A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento definitivo sobre questão processual tributária de relevante impacto prático e que fica a dúvida, será que se aplica às Procuradorias Estaduais e Municipais?
Primeiro, veja o que se decidiu:
Sempre que houver desistência nos moldes da Lei n. 10.522/2002, a Fazenda Nacional estará exonerada do pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais.
REsp 2.023.326-SC, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025, DJEN 19/8/2025.
Isto é, em julgamento unânime do REsp 2.023.326-SC, sob relatoria do Ministro Paulo Sérgio Domingues, em 5 de agosto de 2025, a Corte pacificou que sempre que houver reconhecimento de procedência nos moldes da Lei 10.522/2002, a Fazenda Nacional estará exonerada do pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais.
Vale frisar que, a decisão surge de caso paradigmático envolvendo exclusão de créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Vamos entender o que diz a lei:
O art. 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522/2002 traz uma regra muito interessante e eficiente para a atuação judicial da PFN. Este dispositivo prevê que, se a Fazenda Nacional estiver em um processo judicial e o Procurador perceber que a causa envolve determinadas matérias nas quais a jurisprudência é manifestamente contrária às pretensões da União, será possível que a Fazenda não conteste, não interponha recurso ou, se já tiver interposto, desista.
Como “recompensa” por assumir esta postura de lealdade processual, a União não será condenada a pagar honorários advocatícios.
Leia com atenção o dispositivo e veja as peculiaridades envolvendo o tema:
Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre:
I - matérias de que trata o art. 18;
II - tema que seja objeto de parecer, vigente e aprovado, pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional, que conclua no mesmo sentido do pleito do particular; (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
III - (VETADO).
IV - tema sobre o qual exista súmula ou parecer do Advogado-Geral da União que conclua no mesmo sentido do pleito do particular;
V - tema fundado em dispositivo legal que tenha sido declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso e tenha tido sua execução suspensa por resolução do Senado Federal, ou tema sobre o qual exista enunciado de súmula vinculante ou que tenha sido definido pelo Supremo Tribunal Federal em sentido desfavorável à Fazenda Nacional em sede de controle concentrado de constitucionalidade;
VI - tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando:
a) for definido em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo; ou
b) não houver viabilidade de reversão da tese firmada em sentido desfavorável à Fazenda Nacional, conforme critérios definidos em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional; e
VII - tema que seja objeto de súmula da administração tributária federal de que trata o art. 18-A desta Lei.
§ 1º Nas matérias de que trata este artigo, o Procurador da Fazenda Nacional que atuar no feito deverá, expressamente:
I - reconhecer a procedência do pedido, quando citado para apresentar resposta, inclusive em embargos à execução fiscal e exceções de pré-executividade, hipóteses em que não haverá condenação em honorários; ou
II - manifestar o seu desinteresse em recorrer, quando intimado da decisão judicial.
§ 2º A sentença, ocorrendo a hipótese do § 1º, não se subordinará ao duplo grau de jurisdição obrigatório.
(...)
O caso concreto e sua tramitação processual
A controvérsia originou-se de ação ordinária ajuizada pela empresa Círculo S/A contra a Fazenda Nacional, postulando a exclusão dos créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Conforme registrado nos autos, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, mediante Parecer SEI 19/2018/CAT/PGACTP/PGFN-MF, havia dispensado a União de apresentar contestação nas ações que envolvessem tal matéria.
Na primeira instância, a sentença homologou o reconhecimento da procedência apresentado pela Fazenda Nacional, todavia condenou-a ao pagamento das custas e honorários advocatícios.
Destarte, aplicou-se o artigo 90, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil, reduzindo os honorários à metade em razão do reconhecimento, fixando-os “na metade do percentual mínimo sobre o valor dado à causa”.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao apreciar a apelação, confirmou a procedência da ação, mantendo, contudo, a condenação da verba honorária sucumbencial.
Fundamentou-se na premissa de que a dispensa de honorários prevista no artigo 19 da Lei 10.522/2002 deveria ser interpretada restritivamente, aplicando-se tão somente às hipóteses taxativamente elencadas nos incisos da norma.
A fundamentação do STJ
O STJ estruturou sua decisão sobre alicerce hermenêutico sólido, aplicando interpretação sistemática da Lei 10.522/2002.
Conforme assentado no acórdão, a norma possui “caráter autorizativo, sendo dirigida à atuação profissional dos procuradores da Fazenda Nacional”, visando orientar a conduta da PGFN quando a própria Administração Tributária reconhece a existência de fundamentos jurídicos relevantes contrários à cobrança.
Crucial para o deslinde foi o reconhecimento de que o termo “nas matérias de que trata este artigo”, constante do parágrafo 1º do artigo 19, deve ser compreendido à luz do conjunto normativo da lei. Destarte, sempre que houver desistência nos moldes da Lei 10.522/2002, haverá a exoneração da Fazenda Nacional ao pagamento de honorários advocatícios.
