O Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou recentemente uma edição especial da série Jurisprudência em Teses (edição 260) dedicada exclusivamente ao interrogatório do réu no processo penal – e por isso, certamente, haverá cobrança da matéria em sua prova!
A coletânea sistematiza os principais entendimentos firmados pela Corte sobre esse ato fundamental, reafirmando sua natureza predominantemente defensiva e os limites legais e constitucionais que devem ser respeitados em sua condução.
Interrogatório
O interrogatório é mais do que um meio de prova: é um instrumento privilegiado de autodefesa, no qual o acusado, pessoalmente ou por videoconferência em hipóteses excepcionais (art. 185, §2º, CPP), pode se manifestar sobre os fatos que lhe são imputados.
A defesa do investigado ou acusado se realiza em duas frentes complementares:
- a defesa técnica, exercida por advogado devidamente habilitado, cuja presença é indispensável em todos os atos processuais relevantes (art. 261 do CPP);
- e a autodefesa, materializada principalmente por meio do interrogatório judicial.
Regulamentado a partir do art. 185 do Código de Processo Penal, o interrogatório é a oportunidade conferida ao réu para apresentar, pessoal e diretamente, sua versão dos fatos. O ato se divide em duas etapas: a qualificação do acusado e a inquirição sobre os fatos imputados. Antes do início do ato, é assegurado ao acusado o direito de entrevista reservada com seu defensor, além de ser cientificado do seu direito ao silêncio — cuja escolha não poderá ser interpretada em seu prejuízo, conforme determina o art. 186, parágrafo único, do CPP.
Trata-se de ato oral e personalíssimo, com estrutura processual definida — qualificação, perguntas sobre vida pregressa e imputação — e importantes garantias processuais, como o direito ao silêncio e o acompanhamento por advogado (arts. 185 e 187 do CPP, art. 7º, XXI, da Lei 8.906/94 e art. 15 da Lei 13.869/2019).
A seguir, analisamos os 10 principais entendimentos reunidos pelo STJ sobre o tema, com comentários jurídicos objetivos sobre o alcance e os efeitos práticos de cada tese:
1. O interrogatório, como meio de defesa, assegura ao acusado a prerrogativa de responder a todas, nenhuma ou algumas perguntas, com base na garantia constitucional de não autoincriminação, assegurada pelo princípio do nemo tenetur se detegere.
Essa tese reafirma o direito do réu ao silêncio seletivo, consagrado pelo STJ no HC 703.978/SC. O acusado pode, livremente, escolher a quais perguntas responder — inclusive limitando-se às feitas por seu advogado. Essa estratégia tem a proteção do art. 5º, LXIII, da Constituição, e não se pode usá-la contra o réu na dosimetria da pena.
2. O interrogatório é um especial instrumento de autodefesa, não apenas meio de prova, e compete à defesa definir a melhor estratégia.
Diferente de outros atos instrutórios, o interrogatório pertence, por essência, à esfera da autodefesa. A defesa técnica pode orientar o réu a usar o silêncio, apresentar versão exculpatória ou responder de forma parcial, de acordo com a estratégia processual mais conveniente — inclusive para evitar autoincriminação ou contradições.
3. O fato de o réu mentir em interrogatório judicial e imputar prática criminosa a terceiro não autoriza a majoração da pena base.
Esse ponto é essencial: o exercício da autodefesa, mesmo com eventual falsidade, não pode fundamentar agravamento da pena-base, salvo se gerar um novo crime, como denunciação caluniosa (art. 339 do CP). A jurisprudência veda o uso de “mau comportamento processual” para punir o exercício da defesa.
Mas atenção: É incorreto afirmar que o réu possui um “direito de mentir”. O que existe, na verdade, é uma tolerância relativa, justificada pela ausência, no ordenamento jurídico brasileiro, do crime de perjúrio — figura típica existente em outros sistemas jurídicos, como o norte-americano. No entanto, essa ausência legal não confere ao acusado uma autorização para falsear a verdade. Pelo contrário, a mentira pode produzir consequências jurídicas relevantes, a depender de sua natureza e finalidade. Exemplo disso é a atribuição de falsa identidade, tipificada no art. 307 do Código Penal, especialmente quando usada para ocultar antecedentes ou induzir a autoridade em erro. Também são penalmente reprováveis a denunciação caluniosa (art. 339), a autoacusação falsa (art. 341), a coação de testemunha (art. 344) e a fraude processual (art. 347). |
4. O interrogatório do réu é o último ato da instrução criminal. A inversão da ordem prevista no art. 400 do CPP tangencia somente à oitiva das testemunhas e não ao interrogatório. O eventual reconhecimento da nulidade se sujeita à preclusão, na forma do art. 571, I e II, do CPP, e à demonstração do prejuízo para o réu (Tese julgada pelo rito do art. 1.036 do CPC/2015 – Tema n. 1114).
