De início, vamos comentar o seguinte julgado do STJ:

O inteiro teor está aqui: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2025/10/STJ_202500196019_tipo_integra_320216082.pdf
Perceba, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça examinou no REsp 2.193.122/PE uma situação que aparece muito nas execuções judiciais.
Um devedor tentou evitar a penhora da sua casa de praia alegando que aquele era seu único imóvel residencial e que a renda do aluguel sustentava sua família.
Acontece que o caso tinha alguns detalhes importantes.
Aquela “casa de veraneio de alto padrão” ficava na praia de Enseadinha, litoral pernambucano.
O devedor alegava que precisava daquele aluguel para sobreviver, mas as provas dos autos contavam outra história bem diferente.
Assim, o Ministro João Otávio de Noronha analisou todos os elementos do caso e manteve a penhora do imóvel.
Vamos entender por que isso aconteceu e o que você precisa saber sobre bem de família quando o imóvel está alugado.
O que a lei diz sobre bem de família
Ora, a Lei 8.009/1990 criou a figura do bem de família para proteger o imóvel residencial da pessoa contra penhoras.
Isto porque a Constituição Federal garante o direito à moradia, e ninguém deveria perder o teto da família por conta de dívidas, exceto em situações muito específicas previstas na própria lei e na jurisprudência que vamos abordar aqui.
Logo, a regra básica é simples.
Se aquele é o único imóvel residencial que você possui e sua família mora lá, ele não pode ser penhorado para pagar dívidas comuns. Essa proteção existe justamente para garantir a dignidade da pessoa humana e o direito básico de ter onde morar.
Porém, e quando o imóvel não é usado como residência, mas sim está alugado para terceiros?
Foi exatamente sobre isso que o STJ criou a Súmula 486, que ampliou a proteção do bem de família para situações específicas.
Como funciona a Súmula 486 do STJ
Dessa forma, a Súmula 486 estabelece que "é impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família".
Veja bem, o Tribunal entendeu que não faria sentido proteger apenas quem mora no próprio imóvel.
Imagine uma pessoa que tem uma casa grande demais para suas necessidades, aluga aquele imóvel e com o dinheiro do aluguel consegue pagar o aluguel de um apartamento menor mais adequado à sua realidade. Essa pessoa merece proteção também.
Nesse sentido, o STJ ampliou o conceito de bem de família para abranger essas situações.
Mas atenção, essa ampliação não é automática. Ela depende de uma condição essencial que precisa ser comprovada pelo devedor.
O que precisa provar para ter essa proteção
Assim, não basta simplesmente alegar que o imóvel está alugado e que você usa aquele dinheiro para viver.
Isto porque, é preciso provar isso de forma concreta e convincente. Logo, o ônus da prova é todo seu se você quer essa proteção ampliada.
Isto porque, quando o legislador criou a Lei 8.009/1990, estava pensando em proteger quem realmente precisa, não em dar uma blindagem patrimonial para quem tem recursos e simplesmente escolheu investir em imóveis. A proteção existe para garantir o mínimo existencial, a subsistência digna da família.
Dessa maneira, o devedor precisa demonstrar que aquela renda do aluguel representa sua fonte principal ou única de sustento. Precisa mostrar sua movimentação financeira, comprovar que não tem outras fontes significativas de renda, explicar como mantém seu padrão de vida.
O que aconteceu no caso julgado pelo STJ
Perceba que no caso concreto julgado em junho de 2025, o devedor não conseguiu fazer essa prova. Pelo contrário, os autos estavam cheios de elementos que indicavam outras fontes de renda bem mais robustas que o aluguel daquela casa de praia.
Veja alguns detalhes reveladores que constam no acórdão.
Primeiro, o devedor tinha pelo menos quatro imóveis registrados em seu nome. Ora, como alguém que possui vários imóveis pode dizer que depende exclusivamente do aluguel de um deles para sobreviver?
Ademais, foram penhorados dois veículos do devedor avaliados em mais de R$ 180.000,00. Inclusive, quando o juiz determinou essa penhora dos carros, o devedor ofereceu substituir por dinheiro, propondo depositar R$ 200.000,00 para liberar os veículos.
Agora pense bem. Se a única renda dele era o aluguel da casa de praia, que rendia R$ 18.333,00 por mês (segundo o contrato juntado aos autos), e ele ainda precisava pagar R$ 4.100,00 de aluguel da casa onde morava, como conseguiria juntar R$ 200.000,00? Essa conta simplesmente não fecha.
Os sinais de riqueza incompatíveis com a alegação
Dessa forma, o juiz de primeiro grau fez uma análise muito cuidadosa de todos esses elementos.
