Jovem luta pelo seu direito à eutanásia e lida com a ‘pior dor do mundo’.

Jovem luta pelo seu direito à eutanásia e lida com a ‘pior dor do mundo’.

Jovem portadora de neuralgia do trigêmeo (pior do mundo), e que luta pelo direito à eutanásia, é internada para tentar reduzir o sofrimento.

jovem luta pela eutanásia

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia. 

Entenda o caso (jovem)

Uma notícia comoveu o Brasil nos últimos dias: uma jovem de 27 anos, Carolina Arruda, que sofre de neuralgia do trigêmeo, considerada a “a pior do mundo”, é internada na Clínica da Dor da Santa Casa de Alfenas para passar por tratamento que busca reduzir as dores constantes e intensas que sente

Carolina Arruda mora em Bambuí/MG, e é estudante de medicina veterinária. Casada há três anos e mãe de uma menina de 10, Carolina começou a sentir as dores aos 16 anos, quando estava grávida e se recuperava de dengue. 

O diagnóstico da “pior dor do mundo” foi feito há 7 anos pelo neurocirurgião Marcelo Senna, que tem mais de 30 anos de experiência com a neuralgia do trigêmeo. 

O médico explicou que “As dores decorrem de uma artéria que acaba se deslocando e comprimindo o nervo do trigêmeo que, na face, é o mais calibroso. As causas do que provoca essa compressão são desconhecidas, então, não há como falar de hereditariedade”. A doença não tem cura, apenas tratamentos paliativos, e é bastante rara, atingindo 4,5 pessoas a cada 100 mil. 

Após o diagnóstico, a jovem realizou vários tratamentos com outros médicos e cirurgias, como descompressão microvascular, rizotomia por balão e duas neurólises por fenolização, mas sem alívio que trouxesse qualidade de vida para ela. 

Carolina já passou por 4 cirurgias, 70 médicos e mais de 50 remédios testados, e hoje, além de canabidiol, faz uso de 10 medicamentos por dia, entre antidepressivos, anticonvulsivos, opioides e relaxantes musculares. A paciente relatou que também aplica botox a cada quatro meses no músculo temporal e masseter (um dos quatro músculos da mastigação), que deixa a dor cerca de 5% menos intensa. 

Tratamentos (jovem)

Atualmente os tratamentos conhecidos para a neuralgia do trigêmeo são: 

  • Percutâneo: anestesia local em uma agulha que vai da bochecha ao crânio e causa uma lesão parcial no nervo, cauterizando impulsos elétricos. 
  • Cirurgia de neuroestimuladores: eletrodos que são colocados com implante na medula ou no cérebro para amenizar a dor; 
  • Bomba de morfina: é implantada na paciente e fica gotejando o medicamento na medula ou no cérebro; 
  • Tratamentos não invasivos: neuromodulação com estimulação magnética transcraniana. Um aparelho emite um campo magnético para estimular áreas específicas do cérebro responsáveis pela dor e podem a aliviá-la ou neutralizá-la; 

Em decorrência dessa doença Carolina sente uma dor dilacerante, espécie de choque elétrico durante a crise, que ocasiona dor aguda e a leva a um quadro incapacitante, impedindo tarefas básicas de seu dia a dia, como fazer compras, lavar louça e brincar com a própria filha. 

O quadro de dor é tão intenso que levou a jovem a buscar e lutar pela eutanásia, a fim de colocar um ponto final no seu sofrimento. 

Proibição no Brasil (jovem)

No Brasil a eutanásia é proibida, é crime. Isso fez com a Carolina criasse uma campanha para arrecadar fundos para custear o procedimento na Suíça. Lá é um dos poucos países do mundo onde essa prática é legal. Mas para isso os pacientes precisam fornecer provas da condição médica, passar por avaliações psiquiátricas. Além disso, devem demonstrar um desejo claro e consistente de pôr fim à vida.  

A jovem desabafa:

“Eu não aguento mais. A decisão de buscar a eutanásia foi tomada internamente há muito tempo. E, sim, eu penso em quem vai ficar, mas coloco na balança: as pessoas que me amam preferem lidar com meu sofrimento diário ou lidar com o sentimento da perda, sabendo que eu não estarei mais sofrendo? Não quero viver com dor o resto da vida”.

Mas Carolina também admite reconsiderar a decisão de se submeter à eutanásia caso algum tratamento funcione, diminuindo a dor que lhe aflige:

“Se der certo e aliviar a dor, talvez eu reconsidere a eutanásia. Tudo é válido para minimizar a dor. Mesmo que eu tenha decidido optar pela eutanásia, ainda terei que passar por um processo burocrático e demorado”. 

