STF invalida isenção de pedágio para pessoas com deficiência – entendendo a ADI 3816.

STF invalida isenção de pedágio para pessoas com deficiência – entendendo a ADI 3816.

isenção de pedágio

É interessante, muitos sites estão dizendo que o STF declarou inconstitucional um benefício fiscal que foi concedido pelo Estado para pessoas com deficiência. Não foi bem assim…

Bom, vamos entender melhor isso. Na verdade, entender o que foi decidido e qual razão foi essa.

Em síntese, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.816 foi proposta pelo Governador do Estado do Espírito Santo contra a Lei Estadual nº 7.436/2002, posteriormente alterada pela Lei nº 10.684/2017. 

Conforme vemos no relatório, a norma questionada estabelecia “isenção do pagamento de pedágio nas rodovias estaduais em favor de veículos de propriedade de pessoas com deficiência”.

Nessa linha, adiantando, o caso revela um conflito entre diferentes valores constitucionais: de um lado, a proteção e inclusão de pessoas com deficiência; de outro, questões relativas à separação dos poderes e ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de rodovias.

Conteúdo da lei impugnada

Analisando o inteiro teor, verificamos que a Lei nº 7.436/2002 possuía quatro artigos, sendo que o primeiro estabelecia a isenção propriamente dita, o segundo tratava da expedição de documento comprobatório da isenção, o terceiro fixava prazo para regulamentação pelo Executivo, e o quarto disciplinava a vigência da lei.

Um destaque breve, é que na redação alterada pela Lei nº 10.684/2017, houve apenas uma mudança terminológica, substituindo a expressão “pessoa portadora de deficiência” por “pessoa com deficiência”, em consonância com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Argumentos do autor da ação

O Governador alegou basicamente dois conjuntos de argumentos:

  1. Violação ao princípio da separação dos poderes: Sustentou que os arts. 2º e 3º da lei padeciam de vício de iniciativa, pois teriam usurpado competência privativa do Chefe do Executivo para dispor sobre matéria administrativa, violando os arts. 61, §1º, II, e 84, II e VI, “a”, da Constituição Federal.
  2. Desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão: Argumentou que a isenção comprometeria a equação econômico-financeira dos contratos firmados com concessionárias de rodovias, violando os arts. 37, XXI, e 175 da Constituição Federal. Conforme exposto no relatório (fl. 4-5), o proponente alegou que a lei “prejudica o devido procedimento de licitação e o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão”.

Manifestações dos órgãos

A Assembleia Legislativa do Espírito Santo defendeu a constitucionalidade da lei, argumentando que:

  • Os dispositivos não tratavam de matéria de iniciativa privativa do Executivo
  • O impacto da isenção não seria significativo a ponto de gerar desequilíbrio contratual
  • A medida promoveria igualdade material para pessoas com deficiência

O Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República manifestaram-se pela improcedência do pedido principal (manutenção da isenção), mas o PGR opinou pela procedência parcial para declarar a inconstitucionalidade apenas do art. 3º da lei.

Análise do STF  – Isenção de pedágio

1. Quanto à alegada violação à reserva de iniciativa

O Ministro Relator Nunes Marques, seguindo precedente da Corte (ADI 2.733), afastou o argumento de vício de iniciativa. Conforme explicitado no voto:

“No caso ora em exame, a norma oriunda do Legislativo não versa criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta e autárquica; aumento de remunerações; servidores públicos e seu regime jurídico; ou provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria.”

O Relator explicou que o rol de matérias sujeitas à iniciativa privativa do Presidente da República (extensível aos Governadores por simetria) é taxativo e não pode ser ampliado por interpretação.

2. Quanto à fixação de prazo para regulamentação

Neste ponto, o STF acolheu a inconstitucionalidade. O Relator fundamentou:

“A jurisprudência do Supremo se consolidou pela impossibilidade de lei estipular prazo para o Chefe do Poder Executivo regulamentá-la.”

Isso porque o poder regulamentar integra as funções típicas do Executivo e está abrangido pela competência privativa do Presidente (e Governadores) para “exercer a direção superior da administração” (art. 84, II, CF). 

Perceba, fixar prazo para o exercício dessa função caracterizaria interferência indevida na autonomia do Poder Executivo.

Assim, a única coisa que foi declarada inconstitucional, na verdade, foi a fixação de PRAZO para que o Executivo regulamentasse a isenção.

