Candidato usa nome de Bolsonaro e é aprovado em seleção para professor

Candidato usa nome de Bolsonaro e é aprovado em seleção para professor

Notícia

Falsidade ideológica

Um processo seletivo para preencher o cadastro de reserva de professores na Prefeitura de São Mateus, no Norte do Espírito Santo, teve como primeiro colocado na seleção o candidato Jair Messias Bolsonaro. O nome do ex-presidente do Brasil foi publicado na lista de classificados, divulgada nesta segunda-feira (27), mas a prefeitura informou se tratar de um caso de uso de dados falsos.

O resultado classificatório do processo informa que o inscrito como Bolsonaro tem 29 anos e concorreu a uma vaga de professor de Educação Física, sob o regime de designação temporária (DT), cujo salário é de R$ 2.403,73.

O documento ainda detalha que o suposto Jair Messias Bolsonaro nasceu no dia 29 de março de 1995. Mas, nessa mesma data, o ex-presidente do Brasil já tinha 40 anos e era deputado federal pelo Rio de Janeiro. O político do PL nasceu em 21 de março de 1955.

O candidato que se inscreveu com o nome de Bolsonaro informou no processo seletivo que tem habilitação plena em Educação Física, curso de Educação do Campo, e registro no Conselho Regional de Educação Física (CREF).

A prefeitura explicou ainda que o resultado classificatório não é considerado final e os próximos passos incluem:

  • Análise de documentos: entre os dias 27 e 29 de janeiro.
  • Resultado preliminar: publicado após a análise de documentos.
  • Recurso do resultado preliminar: os candidatos poderão recorrer do resultado.
  • Resultado final: publicado após o recurso.
  • Disponibilização de Link e Convocações: feita conforme o anexo VII do edital.

Análise jurídica

De início, para que entendamos o caso que aconteceu em São Mateus/ES, vamos entender alguns aspectos legais sobre a falsidade ideológica.

Em primeiro lugar, teríamos uma clara situação de falsidade ideológica, tipificada no artigo 299 do Código Penal Brasileiro.

É válido salientar que o entendimento do STJ é que só há falsidade ideológica se houver “dolo” e potencialidade lesiva:

DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO PROVIDO.

I. Caso em exame

1. Agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento a recurso em habeas corpus, visando ao trancamento de ação penal por atipicidade das condutas de falsificação de documento particular e uso de documento falso, nos termos dos arts. 298 e 304 do Código Penal.

2. O agravante foi denunciado por falsificar a assinatura de ex-sócio em documento particular, após a dissolução de sociedade, e enviar o documento a uma empresa, com o objetivo de receber honorários advocatícios.

3. O juízo de primeiro grau absolveu sumariamente o acusado do delito de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal), por ausência de dolo de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

II. Questão em discussão

4. A questão em discussão consiste em saber se a ausência de potencialidade lesiva do documento falsificado, reconhecida pelo juízo de primeiro grau, torna atípicas as condutas de falsificação material e uso de documento falso.

III. Razões de decidir

5. A potencialidade lesiva do documento é elemento essencial para a tipificação dos crimes de falsificação de documento particular e uso de documento falso, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial.

6. A ausência de dolo de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, reconhecida na falsidade ideológica, implica a atipicidade das condutas de falsificação material e uso do documento, por falta de potencialidade lesiva.

7. Documentos juridicamente inócuos, que não têm a capacidade de influir negativamente na esfera de direitos de terceiros, não podem ser objeto de falsificação penalmente relevante.

IV. Dispositivo e tese

8. Agravo provido para trancar a ação penal por atipicidade da conduta.

Tese de julgamento: "1. A potencialidade lesiva do documento é condição essencial para a tipificação dos crimes de falsificação de documento particular e uso de documento falso. 2. A ausência de dolo de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante implica a atipicidade das condutas de falsificação material e uso do documento".

Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 298, 299 e 304.

Jurisprudência relevante citada: Não há jurisprudência relevante citada.

(AgRg no RHC n. 191.050/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, relator para acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 5/11/2024, DJEN de 11/12/2024.)

Nesse aspecto, o crime se caracterizaria pela inserção de declaração falsa em documento público com o objetivo de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

Entretanto, vale destacar que o princípio da consunção estabelece que quando um crime é meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro crime, ele é absorvido pelo crime final.

No caso apresentado pelo STJ no AgRg no AgRg no AREsp n. 2.626.439, houve absorvição da falsidade ideológica por ser meio para obtenção de documento de identidade:

DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. AGRAVO DESPROVIDO.

