STJ: não pode invasão domiciliar apenas baseada em “cheirinho de maconha” – entenda tudo do STJ e do STF

STJ: não pode invasão domiciliar apenas baseada em “cheirinho de maconha” – entenda tudo do STJ e do STF

De início, vamos apresentar o seguinte caso:

Suspeita de consumo de maconha não autoriza entrada no domicílio, diz STJ

Para tanto, nos valemos do inteiro teor do voto do HC nº 977684 / AL (2025/0024418-6), que pode ser encontrado ao pesquisar processos no site do STJ.

Nessa linha, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acaba de derrubar uma condenação por tráfico de drogas que expõe um problema crônico na atuação policial brasileira.

No Habeas Corpus nº 977.684/AL, o colegiado decidiu que policiais não podem invadir residências baseados apenas no “cheirinho conhecido” de maconha e comportamento suspeito.

O caso de Lindemberg dos Santos Silva, condenado em Alagoas a um ano e oito meses de reclusão por tráfico privilegiado, virou precedente importante sobre os limites da busca domiciliar.

A decisão, relatada pelo desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo, do TJSP, foi unânime – com apenas o voto divergente do ministro Og Fernandes.

A operação

Era mais um dia de patrulhamento ostensivo no bairro Ouricori, no Prado, zona rural de Alagoas.

O policial militar Paulo Fernando de Melo Brasil, lotado no RP Comando, estava com sua guarnição quando avistou Lindemberg fumando “alguma coisa” na porta de casa. Segundo o depoimento do PM em juízo, “havia um odor forte de maconha” no local.

A sequência dos fatos foi rápida: ao ver a viatura, Lindemberg “levantou-se e entrou na casa”.

Os policiais foram “no encalço do acusado” e, já dentro do imóvel, alcançaram o homem.

Questionado se havia outros entorpecentes na residência, Lindemberg inicialmente negou, mas depois informou que “tinha um material na pia de seu quintal”.

Lá estavam dois tabletes de maconha pesando 975 gramas. Lindemberg foi preso, processado e condenado.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos: prestação de serviços à comunidade e pagamento de 167 dias-multa no valor mínimo legal.

Parecia caso encerrado. Até a Defensoria Pública de Alagoas questionar a legalidade da entrada policial.

O que disse o TJ-AL?

O juiz de primeira instância validou integralmente a ação policial.

Na sentença de fls. 251/252 dos autos, argumentou que “não houve nas circunstâncias narradas, violação ao domicílio em ofensa ao que dispõe o art. 5º XI, da CF, uma vez que a entrada na residência se deu em um contexto de tentativa de fuga do acusado ao ser visualizado fumando um cigarro de maconha.”

O Tribunal de Justiça de Alagoas manteve a condenação por 17 parágrafos de fundamentação que podem ser resumidos assim: policiais viram suspeito usando drogas, ele fugiu para casa, eles entraram atrás, acharam mais drogas, logo a entrada foi legal.

O TJAL chegou a afirmar que havia “descrição pormenorizada e objetiva das fundadas razões” para a invasão.

Mas o STJ pensou diferente.

O que disse o STJ?

O voto do relator Otávio de Almeida Toledo é um tratado sobre inviolabilidade domiciliar, muito importante a leitura!

Cita desde o Conde Chatham, político inglês do século XVIII (“O homem mais pobre pode em sua cabana desafiar todas as forças da Coroa”), até jurisprudência contemporânea do STF e STJ.

maconha

“A busca domiciliar, no caso em exame, deveria estar amparada de consentimento do morador, porque a simples suspeita de que o investigado está fumando maconha não autoriza a violação da residência para a investigação de crime de tráfico de drogas”, escreveu Toledo.

O ministro foi didático ao explicar que consumo e tráfico são crimes distintos.

Ver alguém usando droga não autoriza busca por tráfico, assim como ver alguém bebendo não autoriza procurar destilaria clandestina em casa.

O que aconteceu com as provas?

Reconhecida a ilegalidade da busca, o STJ aplicou a teoria dos frutos da árvore envenenada. Em linguagem técnica: “é nula a prova derivada de conduta ilícita – no caso, a apreensão, após invasão desautorizada da residência do paciente, de 109 g de maconha -, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta.”

