* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Aval de Lula
Parece que o presidente Lula se convenceu acerca da desnecessidade de frequentar uma autoescola para obter a Carteira Nacional de Habilitação.
Agora, o Ministério dos Transportes abrirá uma consulta pública sobre a proposta que pretende modernizar o processo de formação de condutores no Brasil, o que inclui o fim da obrigatoriedade da autoescola para a obtenção da CNH.
Pela proposta, a exigência de aulas em autoescola deixará de ser obrigatória para as categorias A (motos) e B (carros).
E o candidato poderá escolher outras formas de preparação, como ter aulas com um instrutor autônomo, credenciado pelo DETRAN, por exemplo.

Mas atenção: o candidato continuará precisando da aprovação nos exames teórico e prático para garantir a habilitação.
A medida tem como principais objetivos:
- Reduzir os custos para a população;
- Ampliar o acesso à habilitação; e
- Tornar o processo mais simples e moderno, sem renunciar às exigências mínimas de segurança para quem deseja dirigir.
Renan Filho, ministro dos Transporte, destacou:
“Para a parte teórica, não será obrigado o mínimo de aula. Para aula prática, nós estamos discutindo reduzir a quantidade mínima, que hoje são 20 horas. A maior parte das pessoas usa muito menos do que isso. Então será mais simples para o cidadão de maneira geral”.
Segundo a proposta, as aulas práticas, que antes tinham uma exigência mínima de 20 horas-aula, passarão a ser opcionais e sem exigência de carga horária mínima. O candidato poderá contratar um centro de formação ou um instrutor autônomo credenciado nos Detrans e na Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), obtendo sua formação da forma que achar mais adequada e minimizando os custos.
Outros países
Importante ressaltar que as autoescolas não são obrigatórias em vários países, a exemplo dos Estados Unidos, Reino Unido, Argentina, México, Japão, Suécia e Estônia.
Vejamos como se dá o processo de obtenção da licença em alguns países1:
Argentina → Não há exigência de autoescola, mas é obrigatório um curso teórico nacional. O curso aborda legislação de trânsito, direção defensiva e primeiros socorros e é pré-requisito para a marcação das provas. A prática de direção pode ser aprendida de forma independente, desde que o candidato seja aprovado no exame teórico e no teste prático aplicados pelo município.
Canadá → Não há regra nacional sobre autoescola e a competência é das províncias e territórios. Quebec obriga curso; em Ontário, a formação é opcional.
Chile → Maiores de idade não precisam de autoescola para a carteira não profissional. A licença Classe B, que autoriza dirigir automóveis, é obtida após exames médico, teórico e prático na Direção de Trânsito municipal, segundo o portal ChileAtiende. O curso em escola de condutores é exigido apenas para candidatos com 17 anos ou para licenças profissionais (Classe A). Em ambos os casos, o processo inclui teste de visão, avaliação teórica sobre legislação e direção defensiva, e prova prática em via pública.
EUA → O país permite treinar por conta própria para obter habilitação. Não há exigência federal de autoescola, e cada estado define suas regras para emissão da carteira. Na maioria, o candidato pode aprender sozinho e fazer as provas teórica e prática no Department of Motor Vehicles (órgão estadual que cuida da habilitação de motoristas e do registro de veículos nos EUA) ou órgão equivalente. Alguns estados impõem cursos de direção defensiva ou aulas supervisionadas apenas para menores de 18 anos.
Análise jurídica
Direito à igualdade
A medida vem em boa hora, já que, hoje, o alto custo do processo de habilitação acaba por deixar milhões de brasileiros na ilegalidade, dirigindo sem a devida habilitação, haja vista não possuírem recursos financeiros para tanto.
Estima-se que existam, no Brasil, em torno de 20 milhões de motoristas dirigindo sem a devida habilitação. |
Portanto, o fim da obrigatoriedade das autoescolas acaba por concretizar o princípio do amplo acesso ao direito de dirigir, sem colocar em risco a segurança no trânsito.
A intenção é garantir o direito à igualdade, ao trabalho, e, por fim, a própria dignidade da pessoa humana.
Em família numerosa de baixa renda é comum se escolher apenas um integrante do núcleo familiar, geralmente o homem, para tirar a habilitação, já que os recursos financeiros não são suficientes para todos.
Essa realidade acaba por excluir ainda mais a mulher das oportunidades de trabalho, aprofundando uma discriminação de gênero e de classe social.
Portanto, ao facilitar o acesso à habilitação para dirigir, pretende-se ampliar o acesso às oportunidades de emprego e renda, e trazer milhões de motoristas irregulares para a legalidade, o que pode ser benéfico para a própria segurança no trânsito.
Importante pontuar que a Constituição Federal garante, em seu artigo 6º, uma série de direitos sociais, como o trabalho e o transporte.
CF/88
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Enfim, democratizar o acesso à habilitação é garantir, além da dignidade da pessoa humana, a cidadania, na medida em que confere a um número muito maior de pessoas um conjunto de ferramentas necessárias, muitas vezes, para o exercício de um trabalho, de um ofício, que vai acabar por gerar renda, confiança, dignidade, independência financeira.
Cidadania
Cidadania é a condição de um indivíduo de possuir direitos e deveres dentro de uma comunidade, abrangendo direitos civis, políticos e sociais, além de implicar a participação ativa na vida coletiva e o cumprimento de responsabilidades para o bem público.
A dignidade da pessoa humana e a cidadania são fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme previsto no artigo 1º, da CF.
CF/88
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
A cidadania compreende:
- Direitos Civis: Garantem a liberdade individual, como o direito à vida, à liberdade e à propriedade, e à igualdade perante a lei.
- Direitos Políticos: Permitem a participação na vida política da sociedade, como o direito de votar e de ser votado.
- Direitos Sociais: Asseguram o direito à dignidade da vida humana e a condições de bem-estar.
Importante acompanhar a tramitação dessa proposta, e como ela será regulamentada pelos órgãos de trânsito.
- UOL. Quais países não exigem autoescola para tirar carteira de motorista. Canal UOL. Disponível em: <https://www.uol.com.br/carros/noticias/redacao/2025/08/12/quais-paises-nao-exigem-autoescola-para-tirar-carteira-de-motorista.htm>. ↩︎
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