Gestante não usará tornozeleira eletrônica no parto (HC 956729)

Gestante não usará tornozeleira eletrônica no parto (HC 956729)

Imagine uma mulher grávida, investigada por tráfico de drogas, que está usando tornozeleira eletrônica, isto porque está em “prisão domiciliar”.

Entretanto, ela está prestes a dar à luz e seus advogados questionam:

seria razoável manter o monitoramento eletrônico durante o trabalho de parto?

Assim, os advogados argumentavam que os tribunais devem considerar em suas decisões a Resolução do Conselho Nacional de Justiça n. 492 de 2017, que estabelece a obrigatoriedade de observância do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero pelos magistrados, bem como do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o qual dispõe que devem ser priorizadas medidas menos gravosas para mulheres gestantes:

RESOLUÇÃO N. 492, DE 17 DE MARÇO DE 2023.

Estabelece, para adoção de Perspectiva de Gênero nos julgamentos em todo o Poder Judiciário, as diretrizes do protocolo aprovado pelo Grupo de Trabalho constituído pela Portaria CNJ n. 27/2021, institui obrigatoriedade de capacitação de magistrados e magistradas, relacionada a direitos humanos, gênero, raça e etnia, em perspectiva interseccional, e cria o Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero no Poder Judiciário e o Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.

Nessa linha, o tema chegou ao Ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça, no recente julgamento em decisão monocrática do Habeas Corpus nº 956729.

Análise do caso concreto

Pois bem, o que aconteceu foi o seguinte.

Em junho de 2024, a paciente foi presa preventivamente, sendo acusada da prática dos crimes previstos nos artigos 33 e 35 da Lei de Drogas.

No entanto, após passar pela audiência de custódia, teve sua prisão convertida em domiciliar e, posteriormente, em agosto do mesmo ano, 2024, houve a substituição dessa medida pela monitoração eletrônica.

Gestante

Nesse sentido, o caso ganhou novos contornos quando a defesa, percebendo a proximidade do parto, impetrou habeas corpus argumentando que manter a tornozeleira durante o trabalho de parto seria uma medida excessivamente gravosa.

Medidas cautelares diversas da prisão

A questão pertine, a partir daqui, com as questões jurídicas realmente interessantes na linha do voto do Min. Relator.

Neste descortínio, o primeiro ponto que precisamos analisar é: quais são os requisitos legais para a imposição de medidas cautelares diversas da prisão?

Transcreve, o próprio Ministro respondendo, citando o artigo 282 do Código de Processo Penal.

Registre-se, aliás, que são dois requisitos fundamentais:

  1. A necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação criminal ou para evitar novas infrações;
  2. A adequação à gravidade do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do investigado.

Noutro giro, vem a pergunta que realmente importa: esses requisitos são absolutos ou podem ser flexibilizados em situações excepcionais?

Menciona-se aqui que a decisão do Ministro Og Fernandes se torna especialmente relevante.

Para fundamentar seu posicionamento, o Ministro trouxe à baila um importante precedente da própria Corte.

Pontua que, no AgRg no RHC n. 160.743/MG, o STJ já havia firmado entendimento de que as medidas cautelares podem ser mantidas quando necessárias para garantir a ordem pública, a conveniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal.

Excesso injustificável

Por oportuno – e aqui está o ponto central dos autos – o Ministro foi além da mera análise processual penal. Ele reconheceu que, embora o monitoramento eletrônico seja uma medida válida em si, sua manutenção durante o parto configuraria um excesso injustificável.

Destarte, por que seria um excesso? O Ministro apresenta três razões fundamentais:

  1. A vulnerabilidade física e mental inerente ao trabalho de parto;
  2. A necessidade de preservação da dignidade da parturiente;
  3. A existência de medidas menos invasivas que poderiam ser adotadas.

Razão pela qual o aspecto mais inovador da decisão seja a forma como o Ministro incorporou a perspectiva de gênero em sua análise.

Como soa evidente, ele fez expressa referência à Resolução 492/2023 do CNJ, que estabelece a obrigatoriedade do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero.

Dessa maneira, a decisão também dialoga com diretrizes internacionais, especificamente com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que recomenda a priorização de medidas menos gravosas para gestantes.

Exsurge dos autos que o Ministro estabeleceu um protocolo específico às gestantes:

  • O médico responsável deve informar ao juízo a data provável do parto;
  • O monitoramento deve ser suspenso durante o trabalho de parto;
  • A medida só deve ser retomada após um período mínimo de recuperação, baseado em recomendação médica.

Frise-se, ademais, que a decisão não representa um “cheque em branco” para a suspensão de medidas cautelares.