A nova internação foi por iniciativa do diretor clínico da unidade hospitalar no Sul de Minas e presidente da Sociedade Brasileira para os Estudos da Dor (SBED), Carlos Marcelo de Barros, que se ofereceu para ajudá-la a custo zero.  

“Diante da repercussão do meu caso, o médico se disponibilizou a realizar alguns tratamentos a custo zero. Já estou internada e a proposta é que ele me induza ao sono para ‘reiniciar o meu cérebro’. Vou ficar na UTI e dentro de até 20 dias ele vai avaliar o procedimento a ser feito, podendo ser radiofrequência, bomba de morfina ou a implantação de um eletrodo. O método vai depender da minha resposta”, explicou Carolina Arruda. 

Após a exposição desse contexto tão doloroso a que a jovem Carolina está submetida, vamos à análise jurídica do caso. 

O que é a Eutanásia?j?wovem)

A eutanásia é um procedimento bastante antigo e sua nomenclatura vem do grego, e significa “boa morte”, ou “morte apropriada”. Portanto, o objetivo da eutanásia é provocar uma morte menos dolorosa para aquele que assim a desejar e esteja passando por um estado profundo de dor e sofrimento. 

No estágio atual de nossa legislação a eutanásia se configura como crime de homicídio, previsto no artigo 121, do código penal, mas a piedade usada para abreviar a vida tão sofrida pode gerar uma redução de pena de um sexto a um terço, configurando o chamado homicídio privilegiado. Vejamos: 

Código Penal 

Art. 121. Matar alguém: 

Pena – reclusão, de seis a vinte anos. 

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.  

A eutanásia no Brasil, hoje, é um homicídio motivado por pura compaixão e piedade

O Código de Ética Médico, do Conselho Federal de Medicina, prescreve, no Capítulo V, artigo 41: 

É vedado ao médico: 

Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. 

Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.”  

A resistência em mudar a legislação para descriminalizar a eutanásia tem por fundamento dogmas morais e religiosos, que pavimentam um conservadorismo presente de forma bastante clara no Congresso Nacional. 

Diferença entre Eutanásia e morte assistida

Não podemos confundir eutanásia, com morte assistida, nem com ortotanásia ou distanásia. São coisas diferentes. Se liga só nesses conceitos: (jovem)

  • Ortotanásia (eutanásia passiva): É a morte natural através da não realização de medidas fúteis, que visam apenas adiar a morte do paciente cuja doença avançará independente do tratamento, ou seja, os métodos utilizados na ortotanásia permitem que a morte aconteça no tempo que deve ser, naturalmente. (exemplo: desligamento dos aparelhos). Ela é permitida no Brasil e regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina, na resolução nº 1.805/2006. 
  • Eutanásia:  Uso de métodos e procedimentos para encurtar, abreviar a vida em virtude do grande sofrimento e dor suportados pelo paciente. A criação do risco não é do paciente, mas de um terceiro (geralmente um médico) a pedido do doente. No Brasil é crime. (exemplo: injeção letal). 
  • Distanásia: Uso de procedimentos, medicamente ou métodos fúteis, desnecessários ou invasivos visando prolongar a vida do paciente, mesmo que acarrete sofrimento à pessoa. 
  • Morte assistida (suicídio assistido): Consiste no auxílio para a morte de uma pessoa, onde o próprio paciente pratica o ato gerador do risco de morte. O terceiro (geralmente o médico) apenas auxilia, ajuda aquele que procura a morte. (exemplo: ingestão de veneno pelo paciente). O terceiro comete o crime de instigação, induzimento ou auxílio a suicídio. A pena é de reclusão de seis meses a dois anos (artigo 122 do Código Penal). 
  • Mistanásia: A morte não é desejada, ocorrendo em decorrência de má gestão da saúde e omissão dos responsáveis. O paciente morre de maneira evitável por falta de atendimento de qualidade, de insumos ou de leitos. 

Toda a discussão, em resumo, se dá em torno do conflito entre o direito a vida de um lado e a dignidade da pessoa humana de outro. (jovem)

Da mesma forma que a Constituição garante o direito a vida, em seu artio 5º, ela também garante a todos, como fundamento da própria República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III).  

Conciliar esses dois direitos fundamentais legitimamente garantidos pela Carta Magna é o grande desafio que se impõe à sociedade, ao legislador e aos operadores do direito, que terão que lidar, uma hora ou outra, com esse tema de forma mais profunda, discutindo com a sociedade uma solução viável e justa. (jovem)

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