Calote no IPVA: por que os carrões não pagam o imposto?

Calote no IPVA: por que os carrões não pagam o imposto?

Nos chamou a atenção uma notícia que foi veiculada na UOL com a seguinte manchete:

Calote do IPVA: por que muitos donos de carrões deixam de pagar o imposto…

Ademais, é interessante trazer outro dado de um site que “42% dos brasileiros não quitaram a dívida do IPVA de 2024”1.

Motivos

Nesse sentido, como Professor de Direito Tributário passo a colacionar as razões que o site elenca por que os donos de carrões caros, por exemplo, acima de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) não pagam IPVA:

Segue a tabela com a síntese dos motivos pelos quais muitos donos de carros de luxo deixam de pagar o IPVA:

Motivo 
1) Cálculo FinanceiroInvestem o valor do IPVA em aplicações financeiras mais rentáveis que os juros e multas do IPVA, já que depois há “benefícios fiscais” com parcelamentos e descontos.
2) Omissão na cobrança e na prescrição dos débitosCreem firmemente que haverá uma omissão na cobrança e confiam que haverá a prescrição em 5 cinco anos do débito.
3) Ausência de inscrição em dívida ativaInscrição na dívida ativa demora e falta fiscalização efetiva em algumas regiões.

Assim, passamos a fazer a análise jurídica dos tópicos, se isso é verdadeiro ou falso, e como a Administração Pública pode combater.

Analisando os motivos

Em síntese, os contribuintes investiriam o valor do IPVA em outras aplicações financeiras que fossem mais rentáveis que o IPVA, valendo-se de benefícios fiscais que são conferidas posteriormente.

Vamos dividir essa suposição.

Parte 1

Primeiro, quanto é o valor de multas e juros se eu estiver com o IPVA atrasado?

Por exemplo, no estado de São Paulo, a multa por atraso é de 0,33% ao dia sobre o valor do imposto, limitada a 20%. Além disso, incidem juros mensais baseados na taxa Selic, com um mínimo de 1% ao mês2.

Vamos explicar o cálculo de forma mais simples usando o exemplo de um IPVA de R$ 5.000,00, atrasado por 1 ano:

IPVA inicialValor base do imposto5.000,00
Multa por atraso20% de R$ 5.000,001.000,00
Juros sobre atraso12,75% de R$ 5.000,00637,50
Valor total devidoR$ 5.000,00 + R$ 1.000,00 + R$ 637,506.637,50
Juros efetivo (%)(Juros / Valor total) × 100 = (R$ 637,50 / R$ 6.637,50) × 10024,65%

Assim, em resumo, o juros efetivo total considera a soma da multa (R$ 1.000,00) e dos juros (R$ 637,50) como um percentual do valor total devido (R$ 6.637,50). Nesse caso, o percentual é de 24,65%.

Logo, considerando que a TAXA Selic está em 12,25% ao ano, é agressivo que uma pessoa consiga um investimento de maneira mais segura que “duplique” os valores.

Parte 2

A segunda parte da afirmação diz que “há benefícios fiscais”.

Nesse caso, o que estamos considerando é que há uma prática comum intitulada de “REFIS”, muitas vezes em âmbito Estadual, de conceder vários benefícios fiscais que, às vezes, reduzem substancialmente o valor a ser pago do IPVA dos contribuintes que estavam inadimplentes:

EstadoProgramaDesconto em Multas e Juros
São PauloAcordo PaulistaAté 90%3
BahiaRefis ICMS BahiaAté 90%4
Rio Grande do SulRefaz ICMS 2024Até 95%

Nesse sentido, pode-se afirmar que o “excesso de benefícios fiscais” compromete a adimplência do pagamento de tributos, como já reiteramos positivamente em dissertação de mestrado.

Isto é, não se questiona que os benefícios fiscais são medidas positivas que podem ser bem utilizadas, entretanto, quando utilizado sem nenhum parâmetro, como por exemplo, concedido indiscriminadamente, sem verificar a “capacidade contributiva” e histórico de cada devedor, que é o que ocorre nas transações tributárias da PGFN, com fulcro no art. 151 do CTN, há um caráter pernicioso dos parcelamentos concedidos, que podem prejudicar a adimplência.

IPVA: regramento, omissão na cobrança e ausência de fiscalização

IPVA é a sigla de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores.

Trata-se de imposto estadual, previsto no art. 155, III, da CF/88.

