Ministro Fux acolhe preliminares de nulidade na Ação Penal 2668

Ministro Fux acolhe preliminares de nulidade na Ação Penal 2668

Prof. Gustavo Cordeiro

Introdução: a divergência no STF

O julgamento da Ação Penal 2668 no Supremo Tribunal Federal tomou rumo inesperado quando o ministro Luiz Fux sinalizou divergência com o relator Alexandre de Moraes quanto às questões preliminares. Enquanto Moraes rejeitou todas as preliminares de nulidade apresentadas pelas defesas dos oito réus, Fux antecipou que “voltará às preliminares”, indicando acolhimento de algumas alegações defensivas.

Este artigo apresenta análise exclusivamente jurídica e descritiva das preliminares invocadas pelas defesas, da fundamentação de Moraes para rejeitá-las e dos argumentos de Fux para acolhê-las, sem qualquer viés político-partidário. O objetivo é fornecer aos candidatos a Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública e demais carreiras jurídicas uma compreensão técnica da divergência jurisprudencial sobre temas fundamentais de competência e processo penal.

As preliminares de nulidade invocadas pelas defesas

Cerceamento de defesa por falta de tempo

As defesas dos oito réus alegaram cerceamento de defesa por não terem tido tempo suficiente para analisar o grande volume de dados e documentos anexados ao processo pela Polícia Federal. A argumentação defensiva baseou-se no conceito de “data dump” e “document dumping” – prática de disponibilização de milhões de páginas sem índice ou nomenclatura adequada dos documentos.

Nesse sentido, os advogados sustentaram que a disponibilização tardia e o volume excessivo de material probatório impossibilitaram análise técnica adequada, violando o princípio da ampla defesa consagrado no artigo 5º, LV, da Constituição Federal.

Incompetência absoluta do STF para julgar ex-presidente

A defesa de Bolsonaro invocou incompetência absoluta do STF para processar e julgar ex-presidente da República, fundamentando-se na jurisprudência consolidada na QO na AP 937. O precedente estabeleceu que o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

Além disso, sustentaram que após o final da instrução processual, com a publicação do despacho para alegações finais, a competência não será mais afetada pela ocupação ou abandono do cargo público, qualquer que seja o motivo.

Incompetência da Primeira Turma do STF

As defesas arguiram incompetência da Primeira Turma para julgamento de crimes imputados a ex-presidente da República. Basearam-se no artigo 5º do Regimento Interno do STF (reformulado em 2023), que estabelece competir ao Plenário processar e julgar originariamente crimes comuns contra o Presidente da República.

Em contraposição, o artigo 9º do mesmo regimento atribui às Turmas competência para julgar deputados, senadores e ex-ocupantes desses cargos, mas silencia quanto a ex-presidentes.

Nulidade da colaboração premiada de Mauro Cid

Todas as defesas questionaram a validade da delação do tenente-coronel Mauro Cid, alegando: contradições entre os oito depoimentos iniciais; ausência de voluntariedade efetiva; participação indevida do colaborador em vazamentos; e vícios no procedimento de homologação.

Violação ao sistema acusatório

As defesas acusaram o relator de atuar como “juiz inquisidor”, violando o sistema acusatório consagrado no ordenamento brasileiro. Alegaram excesso de perguntas nos interrogatórios e participação inadequada na produção de provas, configurando violação ao devido processo legal.

A fundamentação de Moraes para rejeitar as nulidades

Sobre o cerceamento de defesa

Fux

O ministro Alexandre de Moraes rejeitou a alegação de cerceamento fundamentando que “todas, absolutamente todas as provas utilizadas pela PGR” estavam disponíveis desde o início do processo. O relator esclareceu que as defesas tiveram “total acesso” aos documentos desde o recebimento da denúncia.

Quanto aos documentos anexados posteriormente, Moraes explicou que foram “solicitados pelas próprias defesas” e não foram utilizados pela acusação para formar o juízo condenatório. O ministro enfatizou repetidamente que “não houve nenhum prejuízo à defesa”.

Sobre a competência do STF

Moraes não enfrentou diretamente a questão da competência absoluta do STF para julgar ex-presidente. Ele limitou-se a confirmar que a competência da Primeira Turma havia sido estabelecida por maioria de votos em decisão anterior, ficando vencido apenas o ministro Fux.

Sobre a colaboração premiada

O relator foi categórico na defesa da validade da delação de Mauro Cid. Moraes fundamentou que a “regularidade e voluntariedade” já haviam sido amplamente debatidas no recebimento da denúncia, com a própria defesa do colaborador confirmando a voluntariedade.

Quanto aos oito depoimentos iniciais, Moraes foi incisivo: “beira a litigância de má-fé” alegar que foram oito delações contraditórias. O relator explicou que foram “oito depoimentos sobre fatos diversos” em uma única colaboração, não configurando contradições.