Os 975 gramas de maconha viraram papel sem valor jurídico.

Assim, Lindemberg foi absolvido com base no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal – ausência de prova da materialidade.

A divergência

O ministro Og Fernandes abriu divergência tentando salvar a condenação. Argumentou que “o acusado, que se encontrava em situação de evidente suspeita, empreendeu fuga para o interior da residência ao avistar a viatura que realizava patrulhamento de rotina no local.”

Para Fernandes, isso configuraria crime de tráfico na modalidade “trazer consigo” drogas, justificando a entrada. Foi voto vencido, isolado, que apenas confirmou o acerto da maioria.

E os precedentes do STJ?

Veja, a decisão não é isolada.

No AgRg no AREsp 2.196.166/SC, de fevereiro de 2023, a ministra Laurita Vaz havia anulado caso similar.

Lá, “o ingresso forçado no domicílio do Agravante está apoiado apenas em denúncias anônimas, no fato de que seria conhecido no meio policial e porque os policiais o teriam visto na janela da sua residência consumindo um cigarro que, supostamente, seria de maconha.”

A decisão cita ainda o HC 598.051/SP, relatado pelo ministro Rogerio Schietti Cruz, que “fixou a tese de que o ingresso em domicílio desautorizado exige a comprovação de fundadas razões (justa causa) evidenciadas pelo contexto fático anterior.”

Invasão domiciliar baseada em “fundada suspeita”

A notícia, inclusive, traz compilação impressionante da jurisprudência do STJ sobre busca domiciliar ilícita. A corte já anulou provas quando a entrada foi motivada por:

  • Denúncia anônima
  • Fama de traficante do suspeito
  • Tráfico praticado na calçada
  • Atitude suspeita e nervosismo
  • Indicação de cão farejador
  • Perseguição a carro
  • Apreensão de drogas em outro local
  • Informação dada por vizinhos
  • Fuga da própria casa
  • Autorização dos avós do suspeito
  • Suspeita de homicídio em data anterior
  • Apreensão de notas falsas na rua
  • Fumar maconha na garagem
  • Morador jogando algo no telhado

A  tese do STJ

O HC 977.684/AL estabelece três teses fundamentais:

"1. A entrada forçada em domicílio, sem mandado judicial, exige fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori. 2. A simples suspeita de uso de entorpecentes não autoriza a violação de domicílio para investigação de tráfico de drogas. 3. A ausência de consentimento do morador e de mandado judicial torna a busca domiciliar irregular e as provas obtidas ilícitas." AgRg no HC 977684(2025/0024418-6 de 01/09/2025)

