Caros colegas do Estratégia, aqui quem fala é Felipe Duque e hoje vamos nos debruçar sobre duas súmulas recentes do Superior Tribunal de Justiça que certamente serão objeto dos concursos: as Súmulas 672 e 673.
Vale lembrar que “súmula” significa um entendimento já consolidado nos Tribunais, o que, portanto, não “inova” no ordenamento jurídico, já que é um entendimento que já era reiterado pelo STJ, por exemplo.
Aprovadas e divulgadas setembro no último informativo 825 do STJ, elas trazem importantes esclarecimentos sobre processos administrativos disciplinares e execuções fiscais movidas por conselhos profissionais.
Súmula 672 do STJ – Informativo 825 do STJ
Vamos lá, comecemos pela Súmula 672 de Direito Administrativo que estabelece:
“A alteração da capitulação legal da conduta do servidor, por si só, não enseja a nulidade do processo administrativo disciplinar.”
Em síntese, esta súmula veio para pacificar uma questão que dificultava a condução eficiente dos Processos Administrativos Disciplinares (PADs).
Para entendermos sua importância, precisamos primeiro contextualizar o cenário em que ela se insere.
O art. 143 da Lei nº 8.112/1990 (Estatuto dos Servidores Públicos Federais) determina que:
"a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa".
Este dispositivo estabelece o dever da Administração de apurar possíveis irregularidades, mas não detalha como proceder em caso de mudanças na percepção da conduta durante o processo.
Ou seja, é possível alterar a capitulação legal da conduta do servidor durante um PAD sem que isso, por si só, invalide todo o processo?
De início, perceba, o que significa “capitulação legal”?
Para os iniciantes de plantão (sei que vocês são feras, mas uma revisada nunca é demais), a capitulação legal é o enquadramento da conduta em determinado dispositivo legal. Por exemplo, enquadrar a conduta do servidor no art. X da Lei Y.
Precedentes e Implicações Práticas
Vamos pensar num exemplo: imagine que um servidor é acusado inicialmente de “abandono de cargo”, mas durante o processo a Administração percebe que, na verdade, a conduta se encaixa melhor como “inassiduidade habitual”. Pela nova súmula, essa mudança, sozinha, não vai anular o processo.
Um dos precedentes que deu origem a essa súmula foi o MS 25.375/DF, julgado pela Primeira Seção do STJ em 14/06/2023:
(...)3. A combinada exegese dos artigos 121 e 124 da Lei 8.112/1990, diploma que regula a relação da União com os seus servidores, autoriza a conclusão de que o servidor público responde administrativamente pelos seus próprios atos ilícitos, omissivos ou comissivos. Por outras palavras, assume o agente as consequências do que ilegalmente faz, ou do que, irregularmente, deixa de fazer no exercício da função. Daí porque, diante da notícia de falta disciplinar, cabe à Administração apurar a conduta objetiva do seu agente, sem perquirir o ânimo do denunciante. Se a denúncia for infundada, há meios próprios para responsabilizar, inclusive criminalmente, quem deu causa ao apuratório. 4. Não se declara a nulidade do procedimento disciplinar sem a demonstração de efetivo prejuízo à defesa. Precedentes. 5. Em processo disciplinar, o servidor acusado se defende dos fatos, e não da capitulação legal. Assim, posterior modificação do enquadramento legal da conduta ilícita não afeta, só por isso, a validade do procedimento disciplinar. (...) (MS n. 25.375/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 14/6/2023, DJe de 19/6/2023.)
Nesse caso, um policial rodoviário federal foi demitido após um PAD. Inicialmente, a conduta foi tratada como crime contra a Administração, mas posteriormente, na fase de julgamento, entendeu-se que os fatos também caracterizaram ato de improbidade.
O Ministro Sérgio Kukina, relator do caso, afirmou algo fundamental:
“Como se sabe, em sede de processo disciplinar, o servidor acusado se defende dos fatos, e não da capitulação legal. Desse modo, posterior modificação do enquadramento legal da conduta ilícita não afeta, só por isso, a validade do procedimento disciplinar.”
Dessa forma, a comissão processante deve sempre garantir que o servidor tenha ampla oportunidade de se defender dos fatos, independentemente de sua classificação legal. Obviamente, qualquer mudança significativa na capitulação deve ser comunicada ao acusado, dando-lhe a chance de se manifestar sobre a nova interpretação, sem, por outro lado, invalidar o PAD.
