Honorários advocatícios na desistência de ação expropriatória: análise do tema 1298/STJ

Honorários advocatícios na desistência de ação expropriatória: análise do tema 1298/STJ

Introdução

De início, a questão dos honorários advocatícios sucumbenciais em processos de desapropriação sempre suscitou debates jurídicos relevantes, principalmente pela existência de regime jurídico próprio estabelecido no Decreto-Lei nº 3.365/1941.

O referido diploma normativo, em seu art. 27, § 1º, prevê critérios específicos tanto para a base de cálculo quanto para os percentuais aplicáveis aos honorários advocatícios em ações de desapropriação por utilidade pública.

O presente artigo tem por objetivo analisar o Tema 1298 fixado pelo Superior Tribunal de Justiça, nos Recursos Especiais nº 2.129.162-MG e 2.131.059-MG. Na ocasião, pacificou-se controvérsia jurisprudencial acerca dos parâmetros a serem adotados para a fixação de honorários advocatícios quando há desistência da ação de desapropriação por utilidade pública ou de constituição de servidão administrativa.

Como diz a lei?

O regime especial do Decreto-Lei nº 3.365/1941

O artigo 27, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941 estabelece:

"A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinquenta e um mil reais)."

Da leitura do dispositivo, extraem-se duas normas jurídicas específicas:

  1. Uma relativa à base de cálculo: “valor da diferença” entre a indenização fixada e o preço inicialmente oferecido;
  2. Outra concernente aos percentuais aplicáveis: “entre meio e cinco por cento”.

    Caso hipotético ilustrativo

    Pois bem, considere a seguinte situação hipotética:

    O Município de Nova Esperança ajuizou, em janeiro de 2023, ação de desapropriação por utilidade pública contra João da Silva, visando à construção de uma estação de tratamento de água.

    Na petição inicial, o ente público ofereceu indenização no valor de R$ 500.000,00 e atribuiu à causa este mesmo valor.

    Após a contestação e a realização de perícia judicial preliminar (que indicou valor aproximado de R$ 900.000,00 para o imóvel), o Município desistiu da ação, alegando alteração do projeto e consequente desnecessidade de desapropriação daquela área específica.

    A questão que se coloca então é: quais parâmetros devem ser utilizados para a fixação dos honorários advocatícios devidos ao patrono do réu?

    Deve-se aplicar o regime geral do CPC (art. 85, §2º, com percentuais entre 10% e 20% sobre o valor atualizado da causa) ou o regime especial do DL 3.365/1941 (art. 27, §1º, com percentuais entre 0,5% e 5%)?

    A disciplina geral do Código de Processo Civil de 2015

    Por conseguinte, o artigo 85 do CPC/2015 estabelece o regime geral para a fixação de honorários advocatícios sucumbenciais.

    Em seu § 2º, prevê que os honorários serão fixados entre dez e vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou, não sendo possível mensurá-los, sobre o valor atualizado da causa.

    Por outro lado, o § 8º do mesmo artigo prevê hipótese excepcional de fixação por apreciação equitativa quando o valor da causa for muito baixo.

    A desistência da ação e seus efeitos quanto às custas e honorários

    O art. 90 do CPC dispõe expressamente que, em caso de desistência da ação, o autor arcará com as despesas e os honorários advocatícios. Isso concretiza o princípio da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa ao processo deve arcar com seus ônus econômicos.

    Divergências interpretativas

    Veja, até a fixação da tese pelo STJ, havia sensível divergência jurisprudencial quanto aos parâmetros a se adotar para a fixação dos honorários advocatícios em caso de desistência da ação de desapropriação.

    As principais linhas interpretativas eram:

    Aplicação integral do artigo 85 do CPC

    Muitos tribunais entendiam que, na desistência da ação expropriatória, não havendo condenação e, consequentemente, não sendo possível estabelecer a diferença entre o valor oferecido e o fixado em sentença, deveria ser aplicado integralmente o art. 85 do CPC, tanto em relação à base de cálculo (valor da causa) quanto aos percentuais (entre 10% e 20%).

    Aplicação parcial do artigo 27, § 1º, do DL nº 3.365/1941

    Outra corrente defendia que, mesmo na desistência, deveriam ser observados os percentuais previstos no art. 27, § 1º, do DL nº 3.365/1941 (entre 0,5% e 5%), mas com adaptação quanto à base de cálculo, que passaria a ser o valor da causa, e não mais a diferença entre o valor oferecido e o fixado.