Compilado de jurisprudência do STJ/STF

Tabela 1 — NÃO PODE (entrada ilícita sem mandado)
Situação fática (exemplos)Entendimento dos Tribunais SuperioresPrecedentes (órgão/ano) e observações
Denúncia anônima isolada (sem diligência prévia, sem outros indícios objetivos)Não basta para invadir domicílio; posterior achado de droga não convalida a entrada irregular.STJ: REsp 2.113.202/PA (6ª Turma, 2024); reafirma necessidade de “fundadas razões” e ônus do Estado provar consentimento.
Cheiro de maconha no corpo/roupa do abordado na ruaPode autorizar busca pessoal, mas não ingresso domiciliar.STJ: HC 838.089/SP (6ª Turma, 2023).AgRg no HC 977684 (6ª Turma 2025)
Fuga para dentro de casa ao avistar a polícia (sem outros elementos)Não autoriza por si só ingresso domiciliar.STJ: REsp 1.574.681/RS (6ª Turma, 2017); HC 686.489/SP (5ª Turma, 2021).
“Fama de traficante”, nervosismo, “atitude suspeita”Não bastam; exigem indícios objetivos atuais.STJ: HC 561.988/PR (6ª Turma, 2021); (compêndio institucional cita também RHC 126.092/SP, 2020).
Sinalização de cão farejador, isoladamente (sem diligências e sem outros elementos objetivos)Não autoriza, por si só, o ingresso forçado.STJ: informativos e julgados de 2020–2023 reiteram insuficiência do faro isolado. Observação: a matéria tem casuística e decisões pontuais em sentido diverso; conferir caso concreto.
Perseguição a veículo/fuga de indivíduo, sem mais (e depois entrada em casa)Não autoriza ingresso domiciliar quando faltam elementos de flagrância dentro do imóvel.STJ: precedentes compilados por órgãos oficiais de defesa (v.g., HC 561.360/SP, 6ª Turma, 2020).
Cumprimento de mandado de prisão usado como pretexto para “devassa” por drogasMandado não autoriza busca generalizada por outros crimes (desvio de finalidade).STJ: HC 663.055/SC (6ª Turma, 2021).
“Autorização do morador” não comprovada (ou duvidosa)Ônus do Estado provar consentimento livre e informado, preferencialmente com áudio/vídeo; na dúvida, prova ilícita.STJ: HC 598.051/SP (6ª Turma, 2021 – leading case, gravação); HC 821.494/SP (2024 – ônus probatório reforçado).
“Autorização” dada após prisão por motivo diverso (“fishing expedition”)Nula a autorização; ingresso ilícito.STJ: HC 762.932/SC (6ª Turma, 2023).
Venda/ato de droga na calçada sem outros elementos sobre o interior da casaNão autoriza presumir armazenamento e invadir domicílio.STJ: AgRg no REsp 1.886.985/RS (6ª Turma, 2020).
Informação vaga de vizinhos / ingresso em casa de terceiro vizinhoSem “fundadas razões” e/ou sem consentimento válido, prova ilícita.STJ: HC 561.988/PR (2021) – também anulou provas da casa vizinha sem consentimento.
Tabela 2 — PODE (entrada lícita sem mandado)
Situação fática (exemplos)Entendimento dos Tribunais SuperioresPrecedentes (órgão/ano) e observações
Fundadas razões objetivas de flagrante no interior (padrão geral)Lícito o ingresso, com posterior justificação; padrão vinculante (RG).STF (Pleno): RE 603.616/RO – Tema 280 (tese geral). Atualizações confirmam a linha.
Consentimento válido do morador (livre, informado, documentado, preferencialmente em áudio/vídeo; declaração assinada/testemunhas)Lícito, desde que o Estado prove a voluntariedade e a higidez do consentimento.STJ: HC 598.051/SP (6ª Turma, 2021 – gravação recomendada); HC 821.494/SP (2024 – reforço do ônus probatório).
Imóvel desabitado (sem sinais de moradia) com fundada suspeita de crime permanenteLícito (não há asilo doméstico de fato), se presentes indícios objetivos.STJ: HC 588.445/SC (5ª Turma, 2020).
Teoria da aparência (pessoa no local com aparência/legitimidade para autorizar)Pode legitimar o ingresso, se a autorização for verossímil e idônea.STJ: RHC 141.544/PR (5ª Turma, 2021).
Cumprir mandado de prisão (art. 293 do CPP) – apenas para capturar o procurado, sem devassa por outros crimesLícito o ingresso nos termos do mandado; buscas por outros fatos exigem justa causa/mandado.CPP, art. 293 (texto oficial) + STJ (vedação a “fishing expedition” – HC 663.055/SC, 2021).


• “Fundadas razões” ≠ impressão subjetiva: exigem indícios verificáveis (ex.: campanas, diligências preliminares, relatos corroborados, visualização externa inequívoca, urgência real). STF Tema 280.
Ônus do Estado (polícia/acusação) provar: (i) a justa causa anterior à entrada; (ii) a validade do consentimento (se alegado). STJ (HC 598.051; HC 821.494; REsp 2.113.202).
Cheiro de maconha: se no corpo do suspeito, não autoriza invasão da casa (só busca pessoal) — HC 838.089/SP. Se alegado “cheiro vindo do interior” exige fundadas razões concretas do flagrante dentro do imóvel.

Síntese

  1. Regra (CF/88, art. 5º, XI): domicílio é asilo inviolável. Exceções: mandado judicial ou flagrante delito (com fundadas razões, justificadas a posteriori), desastre e prestar socorro. Padrão STF – RE 603.616/RO (Tema 280).
  2. Pode se em 3 passos:
    (i) Havia indícios objetivos anteriores de flagrante no interior? (não vale só “atitude suspeita”, fuga, fama, faro de cão isolado, cheiro no corpo) — se não, não entra;
    (ii) Houve consentimento válido? Prove com áudio/vídeo ou declaração (livre e informada). Na dúvida, é ilícito;
    (iii) Se havia mandado (prisão): a entrada serve para prender, não para devassar por outros crimes.
  3. Frutos da árvore envenenada: entrada ilícita anula as provas e as derivadas.

