Ex-esposa traída que contraiu HPV do marido é indenizada

Ex-esposa traída que contraiu HPV do marido é indenizada

Ex-esposa traída é indenizada após contrair HPV do marido. Decisão judicial reforça a responsabilidade e os danos causados em casos de infidelidade e saúde.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

HPV

Entenda o que aconteceu

Uma esposa descobriu que estava sendo traída pelo seu marido, a decidiu pôr um fim no casamento que já durava 20 anos. 

Após a separação, ela foi diagnosticada com a infecção do vírus HPV (Papilomavírus Humano), um tipo de infecção sexualmente transmissível (IST). Por sua vez, exames anteriores comprovaram que ela não possuía a doença antes dos casos extraconjugais.

Esse fato acabou causando impactos físicos e psicológicos na ex-esposa traída, exigindo acompanhamento médico contínuo.

Em decorrência de todo esse imbróglio, ela decidiu ajuizar ação de indenização contra o ex-marido, tendo o processo tramitado na 3ª Vara Cível do Foro Regional de Penha de França.

O juízo de primeiro grau condenou o ex-marido infiel a indenizar sua ex-mulher em R$10.000,00 à título de danos morais, além de danos materiais (despesas médicas e psicológicas), que serão apurados em liquidação de sentença.

O condenado apelou ao Tribunal de Justiça de São Paulo, que confirmou a condenação, através do voto do relator, o desembargador Jair de Souza.

HPV (Papilomavírus Humano)

A infecção sexualmente transmissível mais comum do mundo é exatamente o HPV. Sua transmissão se dá pelo toque direto com a pele ou com a mucosa infectada, que inclui contato oral-genital, genital-genital ou mesmo manual-genital. Inclusive a transmissão pode ocorrer da mãe para o bebê durante o parto.

Também é a principal causa do câncer de colo de útero, estando relacionada a outros cinco tipos de cânceres. 

Principais sintomas do HPV:

  • Verrugas: no homem, as verrugas são mais comuns na cabeça do pênis e na região do ânus. Na mulher, elas podem aparecer na vagina, vulva, região do ânus e colo do útero;
  • Coceira: algumas mulheres podem sentir coceira, irritação ou desconforto na área genital;
  • Lesões subclínicas: não visíveis ao olho nu;
  • Manchas: aparecimento de manchas nos genitais.

O diagnóstico do HPV é realizado por meio de exames clínicos e laboratoriais, dependendo do tipo de lesão, se clínica ou subclínica.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a melhor forma de prevenção é através da vacinação, disponível gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Análise Jurídica – HPV

A Constituição Federal trata de proteger a integridade e a dignidade de qualquer pessoa. Vejamos:

CF/88

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

III - a dignidade da pessoa humana;



Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:



X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

E o código civil não deixa dúvidas ao determinar a reparação dos danos decorrente da prática de ato ilícito:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.   

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

...

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

...

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Não só as traições, mas principalmente a contaminação com o vírus HPV, são fatos suficientes para afetar a integridade física e psicológica da ex-esposa, exigindo a devida reparação através da indenização determinada pelo Judiciário.

Espécies de danos existentes

Importante não confundir as espécies de danos existentes e considerados pelos estudiosos do direito.

  • Dano material (ou dano patrimonial): é o prejuízo que ocorre no patrimônio da pessoa, ou seja, perda de bens ou coisas que tenham valor econômico. Estão inseridos nos danos materiais os prejuízos efetivamente sofridos (danos emergentes), bem como valores que pessoa deixou de receber (lucros cessantes);
  • Dano moral: é a violação da honra ou imagem de alguém, sendo resultado de ofensa aos direitos da personalidade (intimidade, privacidade, honra e imagem);
  • Dano estético: configura-se por lesão à saúde ou integridade física de alguém, que resulte em constrangimento, e que geralmente deixam marcas permanentes no corpo ou diminuem sua funcionalidade (cicatrizes, sequelas, deformidades). Pode ser causado por erros médicos ou agressões físicas mais graves.

Infidelidade Conjugal e o Direito à Reparação

A infidelidade conjugal pode gerar direito a indenização?

O tema é extremamente controverso, dividindo opiniões.

Há decisões judiciais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo o direito à indenização em decorrência da traição no casamento.

Importante observar que a traição não garante, de forma automática, o direito a indenização, mas pode haver casos em que a pessoa traída, de fato, tenha direito ao ressarcimento.

Isso acontece quando a traição extrapola a esfera privada e causa humilhação pública ou constrangimento, especialmente se exposta em redes sociais ou outros meios.

Para que a infidelidade conjugal gere direito a indenização é necessário que o traído prove que a traição causou danos emocionais ou sociais, como constrangimento ou perda de reputação.

Neste caso, o valor da indenização pelos danos morais é mensurado a partir da repercussão do caso. O montante pode variar, levando em consideração a gravidade da exposição, o sofrimento emocional e as condições financeiras dos envolvidos.

Ou seja, o traído tem o ônus de provar que a infidelidade conjugal acabou atingindo sua honra, sua intimidade ou sua reputação. Não é algo tão simples.

A definição de eventual responsabilização passará pela análise do caso concreto, e será balizada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Decisões judiciais relacionadas à infidelidade e IST:

O STJ possui decisão de 2001 reconhecendo o direito do cônjuge traído à indenização por danos morais decorrentes da infidelidade conjugal (REsp 37.051/SP).

Mais recentemente, o STJ reconheceu direito à reparação por danos morais de cônjuge que contraiu HIV de seu companheiro (REsp: 1760943). Vejamos a ementa, que é bastante elucidativa:

“...2. O parceiro que suspeita de sua condição soropositiva, por ter adotado comportamento sabidamente temerário (vida promíscua, utilização de drogas injetáveis, entre outros), deve assumir os riscos de sua conduta, respondendo civilmente pelos danos causados...

5. Na hipótese dos autos, há responsabilidade civil do requerido, seja por ter ele confirmado ser o transmissor (já tinha ciência de sua condição), seja por ter assumido o risco com o seu comportamento, estando patente a violação a direito da personalidade da autora (lesão de sua honra, de sua intimidade e, sobretudo, de sua integridade moral e física), a ensejar reparação pelos danos morais sofridos...” 

(STJ - REsp: 1760943 MG 2018/0118890-8, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/03/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/05/2019) 

O STJ entende que o cúmplice do cônjuge infiel não tem o dever de indenizar o traído, uma vez que o conceito de ilicitude está imbricado na violação de um dever legal ou contratual, do qual resulta dano para outrem, e não há no ordenamento jurídico pátrio norma de direito público ou privado que obrigue terceiros a velar pela fidelidade conjugal em casamento do qual não faz parte.

Conclusão HPV

Em resumo, podemos afirmar que a infidelidade conjugal pode, em tese, gerar danos morais aptos a serem reparados, mas deve ficar comprovado, no caso concreto, a violação aos direitos da honra, ou intimidade, ou integridade.

No caso ora analisado, deve-se frisar que houve uma infecção viral decorrente da infidelidade conjugal, estando patente a violação à integridade física e emocional da esposa traída, o que justifica a reparação imputada pelo Judiciário.

Ótimo tema para provas de direito civil e direito constitucional.  

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