Assim, o Ministro manteve o monitoramento eletrônico para todos os outros momentos, reconhecendo a gravidade dos delitos em apuração e a necessidade de garantir a efetividade do processo penal.

Em que outros casos a jurisprudência se mostra favorável às gestantes?

Há previsão do tema “prisão domiciliar” tanto no CPP como na LEP, tratando-se, contudo, de institutos diferentes, conforme se passa a demonstrar:

Quadro comparativo

PRISÃO DOMICILIAR DO CPPPRISÃO DOMICILIAR DA LEP
Arts. 317, 318 e 318-A do CPP.Art. 117 da LEP.
O CPP, ao tratar da prisão domiciliar, está se referindo à possibilidade de o réu, em vez de ficar em prisão preventiva, permanecer recolhido em sua residência.A LEP, ao tratar da prisão domiciliar, está se referindo à possibilidade de a pessoa já condenada cumprir a sua pena privativa de liberdade na própria residência.
Trata-se de uma medida cautelar por meio da qual o réu, em vez de ficar preso na unidade prisional, permanece recolhido em sua própria residência. Continua tendo natureza de prisão, mas uma prisão “em casa”.Trata-se, portanto, da execução penal (cumprimento da pena) na própria residência.
Hipóteses (importante):

O juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

I — maior de 80 anos;
II — extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III — imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos de idade ou com deficiência;
IV — gestante;
V — mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
VI — homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

Obs.: os magistrados, membros do MP, da Defensoria e da advocacia têm direito à prisão cautelar em sala de Estado-Maior. Caso não exista, devem ficar em prisão domiciliar.
Hipóteses (importante):

O preso que estiver cumprindo pena no regime aberto poderá ficar em prisão domiciliar quando se tratar de condenado(a):
I — maior de 70 anos;
II — acometido de doença grave;
III — com filho menor ou deficiente físico ou mental;
IV — gestante. 
O juiz pode determinar que a pessoa fique usando uma monitoração eletrônica.O juiz pode determinar que a pessoa fique usando uma monitoração eletrônica.

Prisão domiciliar para gestantes

Assim, os incisos IV e V do art. 318 do CPP preveem que a mulher acusada de um crime terá direito à prisão domiciliar se estiver gestante ou for mãe de criança:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

(...)

IV - gestante; (Redação dada pela Lei 13.257/2016)

V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei 13.257/2016)

Se você reparar na redação do caput do art. 318 do CPP, ela diz que o juiz PODERÁ substituir a prisão preventiva pela domiciliar nas hipóteses ali elencadas.

Desse modo, surgiram as seguintes dúvidas:

-Se uma mulher grávida estiver em prisão preventiva, o juiz, obrigatoriamente, deverá conceder a ela prisão domiciliar com base no art. 318, IV, do CPP?
-As hipóteses de prisão domiciliar previstas nos incisos IV e V do art. 318 do CPP são consideradas obrigatórias ou facultativas?

O que o STF decidiu?

REGRA: SIM. As hipóteses são obrigatórias.

Portanto, em regra, deve ser concedida prisão domiciliar para todas as mulheres presas que sejam:

  • gestantes,
  • puérperas (que deram à luz há pouco tempo),
  • mães de crianças (isto é, mães de menores até 12 anos incompletos) ou
  • mães de pessoas com deficiência.

EXCEÇÕES:

Por outro lado, não deve ser autorizada a prisão domiciliar se:

  1. a mulher tiver praticado crime mediante violência ou grave ameaça;
  2. a mulher tiver praticado crime contra seus descendentes (filhos e/ou netos);
  3. em outras situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.
STF. 2ª Turma. HC 143641/SP. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20/2/2018 (Informativo 891).

Como o tema já foi cobrado em concursos

(Juiz TJ/RJ 2019) A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que

A) não se trate a gestante de reincidente ou portadora de maus antecedentes.

B) não seja a gestante líder de organização criminosa ou participante de associação criminosa.

C) não se trate de acusada por crime hediondo ou equiparado.

D) não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça à pessoa e não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.

E) tenha havido prévia reparação do dano e as circunstâncias do fato e a personalidade da gestante indicarem se tratar de medida suficiente à prevenção e reprovação do crime.

Gabarito: letra D.

Referências

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É possível aplicar a decisão do STF no HC 143641/SP ou o art. 318-A do CPP para os casos de cumprimento definitivo da pena em que a acusada foi condenada aos regimes fechado ou semiaberto?. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/d469547325a320e660ba7f4bf05c7ecf>. Acesso em: 11/12/2024.


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