Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos. Hoje vamos trazer, em mais este artigo, uma análise jurídica relativa às recentes notícias de evolução do caso das “Bets”, oriundo da operação “Integração” e que envolve investigação em face do cantor Gusttavo Lima e de outras pessoas famosas.
Agora, a nova notícia é a de que o cantor Nivaldo (nome de batismo de Gusttavo Lima) foi formalmente indiciado por lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa. Isso reacendeu a discussão sobre a legalidade de seu relacionamento com os investigados dos esquemas que envolvem diversas empresas de apostas, especialmente considerando a exposição midiática do caso.
Afinal, o que significa esse indiciamento?
Primeiramente, é importante destacar que o indiciamento é apenas um ato administrativo que confirma a existência de indícios de autoria e materialidade, apontando alguém, formalmente, como possível autor de um delito. Trata-se de ato privativo do delegado de polícia e que é fundamentado no artigo 2º, § 6º, da lei nº 12.830/2012. Vejamos:
Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. [...] § 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.
Apesar de ser um ato que formalmente imputa a prática delitiva a alguém, o indiciamento não vincula o titular da ação penal, no caso em questão, o Ministério Público (MP).
Neste ponto, vale ressaltar um ponto que constantemente se cobra nos concursos públicos para carreiras jurídicas:
“o indiciamento é ato privativo da autoridade policial, segundo sua análise técnico-jurídica do fato. O juiz não pode determinar que o Delegado de Polícia faça o indiciamento de alguém” (STF. 2ª Turma. HC 115015/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 27/8/2013 – Info 717) e (STJ. 5ª Turma. RHC 47.984-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/11/2014 – Info 552).
Assim, verifica-se que o indiciamento do cantor consistiu em ato promovido pela autoridade policial responsável pela investigação dos fatos. Ou seja, não houve participação do Poder Judiciário ou do Ministério Público.
Isso significa que o cantor será denunciado?
A resposta é não. Isso porque é pacífico que o indiciamento não vincula o órgão do Ministério Público. Tal entendimento decorre do fato de que o inquérito policial, além de dispensável, é um instrumento de formação da “opinio delict” do Ministério Público, este último que pode se pautar em elementos de convicção que vão além do convencimento obtido pelo delegado de polícia.
Das infrações penais atribuídas a Gusttavo Lima
Lavagem de dinheiro
Em síntese, segundo o que se noticiou, o indiciamento do cantor Gusttavo Lima ocorreu por conta de duas infrações penais: lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa.
A lavagem de dinheiro está tipificada no artigo 1º da Lei nº 9.613/1998, que consiste no ato de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, entrega ou propriedade de bens, direitos ou valores, direta ou indireta, de infração penal. Trata-se de um crime complexo, onde o criminoso busca “limpar” recursos obtidos de forma ilícita, conferindo-lhes uma aparência de legalidade.
Especificamente quanto a Gusttavo Lima, as investigações apontam que ele teria, em tese, utilizado suas empresas e seus contatos no meio artístico para disfarçar a origem ilícita de recursos provenientes de atividades de apostas ilegais com o intuito de integrar esses valores no sistema financeiro de forma legalizada.
Exemplo disso seria a venda da aeronave apreendida em que, apesar da transferência de recursos, o bem permanecia na posse do cantor. Isso poderia configurar a chamada “estruturação”. Essa é uma modalidade de lavagem de dinheiro em que se fraciona e introduz os valores ilícitos de maneira gradual no sistema bancário para não levantar suspeitas.
Se condenado por esse crime, as penas previstas variam entre três a dez anos de reclusão, além de multa, conforme a gravidade do caso e a participação do acusado.
Organização criminosa
Já a participação de organização criminosa está tipificada no artigo 2º da Lei nº 12.850/2013.
Consoante prevê o referido tipo penal, a organização criminosa é uma associação de quatro ou mais pessoas, com estrutura ordenada e divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de cometer crimes, especialmente de natureza grave.
Segundo apurado pela autoridade policial, Gusttavo Lima teria atuado como um dos articuladores da organização. Ele facilitaria a entrega de valores ilegais e utilizaria suas empresas para garantir a dissimulação de recursos provenientes das atividades de apostas. Se a acusação for confirmada, a pena pode variar de três a oito anos de reclusão, além das demais sanções secundárias previstas na citada lei.
A imputação desse crime exige que se prove não apenas a participação do cantor nas atividades da organização, mas também a sua função dentro do grupo. A atuação deve ser consciente e com o objetivo de beneficiar o funcionamento da organização. Isso será objeto de análise na fase de instrução do processo.
Aqui pode ser o grande problema de toda a investigação. Isso porque, segundo consta, somente foram indicadas movimentações e atos praticados pela pessoa jurídica pertencente ao cantor e não pessoalmente por ele. Não há, ao que tudo indica, elementos que demonstrem a pessoalidade de sua conduta.
Próximos passos da investigação
Conforme já mencionado, o indiciamento não vincula o Ministério Público. Porém, indica-se a conclusão das investigações que, com a remessa dos autos ao titular da ação penal, poderá ensejar algum dos seguintes atos que podem ser praticados pelo MP:
- Oferecer denúncia: caso o Ministério Público se convença dos elementos informativos constantes no inquérito policial, identificada a existência de indícios de autoria e materialidade, ele poderá propor uma ação penal contra Gusttavo Lima, mediante o oferecimento de denúncia, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, polos crimes atribuídos no inquérito policial, ou outros, caso se convença de forma diversa.
- Requerer o arquivamento do inquérito policial: já na hipótese de não convencimento, o Ministério Público proporá o arquivamento do inquérito policial. Assim, remete-se o documento à autoridade policial para decisão conclusiva (neste ponto, é importante ser compatibilizado o procedimento previsto atualmente no CPP com o que foi decidido nas ADIs 6298, 6300 e 6305).
- Requerimento de novas diligências: caso entenda necessárias novas diligências, poderá o órgão do Ministério Público requerer (leia-se requisitar) a realização de novas diligências. Tudo nos termos do artigo 16 do Código de Processo Penal.
- Cabe ANPP? Caso haja denúncia contra Gusttavo Lima por ambos os delitos, não caberá acordo de não persecução penal porque a pena mínima, somada, é superior a 4 anos. Caso haja denúncia de apenas um dos delitos, ou de delito diverso, poderá haver a proposta de acordo, preenchidos os demais requisitos do art. 28-A do Código de Processo Penal.
Novo patamar das investigações
Enfim, independentemente do mérito das acusações – que não entraremos na presente análise – fato é que o indiciamento de Gusttavo Lima no âmbito da operação “Integração” representa um novo patamar das investigações, que podem ou não ensejar o início de uma ação penal.
Registre-se que do ponto de vista jurídico, o ato de indiciamento, privativo da autoridade policial, é um ato administrativo de caráter meramente investigativo. Ademais, isso ainda depende da atuação do Ministério Público para se transformar em uma ação penal. Caso o MP opte por oferecer denúncia, Gusttavo Lima responderá judicialmente pelos crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa, nos moldes acima citados.
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