Sobre o sistema acusatório

Moraes rejeitou veementemente a acusação de “juiz inquisidor”, afirmando que a “ideia de que o juiz deve ser uma samambaia jurídica durante o processo não tem nenhuma ligação com o sistema acusatório”. O ministro sustentou que cabe ao magistrado formular perguntas nos interrogatórios, inclusive em benefício dos réus.

Inclusive, o relator considerou “esdrúxula” a alegação defensiva, pontuando que “não cabe a nenhum advogado censurar o magistrado, dizendo o número de perguntas que ele deve fazer”.

Os argumentos de Fux para acolher as preliminares

Nulidade absoluta por incompetência do STF

O ministro Luiz Fux fundamentou o acolhimento desta preliminar na jurisprudência consolidada do STF na QO na AP 937, relatada pelo ministro Roberto Barroso. Para Fux, o precedente estabelece claramente que o foro por prerrogativa de função aplica-se exclusivamente aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

Fux interpretou que os crimes imputados a Bolsonaro, embora alguns praticados durante o mandato, não se relacionam diretamente com o exercício da função presidencial, mas sim com interesses pessoais de perpetuação no poder. Nesta linha argumentativa, não haveria conexão funcional suficiente para justificar o foro privilegiado.

Adicionalmente, o ministro aplicou a segunda parte do precedente da AP 937, que estabelece a cristalização da competência após a publicação do despacho para alegações finais. Para Fux, uma vez encerrado o mandato presidencial, a competência deveria ter sido declinada para a primeira instância.

Incompetência da Primeira Turma

Fux foi enfático ao sustentar que, se o STF mantiver competência para julgar ex-presidente, o julgamento deve ocorrer no Plenário, não na Primeira Turma. O ministro baseou-se na interpretação literal do artigo 5º do Regimento Interno do STF, reformulado em 2023.

Para Fux, o artigo 5º é taxativo ao estabelecer competência do Plenário para processar e julgar crimes comuns contra o Presidente da República. O ministro interpretou que a norma não distingue entre presidente em exercício e ex-presidente, aplicando-se a ambos.

Por outro lado, Fux observou que o art. 9º do regimento, que trata da competência das Turmas, menciona expressamente deputados, senadores e “ex-ocupantes desses cargos”, mas silencia quanto a ex-presidentes. Para o ministro, este silêncio é eloquente e confirma que ex-presidentes, se julgados pelo STF, devem sê-lo pelo Plenário.

Cerceamento de defesa por “document dumping”

Fux acolheu a tese defensiva de cerceamento de defesa baseando-se na doutrina moderna sobre “document dumping” no processo penal. O ministro fundamentou que a disponibilização de bilhões de páginas sem organização adequada, índices ou nomenclatura clara configura violação à ampla defesa.

Para Fux, o simples acesso formal aos documentos não garante o acesso material necessário ao exercício defensivo efetivo. O ministro sustentou que a disponibilização tardia de grande volume de material, mesmo que solicitado pelas defesas, impossibilita análise técnica adequada dentro dos prazos processuais.

Fux interpretou que o princípio da paridade de armas exige que a defesa tenha condições reais de analisar as provas, não apenas formais. A prática de “data dump” seria incompatível com o devido processo legal consagrado na Constituição.

Vícios na colaboração premiada

Embora não tenha questionado diretamente a validade da colaboração de Mauro Cid, Fux sinalizou preocupações quanto à qualidade dos depoimentos e possíveis omissões dolosas do colaborador. O ministro considerou que as contradições e vazamentos deveriam ser melhor esclarecidos antes da utilização das informações como base condenatória.

Para Fux, a modulação dos benefícios promovida pela PGR, reduzindo as vantagens de Cid para apenas um terço da pena, indica reconhecimento implícito de problemas na colaboração que merecem reavaliação da sua admissibilidade como prova.

Conclusão: a divergência e seus desdobramentos

A divergência entre os Ministros Moraes e Fux na AP 2668 evidencia a complexidade das questões constitucionais e processuais envolvidas em casos de alta repercussão política. Para concurseiros, o embate oferece lições fundamentais sobre interpretação constitucional, competência e garantias processuais.

A questão da competência do STF para julgar ex-presidentes permanece controvertida, especialmente após a reforma regimental de 2023. A distinção entre Plenário e Turma ganha relevância prática e será certamente objeto de futuras questões.

Ademais, o conceito de “document dumping” representa evolução importante na doutrina processual penal, reconhecendo que o mero acesso formal aos documentos não satisfaz as exigências constitucionais de ampla defesa.

Por fim, a divergência jurisprudencial demonstra que mesmo em corte constitucional há espaço para interpretações distintas sobre institutos fundamentais, reforçando a importância do contraditório e da fundamentação adequada das decisões judiciais.


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