As normas gerais sobre o IPVA (fato gerador, base de cálculo, sujeito passivo etc.) deverão ter previsão em uma lei complementar nacional que o Congresso Nacional deve editar (art. 146, III, “a”, da CF/88). Ocorre que esta lei ainda não existe. Em razão disso, os Estados-membros podem legislar sobre o tema, conforme autorizado pelo art. 24, § 3º da CF/88, desde que respeitadas as demais regras constitucionais.

Fato gerador

É a propriedade de veículo automotor. 

Antes da EC 132/2023, o IPVA só incidiria sobre veículos automotores terrestres.

Entretanto, após a EC 132/2023, tornou-se possível a incidência do IPVA sobre navios e aeronaves, exceto referente às imunidades constitucionais criadas.

Base de cálculo

É o valor venal do veículo.

Importante: o art. 150, § 1º da CF/88 prevê que a fixação da base de cálculo do IPVA não está sujeita ao princípio da anterioridade nonagesimal. Isso significa que é possível que o Estado, nos últimos dias do ano, altere a tabela de valor venal dos veículos e essa mudança já valha a partir de 1º de janeiro do ano seguinte.

Alíquotas

Lei de cada Estado-membro fixará as alíquotas.

A CF/88, no entanto, determina que o Senado, mediante Resolução, defina alíquotas mínimas do IPVA a fim de evitar a guerra fiscal (art. 155, § 6º, II, da CF/88).

Logo, a lei estadual não poderá estipular alíquotas menores que aquelas fixadas pelo Senado. Isso com o objetivo de evitar que os Estados começassem a colocar valores muito baixos de IPVA para “incentivar” os proprietários de carros a emplacarem seus veículos nesses locais.

A Constituição autoriza que as leis estaduais prevejam alíquotas do IPVA diferenciadas segundo o tipo e a utilização do veículo.

Exemplo quanto ao tipo: a lei poderá prever que veículos utilitários poderão pagar alíquotas menores que veículos de passeio.

Exemplo quanto à utilização: táxis poderão pagar alíquotas menores que veículos particulares.

O STF decidiu que é inconstitucional tributar diferentemente veículos nacionais e importados.

Sujeito passivo

É o proprietário do veículo.

Lançamento do IPVA

O IPVA é um imposto sujeito a lançamento de ofício.

O lançamento de ofício (ou direto) é aquele no qual o Fisco, sem a ajuda do contribuinte, calcula o valor do imposto devido e o cobra do sujeito passivo. A Administração tributária já possui de antemão os elementos informativos para realizar a constituição do crédito tributário, não dependendo de nenhuma providência do contribuinte para isso.

Em outras palavras, o próprio Fisco, sozinho, já calcula quanto o contribuinte deverá pagar e apenas o avisa: pague este valor de imposto até o dia XX.

Além do IPVA, outro exemplo de imposto submetido a lançamento de ofício é o IPTU.

Notificação do lançamento

Após o Fisco realizar o lançamento, ele precisa comunicar que fez isso ao sujeito passivo para que este possa pagar o tributo ou impugná-lo, caso não concorde com o que está sendo cobrado.

“É a notificação que confere efeitos ao lançamento realizado, pois antes daquela não se conta prazo para pagamento ou impugnação.” (ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 10ª ed., São Paulo: Método, 2016, p. 377).

Forma de notificação do contribuinte

O CTN não prevê a forma como o contribuinte deverá ser notificado de que houve o lançamento de ofício e de que ele deverá pagar o tributo. Diante dessa lacuna, a jurisprudência entende que a legislação que rege cada tributo poderá disciplinar o meio idôneo para essa notificação.

No caso do IPTU, por exemplo, a maioria das leis municipais prevê que a notificação ocorre mediante o envio de uma correspondência ao sujeito passivo. Considera-se esse procedimento legítimo:

Súmula 397-STJ: O contribuinte do IPTU é notificado do lançamento pelo envio do carnê ao seu endereço.

Se o Estado-membro, no início do ano, divulga um calendário informando os proprietários dos veículos que deverão efetuar o pagamento do IPVA em cada data, este modo de notificação é válido?

SIM. O envio do carnê é apenas uma modalidade, que não exclui outras eventualmente mais convenientes para a Administração, como é o caso da divulgação de um calendário de pagamento, com instruções para os contribuintes fazerem o pagamento. Nesse sentido:

A cientificação do contribuinte para o recolhimento do IPVA pode ser realizada por qualquer meio  idôneo, como o envio de carnê ou a publicação de calendário de pagamento, com instruções para o pagamento.