    Aplicação do artigo 85, § 8º, do CPC (apreciação equitativa)

    Uma terceira vertente sustentava que, na impossibilidade de aplicação da sistemática prevista na lei especial, os honorários deveriam ser fixados por apreciação equitativa, com base no art. 85, § 8º, do CPC.

    Ok, e qual foi a Tese no Tema 1298/STJ?

    Em breve síntese, ao apreciar a controvérsia, a Primeira Seção do STJ fixou a seguinte tese:

    "Aplicam-se os percentuais do art. 27, § 1º, do DL 3.365/41 no arbitramento de honorários sucumbenciais devidos pelo autor em caso de desistência de ação de desapropriação por utilidade pública ou de constituição de servidão administrativa, os quais terão como base de cálculo o valor atualizado da causa.

    Esses percentuais não se aplicam somente se o valor da causa for muito baixo, caso em que os honorários serão arbitrados por apreciação equitativa do juiz, na forma do art. 85, § 8º, do CPC."

    Voltando ao caso hipotético

    Vamos lá, agora, retomando o caso hipotético apresentado na introdução, podemos agora aplicar a tese firmada pelo STJ para sua resolução.

    No cenário descrito, o Município de Nova Esperança desistiu da ação de desapropriação após a contestação e a realização de perícia preliminar, devendo arcar com os honorários advocatícios sucumbenciais em favor do patrono do réu, João da Silva.

    Seguindo a orientação do Tema 1298/STJ, os honorários devem ser fixados com base nos percentuais do art. 27, § 1º, do DL 3.365/1941 (entre 0,5% e 5%), incidentes sobre o valor atualizado da causa (R$ 500.000,00, com correção monetária desde a propositura da ação até a data da desistência).

    Dessa forma, supondo que o valor atualizado da causa seja de R$ 535.000,00, e considerando a complexidade da causa, o trabalho realizado pelo advogado (que incluiu contestação e acompanhamento de perícia), o magistrado poderia fixar os honorários, por exemplo, em 3% sobre este valor, o que resultaria em R$ 16.050,00.

    Importante ressaltar que, mesmo constatando a perícia valor significativamente superior ao ofertado (R$ 900.000,00 contra R$ 500.000,00), este dado não alteraria a base de cálculo dos honorários, que permanece sendo o valor atualizado da causa, não a diferença apurada entre o valor inicialmente ofertado e o estimado pela perícia, já que não houve sentença que fixasse valor de indenização.

    Por fim, obviamente, o caso em análise não se enquadraria na exceção da parte final da tese (valor muito baixo). Isso porque o valor da causa é expressivo, não justificando, portanto, o arbitramento por apreciação equitativa.

    Aprofundando a tese firmada

    A relativização da independência normativa

    Honorários advocatícios

    Em breve síntese, o STJ reconheceu expressamente a “relativa independência entre as normas jurídicas contidas no dispositivo legal”. Entendeu, assim, que alterações circunstanciais na base de cálculo não devem afastar, necessariamente, a incidência da lex specialis quanto aos percentuais estabelecidos para o arbitramento dos honorários advocatícios.

    Isto é, essa compreensão merece aplauso por preservar, na medida do possível, a especialidade da norma, evitando seu completo afastamento em razão da impossibilidade de aplicação de apenas um de seus aspectos.

    Aplica-se a lei especial em detrimento do CPC.

    Entretanto, a tese reconhece que, em caso de desistência, não há como manter a base de cálculo originalmente prevista no art. 27, § 1º, do DL nº 3.365/1941, já que não haverá fixação de indenização em sentença.

    Assim, recorre-se subsidiariamente ao critério geral do CPC, utilizando o valor atualizado da causa como base de cálculo.

    Por fim, a tese firmada prevê solução excepcional para os casos em que o valor da causa for “muito baixo”, autorizando, nessas hipóteses, o arbitramento dos honorários por equidade, na forma do art. 85, § 8º, do CPC.

    Entretanto, o conceito de “valor muito baixo” é indeterminado, o que pode gerar incertezas na aplicação prática da tese. Caberá à jurisprudência, a partir de casos concretos, estabelecer critérios mais objetivos para a configuração dessa excepcionalidade.

    Nessa linha, como figura prática nos concursos, ressaltamos a importância do conhecimento da tese, bem como que esse entendimento também se aplica para as “servidões administrativas”.


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