Indeferimento da desconsideração da PJ gera honorários de sucumbência

Indeferimento da desconsideração da PJ gera honorários de sucumbência

De início, vale registrar que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) encerrou importante divergência jurisprudencial ao decidir, por maioria de votos, que o indeferimento do pedido feito no incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) dá ensejo à fixação de honorários de sucumbência em favor do advogado da parte indevidamente chamada ao processo.

Nessa linha, vamos entender a importância desse assunto e te situar nele, porque, de verdade, isso é assunto que cairá nas provas, COM CERTEZA!

O que é o IDPJ?

Em breve síntese, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) é um instrumento processual previsto no Código de Processo Civil que permite, em casos específicos, que sócios ou administradores respondam com seu patrimônio pessoal por dívidas da empresa.

Princípio da autonomia patrimonial

Primeiro, vale lembrar que as pessoas jurídicas são sujeitos de direitos. Isso significa que possuem personalidade jurídica distinta de seus instituidores.

Assim, por exemplo, não é porque o sócio morreu que, obrigatoriamente, haverá a extinção da pessoa jurídica.

De igual modo, o patrimônio da pessoa jurídica é diferente do patrimônio de seus sócios.

Ex.1: se uma sociedade empresária possui um veículo, esse automóvel não pertence aos sócios, mas sim à própria pessoa jurídica.

Ex.2: se uma sociedade empresária possui uma dívida, este débito deverá ser pago com os bens da própria sociedade, não podendo, para isso, em regra, ser utilizado o patrimônio pessoal dos sócios.

Vigora, portanto, o princípio da autonomia patrimonial entre os bens do sócio e da pessoa jurídica.

Desconsideração da personalidade jurídica

Honorários

O ordenamento jurídico prevê algumas situações em que é possível afastar essa autonomia patrimonial.

Tais hipóteses são chamadas de “desconsideração da personalidade jurídica” (disregard of legal entity ou teoria do superamento da personalidade jurídica).

Quando se aplica a desconsideração da personalidade jurídica, os bens particulares dos administradores ou sócios são utilizados para pagar dívidas da pessoa jurídica.

O CPC/2015, de forma inovadora, trouxe regras para disciplinar o procedimento para a decretação ou não da desconsideração da personalidade jurídica no processo.

O Código previu que é possível postular essa desconsideração de duas formas:

a) em caráter principal, quando se formula o pedido já na petição inicial;

b) em caráter incidental, quando se faz o pedido no curso do processo.

Veja algumas importantes observações da doutrina:

"A inicial deve deixar claro que o débito é da empresa e que a pretensão de cobrança está direcionada contra ela. O que se pretende em relação ao sócio não é a sua condenação ao pagamento do débito, mas o reconhecimento de que ele é responsável patrimonial, uma vez que estão preenchidos os requisitos do direito material para a desconsideração da personalidade jurídica. Serão dois os pedidos formulados na inicial: o condenatório, de cobrança, dirigido contra o devedor; e o de extensão da responsabilidade patrimonial, direcionado contra o sócio e fundado no preenchimento dos requisitos do art. 50 do Código Civil ou do art. 28 do CDC.

(...)

O sócio será citado, na condição de corréu, para oferecer resposta no prazo de 15 dias (observado o art. 229, do CPC). Em sua contestação, deverá defender-se do pedido contra ele direcionado, isto é, o de extensão da responsabilidade patrimonial pelo débito da empresa.” (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 257)."

O Código dedicou um único dispositivo para tratar sobre o tema:

Art. 134 (...)

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

Procedimento

1) A parte ou o Ministério Público pede a instauração do incidente.

2) O juiz admite a instauração e determina a suspensão do processo.

3) No caso de desconsideração direta, haverá a citação do sócio. Em se tratando de desconsideração inversa, será determinada a citação da pessoa jurídica.

4) Depois da citação, o sócio ou a pessoa jurídica terão 15 dias para se manifestar e requerer as provas que entender necessárias.

5) Havendo necessidade, será realizada instrução probatória (oitiva de testemunhas, perícia etc.).

6) Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Em resumo, quando a personalidade jurídica é desconsiderada, os sócios são integrados ao polo passivo da execução e passam a responder pela dívida.