Súmula 673 do STJ – Informativo 825 do STJ
Agora, vamos para a Súmula 673 do STJ que trata mais de Direito Tributário (minha praia).
“A comprovação da regular notificação do executado para o pagamento da dívida de anuidade de conselhos de classe ou, em caso de recurso, o esgotamento das instâncias administrativas são requisitos indispensáveis à constituição e execução do crédito.”
Em síntese, esta súmula lida com as execuções fiscais movidas por conselhos profissionais para cobrar anuidades não pagas, reforçando a necessidade de notificação prévia do devedor e o esgotamento das instâncias administrativas antes que se inicie a execução fiscal.
Natureza Jurídica das Anuidades de Conselhos Profissionais
Para compreendermos a importância desta súmula, precisamos primeiro entender a natureza jurídica das anuidades cobradas pelos conselhos profissionais. De acordo com o art. 149 da Constituição Federal, essas anuidades são classificadas como contribuições de interesse das categorias profissionais, tendo, portanto, natureza tributária.
Como sabemos, o art. 142 do Código Tributário Nacional estabelece que o lançamento é o procedimento administrativo que verifica a ocorrência do fato gerador, determina a matéria tributável, calcula o montante do tributo devido e identifica o sujeito passivo. O parágrafo único deste artigo determina que a notificação é parte essencial do lançamento.
Afinal, o que veio fazer a Súmula 673?
No fundo, ela vem reforçar essa necessidade de notificação no âmbito específico das anuidades de conselhos profissionais.
Ela estabelece dois requisitos indispensáveis para a constituição e execução do crédito mediante execução fiscal:
- A comprovação da regular notificação do executado para o pagamento da dívida.
- Em caso de recurso, o esgotamento das instâncias administrativas.
É como se ele dissesse o seguinte: “olha CRM, CREMEPE, e demais conselhos, para você propor a execução fiscal, eu quero que você me comprove que você notificou o seu filiado. Junte o documento demonstrando que você notificou ele pelos meios legais”.
Na prática, havia muitos conselhos ajuizando execução fiscal, sem nem comunicar os contribuintes com claro vício de constituição do crédito tributário.
Logo, o primeiro requisito está alinhado com o princípio do devido processo legal, garantido pelo art. 5º, LIV, da Constituição Federal. A notificação regular assegura que o devedor tenha ciência da existência da dívida e a oportunidade de quitá-la ou contestá-la antes que se inicie o processo de execução fiscal.
O segundo requisito, por sua vez, reforça o princípio da autotutela administrativa e está em consonância com o art. 5º da Lei nº 12.514/2011, que regula a cobrança das anuidades.
É como se ele dissesse o seguinte: “não faz sentido você ajuizar uma execução fiscal se o contribuinte impugnou a cobrança, e ainda não há decisão. Lembre que o art.145 do CTN fala que a impugnação do lançamento provisório impede a exigibilidade da dívida”.
Ora, se não há exigibilidade, não há necessidade de ajuizar a execução fiscal, afinal, o contribuinte não está em mora. Ainda há uma fase administrativa correndo. Imagine que você impugna uma multa de trânsito, ora, enquanto você não tem o recurso julgado, não pode sofrer o processo de execução fiscal.
ATENÇÃO! Informativo 825 do STJ
No entanto, é importante notar que essa limitação não impede que os conselhos adotem medidas administrativas de cobrança para valores menores, como notificações extrajudiciais ou a inclusão do nome do devedor em cadastros de inadimplentes.
Impactos da Súmula 673 na Cobrança de Anuidades
Apenas um aprofundamento, quanto ao prazo prescricional para a cobrança das anuidades, lembremos que o STJ definiu no REsp 1.524.930-RS que ele se inicia apenas quando a dívida atinge o valor mínimo exigido para o ajuizamento da execução. Ou seja, o prazo prescricional só começa a contar quando a dívida consolidada atinge cinco anuidades, impedindo que os conselhos sejam considerados inertes antes desse momento, uma vez que a execução não seria possível.
Em suma, a aplicação prática da Súmula 673 exige que os conselhos profissionais sejam cuidadosos em seus procedimentos de cobrança. Eles devem não apenas notificar regularmente os devedores, mas também respeitar o processo de impugnação administrativa esperando o seu final. É perceptível que haverá muitas execuções fiscais extintas no país.
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