Esse entendimento fixa uma regra importante: a inversão da ordem instrutória não pode antecipar o interrogatório, que deve ocorrer ao final da instrução (art. 400 do CPP). Se for realizado antes, a nulidade dependerá da demonstração de prejuízo concreto (pas de nullité sans grief) e da ausência de preclusão.
5. É ilegal encerrar o interrogatório sem oportunizar à defesa a realização de perguntas, ainda que o acusado se negue a responder aos questionamentos do juiz.
Mesmo que o réu exerça o direito ao silêncio, a defesa técnica mantém o direito de formular perguntas, o que reforça a função estratégica do interrogatório. O encerramento prematuro do ato constitui violação ao contraditório e pode anular a audiência.
O exercício do direito ao silêncio pode ser exercido de forma parcial, permitindo ao acusado escolher a quais perguntas deseja responder ao longo do interrogatório. Essa possibilidade inclui, inclusive, a escolha sobre quem será o interlocutor: o réu pode optar por responder apenas ao magistrado, ao Ministério Público, ao seu advogado ou a todos. Tal entendimento foi expressamente reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça no HC 703.978/SC, ocasião em que se declarou ilegal o encerramento antecipado de um interrogatório no qual o réu manifestou vontade de responder exclusivamente às perguntas formuladas por sua defesa técnica. Trata-se de expressão concreta do princípio do nemo tenetur se detegere, que assegura ao acusado liberdade de ação no exercício de sua autodefesa, sem que sua escolha gere qualquer presunção de culpa. |
6. A condução firme e até incisiva do magistrado durante o interrogatório no Tribunal do Júri não configura, necessariamente, violação à imparcialidade ou influência indevida sobre os jurados.
O STJ reconhece que o juiz pode adotar postura firme, desde que sem abusos ou intimidações, especialmente no Júri, onde o interrogatório ocorre perante leigos. A imparcialidade judicial exige equilíbrio, mas não impede o controle adequado da audiência.
7. No julgamento perante o Conselho de Sentença, é possível o interrogatório por sistema integrado de videoconferência quando o acusado é classificado como de altíssima periculosidade, situação em que não se configura constrangimento ilegal por cerceamento do direito de presença física.

Em casos excepcionais e fundamentados, o interrogatório por videoconferência é admitido, conforme o art. 185, §2º do CPP. A classificação do réu como de alta periculosidade justifica a medida, que visa preservar a segurança e a ordem pública, sem impedir o pleno exercício da defesa.
8. O réu foragido não tem o direito de participar do interrogatório por videoconferência quando a audiência de instrução for realizada presencialmente.
Aqui, a jurisprudência enfatiza que o estado de foragido afasta a prerrogativa de participação processual ativa. Não se admite que o réu que deliberadamente se esconde da Justiça requeira tratamento processual especial para ser ouvido à distância.
O Supremo Tribunal Federal também tem entendimento neste sentido, salientando não ser admissível a realização de interrogatório por videoconferência de réu foragido com mandado de prisão pendente de cumprimento. Essa orientação, firmada em recentes julgados, como no HC 256613 AgR (Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 06.08.2025), parte da premissa de que o réu não pode invocar nulidade decorrente de ato que ele próprio deu causa, conforme expressamente dispõe o art. 565 do Código de Processo Penal.
9. A realização do interrogatório por meio de carta precatória não viola o princípio da identidade física do juiz.
O interrogatório feito por carta precatória, ainda que conduzido por juízo distinto, é válido. O princípio da identidade física (art. 399, §2º, do CPP) não impede delegação para atos instrutórios, desde que não haja prejuízo para a defesa e os demais princípios processuais sejam observados.
10. É legítima a participação da defesa dos corréus nos interrogatórios de outros réus, em atenção ao princípio do contraditório.
A atuação cruzada das defesas nos interrogatórios fortalece o contraditório e pode ser estrategicamente decisiva, principalmente em casos de versões conflitantes. Essa participação garante o equilíbrio entre os réus e amplia o controle da defesa sobre a narrativa processual.
Como isso vai cair na sua prova?
Assinale a alternativa correta sobre o interrogatório judicial do acusado, à luz da jurisprudência atual do STJ e da legislação processual penal. a) O interrogatório pode ser encerrado pelo magistrado assim que o réu manifesta sua opção pelo silêncio, ainda que a defesa técnica não tenha tido oportunidade de formular perguntas. b) É nulo o interrogatório realizado por carta precatória, por violar o princípio da identidade física do juiz. c) O exercício do direito ao silêncio deve ser total e uniforme, sendo vedado ao acusado escolher a quais perguntas deseja responder. d) A condução incisiva do juiz durante o interrogatório no Tribunal do Júri configura, por si só, cerceamento de defesa e quebra da imparcialidade. e) É legítima a opção do réu por responder exclusivamente às perguntas de seu defensor, cabendo ao juízo assegurar a continuidade do ato e a plenitude da autodefesa. Gabarito: e)
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!