Verificou que o devedor tinha patrimônio extenso, incluindo participação em empresas que funcionavam em sala comercial em área nobre do Recife. Uma dessas empresas se dedicava justamente ao aluguel de imóveis e corretagem, outra era uma empresa de factoring.
Logo, ficou claro que existiam outras fontes de renda além daquele aluguel da casa de praia. O devedor não explicou de onde vinham os recursos para manter seu padrão de vida, para pagar as despesas que fazia, para oferecer aqueles R$ 200.000,00 na substituição da penhora.
Inclusive, tem um detalhe interessante no contrato de locação. O devedor alugava a casa por 18 meses, mas no contrato excepcionava o período de festas de fim de ano (21 de dezembro a 4 de janeiro). Ora, por que alguém que depende daquela renda para sobreviver abriria mão justamente da época de festas, quando poderia cobrar muito mais caro pelo aluguel?
Nesse sentido, esse detalhe sugere que o imóvel serve mais como investimento ou até para uso recreativo próprio naquele período, não como fonte essencial de subsistência familiar.
Logo, o Tribunal de Justiça de Pernambuco manteve a decisão de primeiro grau afastando a proteção do bem de família. A conclusão foi clara: sem prova robusta e séria de que o aluguel destina-se à subsistência, não há como estender aquela proteção excepcional.
Julgados do STJ sobre bem de família
Caso hipotético: João tinha dois filhos: Pedro (casado, morava em sua própria casa) e Ana (solteira, vivia com o pai). O único bem de João era o apartamento onde residia com Ana. Após o falecimento, foi aberto inventário. Havia, porém, uma dívida de ICMS deixada por João. A Fazenda Pública ajuizou execução fiscal contra o espólio, resultando na penhora do apartamento. Pedro, inventariante, defendeu que o imóvel era impenhorável por se tratar de bem de família, pois Ana continuava morando nele como única residência. Alegou também que ela teria direito real de habitação, em razão de sua condição de dependência e convivência com o pai. O STJ concordou.
Na hipótese em que o bem imóvel for qualificado como bem de família, ainda que esteja incluído em ação de inventário, deve ser assegurada a sua impenhorabilidade no processo executivo fiscal.
A morte do devedor não faz cessar automaticamente a impenhorabilidade do imóvel caracterizado como bem de família nem o torna apto a ser penhorado para garantir pagamento futuro de seus credores.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 2.168.820-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 18/8/2025 (Info 861).
I) A exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar;
II) Em relação ao ônus da prova, a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.
STJ. 2ª Seção. REsp 2.093.929-MG e REsp 2.105.326-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgados em 5/6/2025 (Recurso Repetitivo - Tema 1261) (Info 855).
Caso hipotético: João e Regina, casados e com um filho de 5 anos, doaram sua casa ao filho após serem citados em uma execução proposta pelo banco cobrando R$ 500 mil. Vale ressaltar que o imóvel era bem de família e a dívida executada não se enquadra nas exceções do art. 3º da Lei nº 8.009/1990. Em outras palavras, o imóvel era impenhorável e não havia motivo para eles terem feito essa doação já que não perderiam o bem.
O banco alegou que houve fraude à execução e, com base nisso, pediu a penhora do imóvel.
Não é possível que o imóvel seja penhorado neste caso.
A fraude à execução torna a alienação ineficaz em relação ao exequente, mas não afasta necessariamente a impenhorabilidade do bem de família.
A casa já era protegida antes da doação, a dívida não se enquadrava nas exceções da Lei nº 8.009/1990 e, mesmo após a alienação, o imóvel continuou sendo a residência da família.
Como todas essas condições foram atendidas, deve-se manter a proteção do bem de família.
Esse entendimento evita que fraudes prejudiquem credores, mas também impede que a aplicação excessiva da regra de fraude à execução resulte na perda da moradia da entidade familiar. Assim, mesmo que a alienação seja ineficaz perante o banco, o imóvel continua protegido, garantindo o direito à moradia e à dignidade dos devedores e seus familiares.
STJ. 2ª Seção. EAREsp 2.141.032-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/2/2025 (Info 840).
Assim, vamos consolidar os aspectos principais que você precisa gravar desse julgamento. Primeiro, a proteção do bem de família pode sim abranger imóvel locado a terceiros, desde que cumpridos os requisitos da Súmula 486.
Segundo, essa extensão da proteção não é automática. O devedor precisa comprovar que a renda do aluguel é efetivamente revertida para sua subsistência ou moradia. O ônus da prova é dele.
Terceiro, essa prova precisa ser robusta e convincente. Não basta alegação genérica ou apresentação apenas do contrato de locação.
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