I. Caso em exame

1. Agravo regimental interposto contra decisão que deu provimento ao agravo em recurso especial para não conhecer do recurso especial, com fundamento no art. 255, § 4º, I, do RISTJ.

2. O Tribunal de origem desclassificou a conduta do art. 304, c/c art. 297, do Código Penal, para a prevista no art. 299, caput, do Código Penal, mantendo a condenação com base em provas documentais e periciais.

II. Questão em discussão

3. A questão em discussão consiste em saber se a desclassificação da conduta para falsidade ideológica, com base no princípio da consunção, foi correta, e se há necessidade de reexame de provas para absolvição do agravante.

III. Razões de decidir

4. A decisão agravada foi mantida por seus próprios fundamentos, considerando que a materialidade e autoria delitivas foram comprovadas por provas documentais e periciais, sem necessidade de novas provas.

5. A desclassificação para o crime de falsidade ideológica foi fundamentada no princípio da consunção, uma vez que a falsidade ideológica foi meio para a obtenção de documento de identidade.

6. O reexame de provas para absolvição é vedado nesta via recursal, conforme Súmula n. 7 do STJ, não havendo flagrante ilegalidade que justifique a concessão de habeas corpus de ofício.

IV. Dispositivo e tese

7. Agravo regimental desprovido.

Tese de julgamento: "1. A desclassificação para falsidade ideológica com base no princípio da consunção é válida quando a falsidade ideológica é meio para a obtenção de outro documento. 2. O reexame de provas é vedado em sede de recurso especial, conforme Súmula n. 7 do STJ."

Dispositivos relevantes citados: Código Penal, arts. 297, 299, 304;
CPP, art. 617; RISTJ, art. 255, § 4º, I.

Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AgRg no AREsp n. 2.026.865/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 9/8/2022; STJ, AgRg no REsp n. 1.969.679/AL, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/4/2022.

(AgRg no AgRg no AREsp n. 2.626.439/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 12/11/2024, DJe de 18/11/2024.)

Aplicando ao caso concreto de São Mateus/ES

O candidato cometeu falsidade ideológica ao inserir declarações falsas no processo seletivo, incluindo:

  • Nome falso (Jair Messias Bolsonaro)
  • Data de nascimento falsa (29 de março de 1995)
  • Formação acadêmica inexistente
  • Registro profissional inexistente no CREF-ES

No caso vertente, o crime de falsidade ideológica (Art. 299 do CP) tutela a fé pública e a confiabilidade dos documentos públicos.

Ademais, como se tem noticiado, o crime de fraude em certame público (Art. 311-A do CP) protege a lisura e moralidade dos processos seletivos públicos. São bens jurídicos distintos sendo violados por condutas autônomas, portanto, não há que se aplicar a consunção. Além disso, no caso concreto, não há notícias que houve violação ou divulgação de conteúdo sigiloso do processo seletivo – o que ocorreu foi a apresentação de informações falsas no momento da inscrição.

O caso, portanto, configura apenas o crime de falsidade ideológica (Art. 299 do CP), pois o agente inseriu declaração falsa em documento público (formulário de inscrição) com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (suas qualificações e identidade).

Falsidade ideológica

Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

Exemplo: mentir que está matriculado em curso para tirar carteira de estudante. 

A pena prevista é de até 5 anos de reclusão e multa, em caso de a falsidade ocorrer em documento público, e de até 3 anos, nos documentos particulares.

É importante destacar que o crimes de falsidade ideológica não se confundem com os delitos de falsa identidade ou falsificação e uso de documento falso.

Além disso, cuidado para não confundir algo que frequentemente está em provas:

  1. Falsidade material = versa sobre a FORMA do documento. está presente nos artigos 297 (falsificação de documento público) e 287 (falsificação de documento particular), ambos do CP.
  2. Falsidade ideológica = versa sobre o CONTEÚDO do documento público OU particular. Artigo 299 CP.

Como o tema já caiu em provas

CESPE / CEBRASPE - 2024 - TC-DF - Procurador

No que se refere aos crimes em espécie previstos no Código Penal, julgue o item a seguir, considerando, quando couber, o entendimento dos tribunais superiores.

O delito de falsidade ideológica praticado como meio da prática do crime de peculato é incorporado por este, em razão do princípio da consunção. (Errado)

Errado. “Tal como decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, esta Suprema Corte possui entendimento sedimentado no sentido de que existe concurso formal quando a falsidade é meio para a prática de outro crime, como o peculato ou o estelionato, não havendo que falar, por conseguinte, em consunção. (…) “(HC 189.533 AgR, relator min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 16/9/2020, Processo Eletrônico DJe-236, divulgado em 24/9/2020, publicado em 25/9/2020).


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