O interrogatório do réu foragido por videoconferência: divergências jurisprudenciais e implicações práticas

O interrogatório do réu foragido por videoconferência: divergências jurisprudenciais e implicações práticas

Olá, pessoal, aqui é o professor Allan Joos e hoje vou comentar uma recentíssima decisão do STF sobre a participação do réu em audiência por videoconferência, nas hipóteses em que estiver foragido.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal (STF) enfrentou o problema no HC 256613 AgR/SP, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, reafirmando a impossibilidade de o réu foragido, com mandado de prisão em aberto, ser interrogado por videoconferência. O STF, no referido acórdão, rejeitou a nulidade da audiência em que o réu, foragido, tinha sido impedido de participar.

O interrogatório

Essa decisão acentua a divergência já existente, dentro do próprio STF e no âmbito do STJ. Ao mesmo tempo, existem decisões da própria Corte, em momentos distintos, que admitiram a medida como forma de concretizar direitos fundamentais. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem precedentes em sentido restritivo, afastando essa possibilidade.

O interrogatório judicial ocupa papel central no processo penal. É simultaneamente meio de prova e instrumento de autodefesa, representando uma oportunidade ímpar de o acusado se manifestar diante do juiz que o julgará. A sua natureza híbrida, envolvendo tanto elementos probatórios quanto garantias constitucionais ligadas à ampla defesa e ao contraditório, explica por que o tema desperta debates relevantes na doutrina e na jurisprudência.

Nesses termos é que este artigo busca examinar essa divergência, os fundamentos favoráveis e contrários à participação do réu na audiência, por videoconferência, quando foragido. O tema já é e certamente continuará sendo cobrado em concursos jurídicos, tanto em provas objetivas, quanto também nas fases seguintes, em especial nos certames do Ministério Público, Defensoria Pública, magistratura e para delegado de polícia, a exemplo da questão que traremos ao final desta análise.

O HC 256613 AgR/SP e a posição atual do STF

No HC 256613 AgR/SP, julgado em agosto de 2025 pela Segunda Turma do STF, a Corte decidiu que não cabe a realização de interrogatório por videoconferência em caso de réu foragido. Este é o julgado mais recente, do STF, sobre a temática.

O relator, Ministro Gilmar Mendes, destacou três aspectos centrais:

  1. A impossibilidade decorre da própria condição de foragido: aquele que se evade da persecução penal não pode se beneficiar de nulidade que ele mesmo provocou, conforme estabelece o art. 565 do CPP.
  2. O acusado foi intimado regularmente, mas optou por não comparecer, em razão da ordem de prisão em aberto. A ausência, portanto, não foi involuntária.
  3. Não houve prejuízo à ampla defesa, pois a defesa técnica esteve presente, apresentou resposta à acusação e memoriais.

A divergência na jurisprudência: STF x STJ

A controvérsia não surge apenas desse julgado, mas de posições anteriores e até conflitantes.

O entendimento do STJ

O Superior Tribunal de Justiça já havia se posicionado no sentido de que não é cabível o interrogatório virtual de réus foragidos. No HC 640.770/SP (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 15/06/2021), a Sexta Turma foi categórica ao afirmar:

“Não cabe a pretensão de realizar o interrogatório de forma virtual ao foragido por considerável período, pois a situação não se amolda ao art. 220 do CPP.”

O tribunal entendeu que o art. 220 do CPP — que permite oitiva fora do fórum em casos de enfermidade ou velhice — não pode ser aplicado ao réu foragido por analogia. Trata-se de uma situação distinta, marcada pela voluntariedade da evasão, que não pode ser equiparada a impossibilidades legítimas e involuntárias.

O entendimento oscilante do STF

A peculiaridade está no próprio STF, que ora adota a linha restritiva, ora se inclina a reconhecer o direito do réu foragido de participar virtualmente.

No HC 227671 MC-Ref (Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 08/08/2023), a Segunda Turma do STF entendeu possível o interrogatório remoto de réu foragido, para assegurar contraditório, ampla defesa, celeridade e eficiência processual. O acórdão ressaltou a prevalência das garantias constitucionais sobre a estratégia de defesa da fuga, desde que presentes fumus boni iuris e periculum in mora.

Já no HC 256613 AgR/SP (2025), como visto, a Corte retomou a posição contrária, negando essa possibilidade e alinhando-se ao entendimento do STJ.

O valor normativo do art. 220 e do art. 565 do CPP

Dois dispositivos processuais servem como base argumentativa para essa divergência:

  • Art. 220 do CPP: autoriza oitiva fora do fórum de testemunhas impossibilitadas por enfermidade ou velhice. O STJ entende que a norma não admite extensão para casos de réus foragidos, pois se trataria de analogia imprópria, que premiaria a evasão.
  • Art. 565 do CPP: impede a arguição de nulidade por quem lhe deu causa. O STF, no HC 256613 AgR/SP, aplicou expressamente esse artigo, sustentando que a ausência do interrogatório decorreu do comportamento voluntário do réu, de modo que a defesa não poderia alegar cerceamento.

Esses dispositivos, portanto, revelam a possiblidade de dupla interpretação, que compreende a literalidade da lei processual e a força normativa dos princípios constitucionais, em especial o do devido processo legal e da ampla defesa.

O interrogatório como direito fundamental de autodefesa

A doutrina processual penal contemporânea ressalta que o interrogatório é, antes de tudo, um direito fundamental. Ao negar ao réu a possibilidade de ser ouvido, corre-se o risco de esvaziar a sua autodefesa.

Contudo, a doutrina também reconhece que não há direito absoluto. O direito ao interrogatório pressupõe a boa-fé processual e a observância das condições legais. Nesse sentido, a fuga deliberada tensiona os limites da autodefesa e da eficiência da justiça penal.

Importância do tema em concursos de carreiras jurídicas

O tema tem se mostrado recorrente em concursos para as principais carreiras jurídicas, como Defensor Público, Promotor de Justiça, Juiz de Direito e Delegado de Polícia. Isso porque exige dos candidatos compreender os posicionamentos divergentes e responder às questões de acordo com o posicionamento adotado pela banca.

Ou seja, se você estiver participando de um certame do Ministério Público, o entendimento a ser seguido é o mais restritivo. Por outro lado, caso seja uma prova para a Defensoria Pública, a tendência é que a banca cobre um posicionamento mais garantista, ou seja, aquele que defende a possibilidade de participação do réu foragido.

Trata-se, portanto, de tema que avalia não apenas conhecimento normativo, mas sobretudo a habilidade de interpretar a lei à luz dos precedentes, da dogmática penal e do posicionamento institucional

Veja, a título de exemplo, que a prova de Delegado da PF (2025) cobrou diretamente o tema:

Questão 91. O réu foragido tem direito à participação no interrogatório por videoconferência, ainda que a audiência esteja sendo realizada de forma presencial, por se tratar de direito fundamental assegurado a todo acusado.

Gabarito: errado.

O item foi considerado incorreto porque o STJ firmou entendimento contrário, conforme o HC 640.770/SP. O tribunal ressaltou que o art. 220 do CPP não ampara a situação do réu foragido e que admitir a medida seria premiar a evasão, em detrimento da autoridade da ordem judicial.

Esse exemplo demonstra que as bancas examinadoras têm privilegiado a posição do STJ, ainda que existam decisões do STF em sentido diverso.


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