Gilmar Mendes anula todas as condenações de José Dirceu da Lava Jato

Gilmar Mendes anula todas as condenações de José Dirceu da Lava Jato

Gilmar Mendes anula todas as condenações de José Dirceu no âmbito da Lava Jato, reabrindo debate sobre o processo.

Lava Jato

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o Caso

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a anulação de todos os atos processuais do ex-juiz Sergio Moro em duas ações penais contra o ex-ministro José Dirceu, no âmbito da operação Lava Jato. 

Portanto, todas as condenações de Dirceu relacionadas à Lava Jato foram anuladas. A decisão permite, na prática, que o ex-ministro deixe de ser ficha suja e reverta sua inelegibilidade.

Em maio de 2024, a segunda Turma do STF já tinha extinguido a pena de José Dirceu por corrupção passiva, no âmbito da Operação Lava Jato, em decorrência da prescrição. 

Apesar dessa vitória de maio, Dirceu seguia inelegível por outras condenações que estavam em fase de recurso no STJ, mas que agora acabaram sendo todas anuladas.

Mas o que aconteceu para Gilmar Mendes ter anulado essas condenações?

O Ministro atendeu a um pedido feito pelos defensores de Dirceu, estendendo os efeitos da decisão do STF que considerou Sergio Moro suspeito de atuar em processos contra o presidente Lula.

 Gilmar Mendes disparou:

“Diante do conjunto de indícios de suspeição narrados nesta decisão, é certo que a mesma falta de isenção que havia em relação ao primeiro réu [Lula] também impediu que José Dirceu tivesse direito a um julgamento justo e imparcial…

Elementos concretos que demonstram que a confraria formada pelo ex-Juiz Sérgio Moro e os Procuradores da Curitiba encarava a condenação de Dirceu como objetivo a ser alcançado para alicerçar as denúncias que, em seguida, seriam oferecidas contra Luiz Inácio Lula da Silva…

A extensão, assim, legitima-se não como uma medida geral, que aproveita a qualquer outro investigado na Lava Jato, mas devido a indicativos de que juiz e procuradores ajustaram estratégias contra esses réus, tendo a condenação de um deles como alicerce da denúncia oferecida contra o outro…

[Sérgio Moro] nutria um projeto de poder próprio, baseado em uma plataforma política que se dizia alternativa aos partidos tradicionais…

Para implementá-la, era necessário injetar na sociedade de um sentimento de insatisfação com a classe política, associado a um desejo de mudança das instituições. Paralelamente, os artífices de semelhante projeto pretendiam abandonar suas carreiras na magistratura e Ministério Público, para se candidatarem a cargos públicos eletivos, impulsionados pela fama conquistada pela prisão e condenação de políticos que, já àquela altura, pretendiam manietar e, depois, substituir…

A imbricação das condutas a eles atribuídas é tão profunda que, muito embora José Dirceu não tenha sido formalmente acusado no caso do Triplex do Guarujá, seu nome foi citado nada mais nada menos do que 72 (setenta e duas) vezes na denúncia oferecida pela força-tarefa da Lava Jato…”

O senador e ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro, afirmou não haver base para a decisão do ministro Gilmar Mendes de anular todas as condenações de José Dirceu na Operação Lava Jato, e que o “combate à corrupção foi esvaziado sob a benção do governo Lula”.

A defesa de Dirceu afirmou, em nota:

“O ex-ministro José Dirceu recebeu com tranquilidade a decisão do Supremo Tribunal Federal que anula todas as condenações da operação Lava Jato que incidem contra ele. A decisão, que restitui seus direitos políticos, entende que os processos contra Dirceu tinham por objetivo real atingir o presidente Luís Inácio Lula da Silva, o que demonstra a quebra de parcialidade das ações.

A anulação atende ao pedido da defesa do ex-ministro, que solicitou a extensão da decisão da 2ª Turma do Supremo que considerou parciais as decisões da Lava Jato e do ex-juiz Sergio Moro nos casos que envolvem o presidente Lula. José Dirceu sempre confiou na Justiça”

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou, no Supremo Tribunal Federal, ser contra a anulação das condenações de José Dirceu, o que indica que irá recorrer da decisão.