STJ. 1ª Seção. REsp 1320825/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 10/08/2016.

Vale ressaltar, no entanto, que o Min. Gurgel de Faria ressalvou que essa espécie de notificação pessoal presumida (por meio da divulgação de “calendário de pagamento”) somente pode ser considerada válida em relação aos impostos reais, cuja exigibilidade por exercício é de notório conhecimento da população. Em outros termos, nos casos de IPTU e IPVA, por exemplo, todo mundo sabe que todo ano deverá pagar.

Qual é a principal função da notificação do contribuinte do IPVA?

A notificação do contribuinte para o recolhimento do IPVA perfectibiliza a constituição definitiva do crédito tributário.

Em outras palavras, com a notificação do contribuinte para o recolhimento da exação (pagamento do tributo) ocorre a constituição definitiva do crédito tributário.

Caso o contribuinte, mesmo depois de notificado, não pague o IPVA, o Fisco poderá ajuizar execução fiscal cobrando este imposto. A partir de quando é contado o prazo para o ajuizamento desta ação?

O prazo prescricional para a execução fiscal inicia-se no dia seguinte à data estipulada para o vencimento do imposto. Isso porque, antes dessa data, o pagamento não é exigível do contribuinte.

Assim, por exemplo, se o proprietário recebeu um carnê com data de vencimento para o dia 03/03, o prazo prescricional para o Estado-membro ajuizar execução fiscal iniciará no dia 04/03, caso o contribuinte não pague na data.

Qual é o prazo que o Fisco estadual possui para cobrar judicialmente o imposto?

O prazo prescricional é de 5 anos (art. 174 do CTN).

Resumindo:

A notificação do contribuinte para o recolhimento do IPVA perfectibiliza a constituição definitiva do crédito tributário, iniciando-se o prazo prescricional para a execução fiscal no dia seguinte à data estipulada para o vencimento da exação.

STJ. 1ª Seção. REsp 1320825/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 10/08/2016 (recurso repetitivo) (Informativo 588).

Releitura do art. 174 do CTN pelo STJ

O art. 174 do CTN estabelece o seguinte:

Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Para o STJ, a constituição definitiva do IPVA ocorre com a notificação do contribuinte para pagamento.

Desse modo, se fossemos utilizar a redação literal do art. 174, o prazo prescricional teria início na data da notificação do sujeito passivo (constituição definitiva). Exemplo: no dia em que ele recebeu o carnê de pagamento ou na data em que foi divulgado o calendário de pagamentos.

Ocorre que o STJ fez uma releitura dessa parte final do dispositivo e decidiu que o prazo prescricional deverá ser contado a partir do dia seguinte à data estipulada como vencimento do imposto.

IPVA

O STJ decidiu assim porque antes de passar a data do vencimento do tributo, o Fisco ainda não poderá executar o contribuinte, que ainda nem pode ser considerado devedor.

Até o último dia estabelecido para o vencimento, é assegurado ao contribuinte realizar o recolhimento voluntário, sem qualquer outro ônus, por meio das agências bancárias autorizadas ou até mesmo pela internet, ficando em mora tão somente a partir do dia seguinte.

Desse modo, tem-se que a pretensão executória da Fazenda Pública (actio nata) somente surge no dia seguinte à data estipulada para o vencimento do tributo.

Assim, o STJ “corrige” a parte final do art. 174, que deve ser lido da seguinte forma: a ação para a cobrança do crédito tributário decorrente de IPVA prescreve em cinco anos, contados do dia seguinte à data estipulada para o vencimento da exação.

Omissão na cobrança?

Em síntese, a notícia chama a atenção para duas coisas: o primeiro é que os contribuintes alegam que há uma demora nas Administrações Tributárias em ajuizar a execução fiscal, ou seja, cobrar no prazo de 5 (cinco) anos após o vencimento do tributo.

Isto porque, havendo uma demora de 5 (cinco) anos após o vencimento do tributo para ajuizar a execução fiscal, temos um caso em que ocorre a prescrição e não é possível o pagamento dos tributos.

Assim, chama-se a atenção para que as Receitas Estaduais (SEFAZ) e Procuradorias Estaduais (PGEs) melhorem e otimizem a forma de cobrança dos créditos de IPVA, sob pena do risco de inadimplência desses grandes devedores.