A Corte enfatizou que a Lei 13.874/2019, ao incluir os parágrafos 9º e 10º ao artigo 19, ampliou as hipóteses de desistência, “tornando insubsistente a tese da taxatividade das hipóteses legais”.
Ademais, esta modificação legislativa robustece a interpretação extensiva adotada pelo tribunal, demonstrando que o legislador pretendeu expandir, não restringir, as possibilidades de reconhecimento.
A técnica interpretativa empregada pelo STJ
O relator empregou sofisticada técnica hermenêutica, rejeitando interpretação meramente literal em favor de abordagem sistemática.
Conforme registrado no voto, endossar o posicionamento sobre a existência de rol taxativo contrariaria a própria finalidade do dispositivo legal, que configura “verdadeiro desestímulo à perpetuação de litígios desnecessários”.

Ademais, o tribunal reconheceu que a eventual imposição de ônus à Fazenda Nacional, quando atua em hipóteses legitimamente autorizadas pela lei, “poderia gerar efeito contrário ao pretendido pelo legislador, estimulando a litigância porque, a toda evidência, desistir não faria sentido”.
No fundo, este raciocínio demonstra preocupação com a finalidade teleológica da norma, privilegiando interpretação que preserve sua ratio legis.
Importante destacar que a decisão estabelece limitação clara à sindicabilidade judicial sobre os fundamentos da desistência.
Conforme assentado, “em se tratando de norma interna autorizativa que regula a atuação da PGFN, não cabe ao Poder Judiciário exercer sindicabilidade sobre os fundamentos que levaram à desistência, mas apenas reconhecer o não cabimento da condenação em honorários sempre que a desistência for realizada nos termos da Lei 10.522/2002”.
A aplicação ao caso específico e precedentes vinculantes
No caso específico, o tribunal identificou que o reconhecimento da procedência enquadrava-se perfeitamente nas hipóteses previstas nos incisos II e VI do artigo 19 da Lei 10.522/2002.
Conforme registrado no acórdão recorrido, “o STJ já havia decidido pela impossibilidade da inclusão do crédito presumido de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL em sede de recurso repetitivo, no REsp 1.517.492”.
Esta circunstância fática demonstra que a matéria estava amparada em precedente vinculante do próprio STJ, enquadrando-se, portanto, na hipótese do inciso VI, que trata de “tema decidido pelo Superior Tribunal de Justiça… quando for definido em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo”.
A norma contida no art. 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522/2002 pode ser aplicada também, por analogia, para as causas envolvendo a Fazenda Pública estadual? Veja a seguinte situação hipotética:
A empresa Alfa estava em débito com a Fazenda Pública do Estado de Goiás.
Como não houve pagamento, o Estado ajuizou execução fiscal contra a empresa.
Citada, a executada ingressou com exceção de pré-executividade alegando, dentre outros fundamentos, que a cobrança efetuada está em desacordo com o que decidiu o Plenário do STF no ARE 1.216.078 (Tema 1062 da repercussão geral).
A Fazenda Pública estadual concordou com os argumentos (reconheceu a procedência do pedido formulado pela executada na exceção de pré-executividade). O Estado-membro pediu, contudo, para não ser condenado a pagar honorários advocatícios considerando que, em sua visão, o caso se enquadraria na parte final do art. 19, §1º, I, da Lei 10.522/2002:
Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre:
(...)
VI - tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando:
a) for definido em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo; ou
(...)
§ 1º Nas matérias de que trata este artigo, o Procurador da Fazenda Nacional que atuar no feito deverá, expressamente:
I - reconhecer a procedência do pedido, quando citado para apresentar resposta, inclusive em embargos à execução fiscal e exceções de pré-executividade, hipóteses em que não haverá condenação em honorários; ou
(...)
Ressaltou que mencionado dispositivo, embora se refira à Fazenda Nacional, deve também ser aplicado aos entes estaduais, ao argumento de que “a isonomia e a simetria dos entes federados somente cedem lugar a tratamentos diferenciados quando exista um fator justificável de discrímen”.
Acrescentou que o dispositivo versa sobre matéria de processo civil no bojo de lei de caráter tributário da União, que isenta a União de pagamento de honorários, a qual deve ser entendida como norma de caráter nacional. Assim, “embora não seja dado ao Estado editar lei estadual suprimindo direito assegurado amplamente por norma federal, ofende o princípio federativo a interpretação de que uma norma de caráter processual civil, ainda que no bojo de lei disciplinadora de matéria pertinente à União, não se aplique aos demais entes federados, conferindo um privilégio à Fazenda Nacional em suas demandas judiciais sem estendê-lo à Fazenda Pública Estadual nas mesmas circunstâncias fáticas”.
Concluiu que “a única interpretação que assegure a constitucionalidade do art. 19, §1º, I da Lei nº 10.522/2002 é de que seu caráter é de noma nacional, e não meramente federal, aplicando-se, assim, a todas as Fazendas Públicas da Federação, porquanto a matéria atinente à supressão da percepção de honorários advocatícios não é de direito tributário mas de direito processual, previsto, de forma geral, no CPC”.