Análise Jurídica – Lava Jato

Vamos entender melhor quais os fundamentos jurídicos que embasaram essa decisão do ministro Gilmar Mendes que acabou anulando todas as condenações do ex-ministro José Dirceu.

E Para isso, precisamos voltar um pouco no tempo.

Em junho de 2021 o Plenário do STF confirmou, por 7 x 4, a decisão oriunda da 2ª Turma, declarando o ex-juiz Sergio Moro suspeito de julgar o presidente Lula. O entendimento vencedor considerou que Moro não atuou com a imparcialidade necessária e exigida pelo ordenamento jurídico. 

Agora, em 2024, Gilmar Mendes decide pela extensão dessa suspeição de Sergio Moro nos processos de LULA também para os processos envolvendo José Dirceu, no âmbito da Lava Jato.

Com a suspeição do julgador, todos os atos, incluindo as condenações, foram anuladas e, portanto, extintas. 

Com isso, Dirceu deixa de ser “ficha suja”, voltando a ser elegível, ou seja, ele pode concorrer a cargos eletivos. Já se especula que ele pretende disputar uma vaga de deputado federal nas eleições de 2026.

As hipóteses de suspeição têm por finalidade resguardar a imparcialidade necessária ao julgamento, uma vez que evita o conflito de interesses entre o magistrado e as partes. 

A imparcialidade do magistrado é um pressuposto de validade do processo, devendo o juiz colocar-se entre as partes e acima delas para que possa exercer a função jurisdicional de forma justa, sem beneficiar ou prejudicar qualquer das partes.

Como bem apontado por Benigno Núñez Novo: 

“A imparcialidade do juiz consiste na ausência de vínculos subjetivos com o processo, mantendo-se o julgador distante o necessário para conduzi-lo com isenção”

Princípio da Imparcialidade do Juiz

O princípio da imparcialidade do juiz decorre da Constituição Federal, que veda o juízo ou tribunal de exceção, bem como garante que o processo e a sentença sejam conduzidos pela autoridade competente que sempre será determinada por regras estabelecidas anteriormente ao fato sob julgamento (artigo 5º, XXXVII c/c artigo 5º, LIII).

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...

XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;

...

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

(CF/88)

Código de Ética da Magistratura

O Código de Ética da Magistratura dedica um capítulo, o terceiro, à questão da imparcialidade (artigos 8ºe 9º):

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.

Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.

Parágrafo único. Não se considera tratamento discriminatório injustificado:

I – a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado;

II – o tratamento diferenciado resultante de lei.

(Código de Ética da Magistratura)

Convenção Americana de Direitos Humanos

Na Convenção Americana de Direitos Humanos – da qual o Brasil é signatário –, o artigo 8º preceitua que todo indivíduo tem o direito de ser ouvido por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente pela lei.

Conclusão – Lava Jato

Portanto, rivalidades político-ideológicas entre juiz e parte tem um enorme potencial de afetar a imparcialidade do julgador e, portanto, colocar sob olhares de desconfiança a condução do processo.

Ao que parece, pelo menos aos olhos do ministro Gilmar Mendes, foi exatamente isso que aconteceu, o que é reforçado pelo fato de que o juiz prolator das condenações, Moro, acabou, tempo depois, ocupando o cargo de ministro do governo que se opunha ao do governo Lula, defendido por Dirceu.

O Código de Ética da Magistratura ainda assevera, em seus artigos 15 a 19, que o magistrado deve zelar pela sua integridade pessoal e profissional, e essa integridade de conduta contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

Não podemos deixar de pontuar as volumosas críticas direcionadas à decisão de Gilmar Mendes, que o acusam de beneficiar o grupo político do qual José Dirceu faz parte. 

Para esses críticos, não há que se falar em suspeição de Moro, e muito menos em nulidade das condenações, que foram confirmadas por Tribunais, o que reforçaria a correção na condução dos processos pelo ex-juiz.

Tema polêmico, que eleva os ânimos, mas que traz ótimas questões a serem tratadas em provas de processo penal. Portanto, muita atenção!

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