Evento em resort reúne desebargador, juízes e advogados: Contornos jurídicos acerca da imparcialidade do julgador

Evento em resort reúne desebargador, juízes e advogados: Contornos jurídicos acerca da imparcialidade do julgador

Evento em resort com a presença de desembargadores, juízes e advogados discute os contornos jurídicos sobre a imparcialidade do julgador, levantando questões éticas e legais no Judiciário.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Evento em resort

Entenda o Caso

Um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo convidou colegas juízes para um evento em um fim de semana no resort Jequitimar, no Guarujá. 

O evento foi feito a convite de uma câmara de conciliação que, além de nomeada por magistrados paulistas em processos de varas empresariais, é integrada por advogados que têm ações milionárias.

A viagem aconteceu um dia depois de a Escola Paulista da Magistratura (EPM) organizar um evento repleto de advogados da Med Arb, câmara de conciliação presidida pelo advogado Elias Mubarak, cujo tema era sobre mediação, arbitragem e Poder Judiciário.

O evento acadêmico teve a participação de juízes, desembargadores e ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além dos magistrados, os paineis foram majoritariamente preenchidos por Mubarak e outros integrantes da Med Arb.

Para o pré-evento, a Med Arb convidou magistrados e advogados a um almoço em um restaurante italiano de São Paulo. Após, fez o convite para passar o final de semana no Jequitimar, resort de luxo do Guarujá.

O desembargador afirmou que, como coordenador do evento, apenas deu “publicidade aos participantes da ocorrência de jantar e hospedagem em hotel no Jequitimar, no fim de semana, ficando a participação a critério de cada pessoa”. “Participarei do simpósio”, disse antes do evento.

A sede da Med Arb fica no mesmo prédio do escritório de advocacia de Mubarak, em São Paulo. Ele é um dos importantes nomes de casos de recuperação judicial, tendo assessorado, por exemplo, a empresa de ônibus Itapemirim, que acumula R$ 2,3 bilhões em dívidas.

Assim, procurado por jornalistas, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou que “a Escola Paulista da Magistratura tem autonomia e independência para a formatação de seus cursos, inclusive mediante parcerias com instituições privadas”. 

Arrematou o Tribunal:

“Os temários e os expositores foram escolhidos e aprovados pela direção da EPM, sem direito à percepção de qualquer remuneração. No tocante ao jantar e final de semana em hotel no litoral paulista, não há qualquer participação ou ingerência da EPM e, menos ainda, do Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo, portanto, suas realizações absolutamente estranhas à atividade acadêmica da EPM”

A Med Arb afirmou, por meio de nota, que:

“é uma câmara de mediação e arbitragem especializada na solução de disputas corporativas e reestruturação de empresas…O presidente da entidade, Elias Mubarak, especialista em mediação e arbitragem, foi convidado como palestrante do Simpósio Mediação, Arbitragem e Poder Judiciário, organizado pela Escola Paulista da Magistratura (EPM)”

Análise Jurídica – Evento em Resort

À princípio, não há como apontar ilegalidade ou irregularidades por parte do desembargador ou dos juízes. 

O grande questionamento, digno de reflexão, e que tem repercussão jurídica, é acerca da imparcialidade do julgador.

A imparcialidade do magistrado é um pressuposto de validade do processo, devendo o juiz colocar-se entre as partes e acima delas para que possa exercer a função jurisdicional de forma justa, sem beneficiar ou prejudicar qualquer das partes.

Como bem apontado por Benigno Núñez Novo: 

“A imparcialidade do juiz consiste na ausência de vínculos subjetivos com o processo, mantendo-se o julgador distante o necessário para conduzi-lo com isenção”

Benigno Núñez Novo

O princípio da imparcialidade do juiz decorre da Constituição Federal, que veda o juízo ou tribunal de exceção. Bem como garante que o processo e a sentença sejam conduzidos pela autoridade competente que sempre será determinada por regras estabelecidas anteriormente ao fato sob julgamento (artigo 5º, XXXVII c/c artigo 5º, LIII).

CF/88
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;

...

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

Dessa forma, a previsão do impedimento e da suspeição do magistrado têm por objetivo exatamente garantir a imparcialidade do julgador, que é tão importante no processo a ponto das causas de impedimento e suspeição poderem ser alegadas ex officio, pelo juiz.

O artigo 95, da Constituição Federal, em seu parágrafo único, veda aos juízes “receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei”, vedação essa que visa garantir a imparcialidade do magistrado.

Código de Ética da Magistratura

Nesse sentido, o Código de Ética da Magistratura dedica um capítulo, o terceiro, à questão da imparcialidade (artigos 8ºe 9º):

Código de Ética da Magistratura
Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.

Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.

Parágrafo único. Não se considera tratamento discriminatório injustificado:

I – a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado;

II – o tratamento diferenciado resultante de lei.

Na Convenção Americana de Direitos Humanos – da qual o Brasil é signatário –, o artigo 8º preceitua que:

todo indivíduo tem o direito de ser ouvido por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente pela lei“.

Portanto, encontros entre juízes, desembargadores, advogados e empresários em resorts, restaurantes, hoteis, tem um enorme potencial de afetar a imparcialidade do julgador. E, portanto, colocar sob olhares de desconfiança a condução do processo.

Basta imaginar um juiz tendo que julgar uma causa bilionária, onde o interessado é aquele que lhe convidou para um resort no mês anterior. Será que, mesmo inconscientemente, o juiz conseguirá julgar a causa com imparcialidade? Portanto, é de se refletir, sem pretender fazer pré-julgamentos ou ilações infundadas.

O Código de Ética da Magistratura ainda assevera, em seus artigos 15 a 19, que o magistrado deve zelar pela sua integridade pessoal e profissional. E essa integridade de conduta fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura, e é dever do magistrado, também, recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional.

Conclusão – Evento em resort

Enfim, mesmo não havendo comprovação de qualquer irregularidade no encontro narrado mais acima, os membros do Judiciário devem reforçar a vigilância para evitarem situações que possam pôr em xeque a independência e a impessoalidade do magistrado, evitando qualquer desconfiança ou especulações sobre o correto exercício da jurisdição.

Tema interessante para provas da magistratura e do ministério público!    

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