O STJ concordou com os argumentos do Estado-membro? A norma contida no art. 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522/2002 pode ser aplicada também para as causas envolvendo a Fazenda Pública estadual?
NÃO.
A regra geral disposta no caput do art. 90 do CPC/2015 é a de que:
Art. 90. Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.
(...)
O acolhimento de exceção de pré-executividade, ainda que parcial, enseja a condenação da Fazenda Pública exequente ao pagamento da verba honorária. Nesse sentido:
O acolhimento ainda que parcial da impugnação gerará o arbitramento dos honorários, do mesmo modo que o acolhimento parcial da exceção de pré-executividade, porquanto, nessa hipótese, há extinção também parcial da execução.
STJ. Corte Especial. REsp 1.134.186/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 1/8/2011 (Recurso Repetitivo – Tema 410)
O art. 19, § 1º da Lei nº 10.522/2002 é uma exceção a essa regra geral. Ele afasta a condenação da Fazenda Nacional exequente ao pagamento da verba honorária quando ela não se opuser à defesa apresentada pelo devedor em sede de embargos à execução fiscal ou exceção de pré-executividade acerca de determinados temas.
Trata-se de regra de direito processual civil, de competência legislativa privativa da União (art. 22, I, da Constituição Federal), visto que excepciona a aplicação de norma geral prevista expressamente no estatuto processual vigente que cuida do cabimento dos honorários advocatícios.
Ocorre que, por se tratar de norma de exceção, deve ela ser interpretada restritivamente, não comportando aplicação extensiva, seja por analogia ou equidade.
Para o caso vertente, a literalidade do disposto no art. 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522/2002 somente prevê a dispensa da verba honorária para os casos de reconhecimento da procedência do pedido manifestada por Procurador da Fazenda Nacional, ou seja, em execuções fiscais de créditos federais.
O almejado reconhecimento judicial desse direito à Fazenda Pública estadual implica indevida integração da mencionada norma pelo Poder Judiciário, pois acaba por adicionar como destinatário do benefício processual pessoa de direito público não contemplada no texto do projeto de lei aprovado por ambas as casas do Congresso Nacional, afrontando assim o postulado constitucional da separação dos poderes da República.
Acresce-se, por oportuno, que eventual vício de inconstitucionalidade da citada norma processual pela alegada afronta aos princípios da isonomia e simetria entre os entes federados justificaria, quando muito, a nulidade desse artigo de lei a impedir a utilização desse benefício processual pela Fazenda Nacional, mas não a extensão desse direito à pessoa de direito público não contemplada no dispositivo legal.
Em suma:
A norma contida no art. 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522/2002, que dispensa o pagamento de honorários advocatícios na hipótese de o exequente reconhecer a procedência do pedido veiculado pelo devedor em embargos à execução fiscal ou em exceção de pré-executividade, é dirigida exclusivamente à Fazenda Nacional, não sendo aplicável no âmbito de execução fiscal ajuizada por Fazenda Pública estadual. STJ. 1ª Turma. REsp 2.037.693-GO, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 7/3/2023 (Informativo 766).
Assim, o que temos é que, até agora a norma é válida apenas para a União. Se a União, não contestar, desistir de recorrer, ela não pagará honorários.
Entretanto, será que o tema pode ser revisto e o STJ começar a aplicar aos demais entes? Que gera desestimulo ao enfrentamento gera, agora, será que os advogados vão renunciar aos honorários?
Como o tema já caiu em provas
(PROCURADOR FEDERAL – 2023 – AGU) Um procurador federal recebeu uma citação, em nome do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), para apresentar resposta a embargos à execução fiscal relativo a um crédito tributário cobrado judicialmente pela autarquia mencionada. Ao analisar a tese jurídica constante dos referidos embargos, o procurador federal verificou existir um parecer, aprovado pelo advogado-geral da União, que concluía no mesmo sentido do pleito do embargante. O procurador federal constatou, ainda, não haver qualquer controvérsia sobre a matéria fática ou outro fundamento relevante para a defesa. Nessa situação hipotética, de acordo com a Lei nº 10.522/2002, o procurador federal deverá a) contestar o pedido e solicitar a permissão do advogado-geral da União para desistir da execução fiscal. b) reconhecer a procedência do pedido e solicitar que não haja condenação em honorários. c) solicitar a suspensão do processo e apresentar uma consulta ao procurador-geral federal. d) requisitar o não conhecimento dos embargos e pedir ao juízo da causa a desistência da execução fiscal. e) solicitar ao juízo da causa a instauração de uma câmara de conciliação.
A alternativa correta é a letra B.
Referências
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A norma contida no art. 19, § 1º, I, da Lei 10.522/2002 não pode ser aplicada para as causas envolvendo a Fazenda Pública estadual. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/11488/a-norma-contida-no-art-19-1o-i-da-lei-105222002-nao-pode-ser-aplicada-para-as-causas-envolvendo-a-fazenda-publica-estadual>. Acesso em: 05/09/2025 – 06:32.
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