Interrupção de Serviços Públicos

Interrupção de Serviços Públicos

Conheça, nesse artigo, as hipóteses legais e os entendimentos jurisprudenciais acerca da interrupção de serviços públicos.

Interrupção de Serviços Públicos

Princípio da continuidade

Os serviços públicos são atividades essenciais à coletividade. Os serviços públicos prestados sob regime de concessão têm como pressuposto constitucional (art. 170, IV da CF/88) a sua prestação adequada, o que envolve sua prestação de forma contínua. Trata-se do princípio da continuidade dos serviços públicos, expressamente previsto na lei nº 8.987/95, segundo o qual os serviços públicos não podem ser interrompidos ou suspensos, salvo exceções legais:

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

(…)

3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em emergência ou após prévio aviso, quando:

I – motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,

II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

§ 4º  A interrupção do serviço na hipótese prevista no inciso II do § 3º deste artigo não poderá iniciar-se na sexta-feira, no sábado ou no domingo, nem em feriado ou no dia anterior a feriado(Incluído pela Lei nº 14.015, de 2020)

Hipóteses legais de interrupção do serviço público

De acordo com o dispositivo legal colado acima, a interrupção não se caracteriza como descontinuidade do serviço nas seguintes situações:

  1. Emergência ou
  2. Em situações normais, após aviso prévio (que deverá informar o dia exato do desligamento e deve ocorrer em horário comercial – Lei nº 13.460/2017):
  3. Por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações;
  4. Por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade (o corte tem a finalidade de garantir a continuidade do serviço público, tendo em vista que a manutenção do serviço em favor dos inadimplentes pode ensejar a inviabilidade econômica de manutenção da atividade em favor de toda a coletividade).

Obs.: o corte por inadimplemento não poderá iniciar-se na sexta feira, no sábado ou no domingo, nem em feriado ou no dia anterior a feriado.

Aviso prévio

Segundo o STJ, o aviso prévio pode ser realizado por meio de emissora de rádio:

O STJ decidiu ainda que a divulgação da suspensão no fornecimento de serviço de energia elétrica por meio de emissoras de rádio, dias antes da interrupção, satisfaz a exigência de aviso prévio, prevista no art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/95 (REsp 1.270.339-SC).

Taxa de religação

Caso o consumidor queira regularizar a situação e pagar as contas em atraso, a concessionária poderá cobrar uma taxa de religação do serviço. Essa taxa de religação, contudo, não será devida se a concessionária cortou o serviço sem prévia notificação (Lei nº 13.460/2017).

Interrupção de serviço público em virtude do inadimplemento do consumidor

Vamos tratar, a partir de agora, apenas das situações que envolvem a interrupção do serviço público em virtude do inadimplemento do consumidor, já que há vasta jurisprudência sobre o tema.

O STJ tem julgados que reconhecem a legitimidade da interrupção do fornecimento de energia elétrica em virtude do inadimplemento do consumidor:

É legítima a interrupção do fornecimento de energia elétrica por razões de ordem técnica, de segurança das instalações, ou ainda, em virtude do inadimplemento do usuário, quando houver o devido aviso prévio pela concessionária sobre o possível corte no fornecimento do serviço. STJ. 1ª Turma. REsp 1270339/SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 15/12/2016

Os critérios autorizadores variam de acordo com a natureza da dívida:

1. Débitos decorrentes do consumo regular (atraso de pagamento)

É permitido o corte da energia elétrica do consumidor quando se tratar de inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do consumo. Para isso, no entanto, antes de fazer o corte, a concessionária é obrigada a comunicar o consumidor.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, é ilegítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando a inadimplência do consumidor decorrer de débitos pretéritos;

Se o débito é antigo (ex: estamos em dezembro/2024) e a dívida é de janeiro/2024, a concessionária deverá buscar a satisfação de seu crédito pelas chamadas “vias ordinárias de cobrança” (ex: protestar o débito, inscrever nos cadastros restritivos, propor ação de cobrança etc.)

O corte de serviços essenciais, tais como água e energia elétrica, pressupõe o inadimplemento de conta regular, sendo inviável, portanto, a suspensão do abastecimento em razão de débitos antigos. STJ. 1ª Turma.AgRg no Ag 1320867/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 08/06/2017.

2. Débitos relacionados com recuperação de consumo por responsabilidade da concessionária

Recuperação de consumo não faturado significa que uma determinada quantidade de energia elétrica que foi fornecida e utilizada pelo consumidor, mas que, apesar disso, não foi registrada corretamente. Ex.: imaginemos que, em maio/2024, o consumidor utilizou 150 kWh/mês, mas o medidor, por uma falha técnica, só registrou 50kWh/mês

Nesse caso, existe um faturamento lançado a menor, em decorrência de deficiência nos equipamentos de medição.

O STJ entende que não é possível o corte do serviço. A concessionária deverá exigir os seus créditos pelas “vias ordinárias de cobrança”:

É ilegítima a suspensão de fornecimento de energia elétrica por dívida pretérita, a título de recuperação de consumo, devendo o valor ser cobrado pelas vias ordinárias. STJ. 1ª Turma. EDcl no REsp 1339514/MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 05/03/2013

3. Débitos relacionados com recuperação de consumo por responsabilidade atribuível ao consumidor (fraude do medidor)

É possível o corte desde que respeitados os seguintes requisitos:

  1. Contraditório: a responsabilidade do consumidor pela fraude deverá ser devidamente apurada, conforme procedimento estipulado pela ANEEL (agência reguladora), assegurando-se ampla defesa e contraditório. Em outras palavras, a suposta fraude no medidor de consumo de energia não poderá ser apurada unilateralmente pela concessionária;
  2. Aviso prévio ao consumidor;
  3. Cobrança retroativa dos últimos 90 dias: a suspensão administrativa do fornecimento do serviço deve ser possibilitada quando não forem pagos débitos relativos aos últimos 90 dias da apuração da fraude, sem prejuízo do uso das vias judiciais ordinárias de cobrança. Isso porque o reconhecimento da possibilidade de corte do serviço de energia elétrica pelas concessionárias deve ter limite temporal de apuração retroativa. Ex.: ficou comprovado que João fraudou o medidor de energia elétrica há 1 ano e que, portanto, durante os últimos 12 meses pagou a menos do que deveria. A concessionária poderá determinar o corte do serviço e só religará a energia se o consumidor pagar a dívida. No entanto, para religar não se exige o pagamento dos 12 meses, mas apenas dos últimos 90 dias. Assim, se João pagar os últimos 90 dias, a concessionária deverá religar a energia. Os outros 9 meses que faltaram deverão ser cobrados pela concessionária pelas vias ordinárias.
  4. Máximo 90 dias após a recuperação do consumo para efetuar o corte:  deve ser fixado prazo razoável de, no máximo, 90 dias após o vencimento da fatura de recuperação de consumo, para que a concessionária possa suspender o serviço.

Na hipótese de débito estrito de recuperação de consumo efetivo por fraude no aparelho medidor atribuída ao consumidor, desde que apurado em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, é possível o corte administrativo do fornecimento do serviço de energia elétrica, mediante prévio aviso ao consumidor, pelo inadimplemento do consumo recuperado correspondente ao período de 90 dias anterior à constatação da fraude, contanto que executado o corte em até 90 dias após o vencimento do débito, sem prejuízo do direito de a concessionária utilizar os meios judiciais ordinários de cobrança da dívida, inclusive antecedente aos mencionados 90 dias de retroação. STJ. 1ª Seção. REsp 1.412.433-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo) (Info 634)

Corte de fornecimento de serviços públicos para a Administração Pública

Vale ressaltar que essa suspensão no fornecimento é permitida mesmo que o corte no serviço atinja um órgão ou entidade que preste serviços públicos à população. É o que diz a Lei nº 9.427/96 (Lei das Concessionários de Energia Elétrica):

Art. 17. A suspensão, por falta de pagamento, do fornecimento de energia elétrica a consumidor que preste serviço público ou essencial à população e cuja atividade sofra prejuízo será comunicada com antecedência de quinze dias ao Poder Público local ou ao Poder Executivo Estadual.

Há legitimidade do corte no fornecimento do serviço de telefonia quando inadimplentes entes públicos, desde que a interrupção não atinja serviços públicos essenciais para a coletividade, tais como escolas, creches, delegacias e hospitais. STJ. 1ª Turma. EDcl no REsp 1244385/BA, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 13/12/2016.

Obs.: Unidades públicas essenciais

Entretanto é ilegítimo o corte no fornecimento de serviços públicos quando inadimplente unidade de serviço público essencial:

É ilegítimo o corte no fornecimento de energia elétrica quando puder afetar o direito à saúde e à integridade física do usuário. A suspensão do serviço de energia elétrica, por empresa concessionária, em razão de inadimplemento de unidades públicas essenciais – hospitais; pronto-socorro; escolas; creches; fontes de abastecimento d’água e iluminação pública; e serviços de segurança pública -, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, despreza o interesse da coletividade. STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp 543.404/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 12/02/2015.

Outras peculiaridades da interrupção de serviços públicos

1. Débito irrisório

Segundo o STJ, é ilegítimo o corte no fornecimento de energia elétrica em razão de débito irrisório por afrontar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, cabendo ao lesado pleitear indenização pro danos morais:

É ilegítimo o corte no fornecimento de energia elétrica em razão de débito irrisório, por configurar abuso de direito e ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sendo cabível a indenização ao consumidor por danos morais. Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos costumes (art. 187 do Código Civil). A concessionária, ao suspender o fornecimento de energia elétrica em razão de um débito de R$ 0,85, não agiu no exercício regular de direito, e sim com flagrante abuso de direito. Aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. STJ. 1ª Turma. REsp 811.690/RR, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 18/05/2006.

2. Natureza pessoal

O corte no fornecimento de energia elétrica somente pode recair sobre o imóvel que originou o débito, e não sobre outra unidade de consumo do usuário inadimplente, sendo ilegal o “corte cruzado”.

Ademais, tendo em vista que se trata de débito de natureza pessoal, este não acompanha a coisa, de forma que, havendo alienação do imóvel, por exemplo, o adquirente não fica responsável pelos débitos pretéritos.

O corte no fornecimento de energia elétrica somente pode recair sobre o imóvel que originou o débito, e não sobre outra unidade de consumo do usuário inadimplente (ilegalidade do chamado “corte cruzado”). Por ser a interrupção no fornecimento de energia elétrica medida excepcional, o art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95 deve ser interpretado restritivamente, de forma a permitir que o corte recaia apenas sobre o imóvel que originou o débito, e não sobre outros imóveis de propriedade do inadimplente. STJ. 1ª Turma. REsp 662.214/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 06/02/2007.

O débito, tanto de água como de energia elétrica, é de natureza pessoal, não se caracterizando como obrigação de natureza propter rem  (AgRg no AREsp 79.746/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 25/06/2014).

3. Inscrição do débito no cadastro de inadimplentes

O STF decidiu recentemente que é inconstitucional lei estadual que vede a inscrição em cadastro de proteção ao crédito de usuário inadimplente dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, sob pretexto de se estar legislando acerca do direito do consumidor.

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