Como o tema já foi cobrado em concursos

(Ano: 2017 Banca: FGV Órgão: ALERJ Prova: FGV - 2017 - ALERJ - Procurador)

No ano de 2010, o calendário fixado pelo Estado do Rio de Janeiro para pagamento do IPVA foi publicado na imprensa oficial e amplamente divulgado pelos meios de comunicação em 02.01.2010 e tinha como prazo final para pagamento do imposto o dia 29.10.2010. Tácito, proprietário de um veículo automotor naquele exercício, não efetuou o pagamento do imposto no prazo estabelecido na legislação estadual. Diante disso, em 03.01.2011, o Fisco Fluminense lavrou auto de infração em face de Tácito, que, embora regularmente notificado em 07.01.2011, não apresentou defesa administrativa, permanecendo inadimplente quanto à referida obrigação tributária. Em 31.03.2016, Tácito foi citado em execução fiscal ajuizada em 04.03.2016 pelo Estado do Rio de Janeiro para cobrança de IPVA do exercício de 2010. Tácito apresentou Exceção de Pré-Executividade em que requereu a extinção da execução fiscal, com fundamento na prescrição do crédito tributário de IPVA exigido.

Considerando a legislação sobre o tema e a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmada por sua Primeira Seção, na ocasião do julgamento do REsp nº 1.320.825-RJ, submetido à sistemática do art. 1.039 do CPC/2015 (Tema nº 903), a alegação de Tácito está:

A) correta, pois o IPVA é um tributo sujeito a lançamento de ofício, cujo prazo prescricional para o ajuizamento de execução fiscal conta-se da data da divulgação do calendário de pagamento do tributo, quando os contribuintes são notificados do lançamento do imposto.

B) incorreta, pois o IPVA é um tributo sujeito a lançamento de ofício e, portanto, na hipótese de não pagamento pelo contribuinte no prazo estabelecido na legislação pertinente conforme calendário divulgado pelos meios de comunicação, o Fisco Estadual dispõe do prazo de cinco anos, previsto no art. 173, I, do CTN, a contar do exercício seguinte à ocorrência do fato gerador para constituir o crédito tributário, e, após a sua definitiva constituição, dispõe do prazo de cinco anos para a propositura de execução fiscal, conforme previsto no art. 174 do CTN.

C) correta, pois o IPVA é um tributo sujeito a lançamento de ofício, cujo prazo prescricional para o ajuizamento de execução fiscal conta-se do primeiro dia de cada exercício, eis que a exigibilidade do referido tributo é de notório conhecimento da população.

D) correta, pois foi ultrapassado o prazo prescricional de cinco anos contados entre a data da constituição definitiva do crédito tributário, que ocorreu mediante a notificação da lavratura de auto de infração, e o ajuizamento da execução fiscal.

E) correta, pois a notificação do contribuinte para o recolhimento do IPVA, inclusive quando esta se der mediante ampla divulgação do calendário com indicação de forma e prazo para pagamento do tributo, é meio idôneo para a constituição definitiva do crédito tributário, iniciando-se o prazo prescricional para o ajuizamento de execução fiscal no dia seguinte à data estipulada para o vencimento da exação.

Gabarito: E.

  1. DREHMER, Vitória. IPVA: 42% dos brasileiros não pagaram o imposto; veja como quitar a dívida. Autoesporte. Disponível em: <https://autoesporte.globo.com/servicos/noticia/2024/09/ipva-42percent-dos-brasileiros-nao-pagaram-o-imposto-veja-como-quitar-a-divida.ghtml>. ↩︎
  2. SÃO PAULO. Como é calculado o IPVA. Governo do Estado de São Paulo. Disponível em: <https://portal.fazenda.sp.gov.br/servicos/ipva/Paginas/Como-e-calculado-IPVA.aspx>. ↩︎
  3. ESTADÃO. Comece 2025 no azul: conheça 5 programas de renegociação de dívidas. E-Investidor. Disponível em: <https://einvestidor.estadao.com.br/webstories/programas-renegociacao-dividas-acordo-fies-refis/>. ↩︎
  4. SANTOS, Gilmara. 14 estados estão com programas de parcelamento de impostos. Monitor Mercantil. Disponível em: <https://monitormercantil.com.br/14-estados-estao-com-programas-de-parcelamento-de-impostos/>. ↩︎

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