada planilhona”.
Constatou-se, em seguida, que nesses processos atrasados havia recorrentes decisões com frases lacônicas, como “aguardando decurso de prazo” e “aguarde-se designação de audiência”. Isso acontecia inclusive em casos urgentes, como processos criminais com réus presos.
“A falta de agendamento das respectivas audiências era tão alarmante que, por vezes, o mesmo despacho vazio de conteúdo com vistas a mascarar os atrasos processuais recorrentes e em grande quantidade era proferido mais de uma vez no mesmo processo”, afirma o relator do caso, o desembargador José Carlos Ferreira Alves.
A investigação à cargo do Tribunal de Justiça de São Paulo ainda descobriu que havia dias em que Mendes não comparecia ao trabalho e acessava o sistema apenas fora de seu gabinete.
Em resumo, ficou comprovado que o magistrado foi negligente tanto na questão do cumprimento do trabalho presencial quanto na criação de uma fila de processos atrasados, e que não eram computados como tal no sistema.
Versão do magistrado
A defesa do juiz negou qualquer tipo de negligência ou tentativa de burla do sistema de automação do Tribunal de Justiça.
O advogado Marcos Antonio Benassi expôs números que, segundo ele, demonstram que o juiz produziu inclusive mais do que em comarcas vizinhas ou varas da mesma cidade: “No período de abril de 2022 a março de 2023, o magistrado proferiu o dobro de sentenças de mérito em relação à 2ª Vara de Paulínia. 220 contra 116”.
Benassi, advogado do magistrado afastado, continua a defesa. Afirma que não “tem cabimento o Ministério Público entender que as audiências eram só às terças e quintas. Ele tem Cível, Fazenda, Juizado, Júri”. “Se é uma acusação que não se pode fazer ao magistrado é de promover atrasos na prestação jurisdicional, conforme a imputação feita”.
Ainda segundo Benassi, Mendes “tomou medidas sem causar prejuízo aos jurisdicionado”.
Análise jurídica
A Constituição Federal, em seu artigo 95, parágrafo único, e a LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional, fixaram diretrizes para a atuação do magistrado.
O Código de Ética da Magistratura Nacional prevê, em seus diversos artigos, variados deveres voltados a resguardar a transparência, a integridade pessoal e profissional do juiz, a imparcialidade e a diligência e dedicação, que todo magistrado deve observar. Vejamos alguns desses artigos:
Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura. Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral. ... Art. 20. Cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a máxima pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em um prazo razoável, reprimindo toda e qualquer iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé processual. ... Art. 37.Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.
Já o Estatuto da Magistratura (LC nº 35/79), em seu art. 35, VIII, traz como dever do magistrado “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”.
As penas disciplinares decorrentes da quebra dos deveres da magistratura estão arroladas no artigo 42, do Estatuto da Magistratura. Então vejamos:
Art. 42 - São penas disciplinares: I - advertência; II - censura; III - remoção compulsória; IV - disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço; V - aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço; VI - demissão.
No caso do juiz afastado, o órgão que aplicou a medida foi o Órgão Especial do TJSP, cujo Regimento Interno prevê, em seu art. 13, II, g, a competência para instaurar e decidir os processos disciplinares contra magistrado e o afastamento preventivo da jurisdição.
Afastamento preventivo
É importante ressaltar que o objetivo do afastamento preventivo é possibilitar que a autoridade responsável pela apuração da irregularidade tenha mais liberdade e isenção nas suas atividades, principalmente na instrução probatória.
No afastamento preventivo do magistrado, é mantido o recebimento do salário até a decisão final.
Ademais, o art. 15, da Resolução CNJ nº 135, de 13 de julho de 2011, que dispõe sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados, é claro ao prescrever que:
“O Tribunal, observada a maioria absoluta de seus membros ou do Órgão Especial, na oportunidade em que determinar a instauração do processo administrativo disciplinar, decidirá fundamentadamente sobre o afastamento do cargo do Magistrado até a decisão final, ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado o subsídio integral.
Pode-se decretar o afastamento do magistrado de forma cautelar pelo Tribunal antes da instauração do processo administrativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar. Dessa forma, o magistrado fica impedido de utilizar seu local de trabalho e usufruir de veículo oficial e outras prerrogativas inerentes ao exercício da função.
Posturas voltadas a retardar o andamento dos processos são cada vez menos toleradas pela sociedade, em especial diante do contido no art. 5º, LXXVIII, da CF, segundo o qual são assegurados a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Por fim, o CNJ tem atuado de forma bastante vigilante neste sentido, punindo magistrados que, de forma deliberada, dão causa a atrasos injustificados no andamento processual, prejudicando o jurisdicionado e travando o sistema de justiça.
Ótimo tema para provas da magistratura. Portanto, muita atenção!
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