3. Quanto ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos

O STF rejeitou este argumento, em análise que constitui o ponto mais substancial da decisão. O Relator destacou que:

“Não há, na inicial ou nas demais manifestações, elementos indicativos de que a aludida isenção tenha gerado quebra no equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de rodovias estaduais.”

O Ministro estabeleceu importante distinção entre este caso e o precedente da ADI 2.733 (também do Espírito Santo), em que se declarou inconstitucional lei que isentava motocicletas do pedágio. Conforme explicitado no voto:

“Há, portanto, relevante distinção entre os casos em análise, uma vez que eventual impacto no equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão causado pela isenção a motocicletas e estudantes é muito maior que o impacto da isenção de pedágio concedida apenas a pessoas com deficiência.”

Fundamentos que prevaleceram

O STF embasou sua decisão em importantes princípios constitucionais relativos às pessoas com deficiência, citando expressamente:

  1. O art. 227, §2º, da CF, que prevê normas de construção para garantir acesso adequado às pessoas com deficiência;
  2. O art. 244 da CF, que determina a adaptação dos logradouros, edifícios e veículos existentes;
  3. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada com status de emenda constitucional, que estabelece a acessibilidade como princípio geral (art. 3, “f”) e prevê medidas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso ao transporte (art. 9).

Conforme destacado no voto:

“Percebe-se, pois, a preocupação do Poder Constituinte com a acessibilidade e a plena integração das pessoas com deficiência no convívio social – prevendo, inclusive, a edição de norma regulamentadora para tanto.”

Técnicas aplicadas – isenção de pedágio

Na decisão, verificamos importantes técnicas de interpretação constitucional:

  1. Presunção de constitucionalidade das leis: O Relator enfatizou que “eventual dúvida, nesse contexto, milita em favor da lei, que não deve ser declarada inconstitucional em zona de incerteza”.
  2. Proporcionalidade: O STF analisou a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito da medida, concluindo que “a isenção estabelecida é adequada e necessária ao objetivo posto, além de atender à proporcionalidade em sentido estrito, no que torna eficaz, às pessoas com deficiência, o direito fundamental de acesso ao transporte”.
  3. Ponderação de valores constitucionais: O Tribunal equilibrou o interesse econômico das concessionárias com os direitos fundamentais das pessoas com deficiência, prevalecendo estes últimos no caso concreto.

Decisão Final e Alcance – Isenção de pedágio

O STF julgou parcialmente procedente o pedido, declarando inconstitucional apenas o art. 3º da Lei n. 7.436/2002 do Estado do Espírito Santo, que fixava prazo para regulamentação pelo Poder Executivo.

No voto vogal, o Ministro Gilmar Mendes fez importante ressalva:

“Ressalto, apenas, que a constatação de eventual desequilíbrio econômico-financeiro na relação contratual em decorrência da legislação ora analisada pode dar ensejo à revisão do quanto entabulado ou mesmo à adoção de medida de caráter compensatório, sendo essa questão passível de exame nas instâncias competentes.”

Isso significa que a decisão do STF não impede que eventual impacto econômico relevante seja discutido em sede própria, mediante comprovação adequada. 

Veja, o pedágio tem natureza de preço público, logo, as concessionárias provavelmente vão receber valores do Estado, já que receberiam esses valores das pessoas que possuem deficiência.

Então, o STF declarou a necessidade de prazo para “regulamentar” inconstitucional, logo, a lei está válida? A isenção pode ser exigida pelo contribuinte?

Veja, o STF não deixou explícito o que ia acontecer.

Entretanto, a questão central reside no equilíbrio entre segurança jurídica e efetividade de direitos fundamentais. 

Embora a isenção de pedágio para pessoas com deficiência esteja formalmente vigente após a decisão do STF, sua eficácia prática fica parcialmente comprometida pela ausência de regulamentação quanto aos procedimentos administrativos específicos para sua implementação.

Esta lacuna, no entanto, pensamos, não deve constituir obstáculo absoluto ao exercício do direito, sendo razoável admitir que, na ausência de normas procedimentais específicas, a comprovação da condição de pessoa com deficiência e da adaptação veicular possa ser feita por meios alternativos documentais já existentes no ordenamento jurídico, como laudos médicos oficiais e certificados de adaptação veicular, até que sobrevenha a necessária regulamentação pelo Poder Executivo…

Vamos esperar as cenas dos próximos capítulos. Cuidado para não achar que o STF declarou tudo inconstitucional, agora você já sabe…

isenção de pedágio

Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!

Concursos 2025

0 Shares:
Você pode gostar também