Como o tema já foi cobrado em provas

Prova: FUNDEP (Gestão de Concursos) - 2019 - DPE-MG - Defensor Público

Analise o caso hipotético a seguir.

Durante patrulhamento ostensivo em uma região da cidade conhecida pelo intenso tráfico de drogas, policiais militares abordaram um indivíduo que se contrava sozinho na rua. Após busca pessoal, na qual nada de suspeito foi encontrado, os policiais conduziram o indivíduo até a residência dele e, sem autorização judicial ou do morador do domicílio, entraram no local e realizaram busca domiciliar. Encontraram no local uma pequena quantidade de maconha. Deram, então, voz de prisão em flagrante delito ao indivíduo, única pessoa que se encontrava no local. A autoridade policial a quem foi apresentado o detido pelos policiais militares ratificou a voz de prisão em flagrante, promovendo a autuação da prisão em flagrante pela suposta prática do delito previsto no art. 33 da Lei de Drogas. Foram realizadas as devidas comunicações da prisão e cumpridas todas as formalidades legais e constitucionais. No interrogatório policial, o detido permaneceu em silêncio. Foram ouvidas como testemunhas no auto de prisão em flagrante dois policiais militares que compunham a guarnição que efetuou a detenção em flagrante juntamente com o terceiro que funcionou como condutor. Tanto o condutor quanto as testemunhas do auto de prisão em flagrante delito relataram que após a apreensão da droga no domicílio a pessoa detida teria confessado que tal substância se destinava ao comércio ilícito. O preso não registrava qualquer antecedente criminal, tendo endereço certo e trabalho honesto.

Na audiência de custódia, a defesa técnica deverá requerer, como principal tese,

Alternativas

A) o relaxamento da prisão em flagrante diante da ilegalidade da busca domiciliar e da voz de prisão em flagrante delito. (Gabarito)

Mera intuição de que está havendo tráfico de drogas na casa não autoriza o ingresso sem mandado judicial ou consentimento do morador. 
Prova: FGV - 2023 - TJ-SE - Atividade Notarial e de Registro - Remoção

João e Alberto, policiais militares, receberam denúncia anônima no sentido de que Marcos estava praticando atos de traficância em seu domicílio. Dessa forma, os agentes públicos se dirigiram ao local e, sem a realização de diligências adicionais, ingressaram no imóvel, inexistindo autorização do proprietário.

No interior da residência, os policiais arrecadaram sete quilos de cocaína e um caderno, no qual havia anotações de contabilidade do tráfico de drogas e um endereço.

Ato contínuo, os policiais diligenciaram ao local indicado, tratando-se de um armazém, onde encontraram mais três quilos de cocaína.

Nesse cenário, considerando as disposições do Código de Processo Penal e a jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores, é correto afirmar que:

B) os elementos probatórios arrecadados no imóvel de Marcos são ilícitos. No mesmo sentido, as provas angariadas no armazém são ilícitas, em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada. (Gabarito)
Prova: FUNDATEC - 2025 - DPE-SC - Defensor Público - Substituto

Sobre a busca domiciliar, assinale a alternativa que NÃO aponta a jurisprudência dominante e atual dos tribunais superiores.

Alternativas

A) O fato de policiais terem considerado a atitude do morador suspeita não justifica ingresso forçado no domicílio.

B) O fato de cão farejador ter sinalizado que haveria drogas na residência é suficiente para autorizar o ingresso na casa do suspeito.

C) O simples fato de o acusado ter antecedentes por tráfico de drogas não autoriza a realização de busca domiciliar

D) A prova do consentimento do morador incumbe ao estado.

E) É lícita a entrada de policiais, sem autorização judicial e sem consentimento do hóspede, em quarto de hotel, desde que presentes fundadas razões da ocorrência de flagrante delito.

Gab.: B.

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