Majoração de indenização por extrapolação no exercício da função pública: censura ou liberdade de manifestação?
Imagem: Fellipe Sampaio/STF

Majoração de indenização por extrapolação no exercício da função pública: censura ou liberdade de manifestação?

STJ majora em cinco vezes o valor da indenização de promotor que chamou Gilmar Mendes de “laxante”.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

A 3ª turma do STJ (REsp 1.954.417) majorou a indenização devida pelo promotor de Justiça do MP/GO, Fernando Krebs, ao ministro do STF, Gilmar Mendes, de R$ 10 mil para R$ 50 mil, em razão de ofensas proferidas em um programa de rádio.

Durante uma entrevista à rádio Brasil Central, o promotor afirmou que Gilmar Mendes era “considerado o maior laxante do Brasil“, em referência às decisões do ministro que resultaram na soltura de diversas pessoas, especialmente aquelas envolvidas em crimes de colarinho branco.

O CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público investigou a conduta do promotor e concluiu que as declarações extrapolaram o exercício de sua função, aplicando-lhe uma sanção de censura. 4 dos 12 conselheiros votaram por aplicar apenas uma advertência, mas foram vencidos.

A pena de censura é a segunda mais branda depois da advertência. Trata-se de manifestação de reprovação por escrito e pode, em algumas circunstâncias, atrapalhar promoções na carreira.

O relator do processo no CNMP, conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, disse em seu voto que a declaração de Krebs atacou a imagem da Corte Suprema e transgrediu valores de ordem constitucional. Para ele, soa contraditório chamar uma pessoa de “laxante” e, depois, afirmar que não quis ofendê-la.

Defesa de Gilmar Mendes no STJ

O advogado do Ministro argumentou que, apesar do promotor alegar que fez suas declarações no exercício de sua função como membro do MP/GO, protegidas pela liberdade de manifestação, suas palavras não demonstraram qualquer vínculo com suas atribuições constitucionais como promotor.

Argumentou, ainda, que o próprio Krebs, em procedimento disciplinar no CNMP, afirmou que concedeu a entrevista na condição de cidadão, o que, segundo o advogado, desqualificaria a tentativa de se eximir das sanções disciplinares.

O advogado de Mendes também destacou que, considerando a função do promotor em 1ª instância, não haveria casos sob sua responsabilidade que justificassem a relação das suas falas com a função institucional.

Por fim, questionou o patamar de R$ 10 mil. O argumento foi que a indenização deveria ter um caráter pedagógico, capaz de inibir comportamentos inadequados no futuro. Isso considerando, especialmente, que as ofensas proferidas ganharam grande repercussão nas redes sociais, colocando em dúvida a função jurisdicional do Ministro.

Defesa do promotor no STJ

O advogado de Krebs, Alexandre Iunes Machado, argumentou ausência de prequestionamento pelo autor e que qualquer alteração no valor da indenização implicaria em reexame de provas.

Como matéria de fundo, alegou ilegitimidade passiva de Krebs, uma vez que fez suas declarações no âmbito de sua função como promotor em Goiás, conforme previsto no art. 181 do CPC e no art. 7º, § 6º da CF, no contexto da operação Lava Jato, sem intenção de ofender.

Krebs ainda alegou que já houve críticas mais severas ao ministro do STF. Como ocorreu, anteriormente, em uma fala do também ministro Luís Roberto Barroso no Plenário da corte, sem que tenha gerado ação indenizatória.

Superior Tribunal de Justiça

Indenização

O relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, votou pela majoração da indenização para R$ 50 mil e negou provimento ao recurso de Krebs. O entendimento foi que as ofensas foram proferidas pelo promotor na condição de cidadão, e que ele estava plenamente ciente da responsabilidade por suas palavras em uma estação de rádio.

Além disso, o ministro destacou que “não há como imputar responsabilidade ao estado de Goiás pelos atos de seu servidor que, conscientemente, proferiu ofensas graves à reputação pessoal e profissional de Gilmar Mendes“, considerando o valor de R$ 10 mil insuficiente para reparar os danos causados.

O relator atendeu ao pedido do ministro do STF. Inicialmente, ele votou por aumentar a indenização para R$ 30 mil, por considerar o valor inicial insuficiente. Ao ler o voto, reconsiderou e chegou a R$ 50 mil.

Apenas a ministra Nancy Andrighi divergiu, somente quanto ao valor da indenização. “R$ 30 mil é a média que fixamos aqui, de dano moral.”

Ao final, o valor fixado foi de R$50 mil.

Análise jurídica

A discussão no Judiciário girou em torno de saber se as declarações do promotor Krebs se inserem no que a Constituição abarca e protege como manifestação de pensamento ou se houve extrapolação no exercício da função pública, com a geração de danos à honra e à imagem do Ministro Gilmar Mendes.

Aliás, a Constituição Federal protege tanto o direito à honra/imagem quanto o direito à liberdade de expressão.

CF/88

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

...

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

...

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

...

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Mas não existem direitos absolutos. Todos os direitos devem observar certas balizas instituídas pelo próprio ordenamento jurídico.

A liberdade de expressão, integrante das liberdades públicas, é cláusula pétrea. Todavia, não se pode exercer essa liberdade de maneira a difamar ou injuriar o destinatário da mensagem, causando danos à honra da vítima.

Caberá ao Judiciário fazer esse controle e essa ponderação no caso concreto. Assim, deve-se afastar, de forma contundente, a censura prévia, característica própria das ditaduras e dos regimes totalitários.

Tema sempre instigante, polêmico, e adequado para cobranças em provas de direito constitucional, direito civil e processo civil. Portanto, ficar atento.


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