A controvérsia jurídica

A discussão jurídica era determinar se caberia a fixação de honorários advocatícios quando houvesse o indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.

Vale frisar que, o CPC não menciona expressamente o IDPJ entre as hipóteses de cabimento de honorários listadas no artigo 85, parágrafo 1º, que prevê honorários na reconvenção, no cumprimento de sentença, na execução e nos recursos.

Nessa linha, até 2023, o STJ utilizava esse argumento para recusar a incidência de honorários em casos de IDPJ, classificando-o como decisão interlocutória e não como recurso.

No entanto, a 3ª Turma mudou seu entendimento em outubro daquele ano, passando a divergir da 4ª Turma sobre o tema, e o tema foi parar na Corte Especial.

Fundamentos da decisão da Corte Especial do STJ

De início, o argumento central do voto vencedor é que, apesar da nomenclatura utilizada pelo legislador (“incidente”), o procedimento de desconsideração da personalidade jurídica não possui natureza de mero incidente processual, mas sim de uma verdadeira demanda incidental.

Assim, o ministro faz uma distinção importante:

  • Incidentes processuais comuns: são desdobramentos do processo para resolver questões processuais secundárias e acessórias (como as extintas exceções de incompetência relativa, impugnações ao valor da causa ou à gratuidade de justiça).
  • Demanda incidental: o IDPJ representa o exercício de uma pretensão contra terceiros que até então não figuravam no processo, contemplando elementos essenciais de uma ação: partes (com ampliação subjetiva do processo), causa de pedir e pedido.

Logo, o voto sublinha que a decisão no IDPJ aplica regras de direito material e produz efeitos diretos na esfera jurídica dos envolvidos, determinando, quando procedente, a responsabilidade por dívida alheia.

Ademais, por se tratar de questão de mérito resolvida em cognição exauriente, produz coisa julgada material.

Relação com o Princípio da Causalidade

Dessa maneira, o ministro Villas Bôas Cueva destaca que, havendo uma demanda com pretensão resistida, o advogado faz jus aos honorários proporcionais ao êxito resultante de seu trabalho.

Assim, enunciou:

"O fator determinante para a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não pode ser estabelecido a partir de critérios meramente procedimentais. Em outras palavras, a forma não pode se sobrepor à essência."

Em outras palavras, tornou-se possível o julgamento fracionado do mérito, permitindo a fixação de honorários também em decisões interlocutórias com conteúdo decisório relevante.

Por fim, um argumento importante desenvolvido no voto é a semelhança estrutural entre o IDPJ e outras modalidades de intervenção de terceiros, especialmente a denunciação da lide.

Em ambos os casos, há ampliação subjetiva do processo, com chamamento de terceiros para integrar a relação processual.

O ministro observa que, embora não haja previsão expressa sobre honorários advocatícios na denunciação da lide (exceto no art. 129, parágrafo único, do CPC), o cabimento dos honorários é reconhecido quando há resolução do mérito da denunciação.

Tese divergente

O ministro João Otávio de Noronha apresentou posicionamento contrário, defendendo que o IDPJ é apenas um procedimento incidental. Para ele, este instrumento não altera o processo principal, cujo objetivo continua sendo satisfazer o crédito reconhecido na ação de conhecimento.

Noronha argumentou que o IDPJ não existe por si só, sendo apenas um instrumento a favor do credor para ampliar o contraditório.

A ministra Isabel Gallotti, seguindo essa linha, destacou que o incidente não decide sobre a responsabilidade direta do sócio, mas apenas se ele está sendo usado para ocultar bens.

Como isso vai cair na prática e nas provas?

Agora, quando o juiz indeferir o pedido de desconsideração, os advogados das partes impropriamente chamadas ao processo terão direito a receber honorários sucumbenciais.

Como o tema já caiu em provas:

(Analista Judiciário TRF2 2019 FCC) Renato ajuizou ação de cobrança contra ZWXY Construções Ltda., requerendo, na própria petição inicial, a desconsideração da sua personalidade jurídica, com a demonstração preliminar do preenchimento dos pressupostos legais específicos. Nesse caso, de acordo com o Código de Processo Civil, dispensa-se a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e o processo não será suspenso. (Certo)

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