Estupro virtual e a Operação “Vale dos Ventos”
Estupro virtual e Operação “Vale dos Ventos”

Estupro virtual e a Operação “Vale dos Ventos”

Estupro virtual e a Operação "Vale dos Ventos"
Estupro virtual e a Operação “Vale dos Ventos”

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia. 

A notícia é a seguinte: suspeito de estupro virtual é preso na Bahia em decorrência da Operação “Vale dos Ventos”. Vítima é adolescente do Mato Grosso do Sul que foi violentada por 38 dias.

A polícia civil do Mato Grosso deflagrou a “Operação Vale dos Ventos”, que acabou resultando na prisão, na Bahia, do suspeito de um estupro virtual praticado contra uma menina de 13 anos, que foi violentada por 38 dias. A operação contou com o apoio e a participação da polícia civil da Bahia. 

O nome da operação foi dado em homenagem à obra mais famosa do autor italiano Danti Alighieri (Divina Comédia), que narrou o Vale dos Ventos como sendo a parte do inferno destinada aos devassos, os quais não controlam seus desejos sexuais. 

O suspeito, agora preso, através de uma falsa montagem, começou a chantagear a garota, obrigando-a a realizar e registrar atos sexuais.  

A investigação utilizou modernas técnicas de ciberinvestigação, possibilitando a localização do suspeito, que é morador da cidade baiana de Fátima, pelo Núcleo Regional de Inteligência. 

O suspeito já possuía dois registros policiais pela mesma prática, mas não havia sido denunciado pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) por falta de provas concretas contra ele. 

O estupro virtual é uma modalidade de violência que tem crescido sensivelmente, representando um perigo concreto principalmente as nossas jovens e crianças.

Trata-se de delito de difícil investigação, tendo em vista que o autor pode se encontrar em qualquer lugar do planeta, escondendo-se atrás do anonimato

Tramita no Senado Federal um projeto de lei que visa alterar o Código Penal para que os crimes de estupro e de estupro de vulnerável também sejam punidos se praticados na modalidade virtual. 

De autoria do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), o PL 1.238/2024 acrescenta novo parágrafo aos artigos do Código Penal que tratam do crime de estupro (artigo 213) e de estupro de vulnerável (artigo 217-A). 

Parte da doutrina (majoritária) defende a tese de que não há necessidade de alteração da legislação penal para a punição do crime de estupro virtual, haja vista que, para estes, o estupro na modalidade virtual pode ser tipificado no artigo 213 do Código Penal, in verbis

Estupro 

Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:  

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.           

§ 1o  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:     

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.       

§ 2o  Se da conduta resulta morte:              

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. 

Mas temos, ainda, uma minoria doutrinária que não reconhece o estupro sem o contato físico, ou seja, para estes, não há como punir o estupro virtual, sob pena de afronta ao princípio da legalidade.  

Mas você sabe o que é o estupro virtual? Conhece seus elementos e suas características? Suas consequências? É isso que vamos ver a partir de agora. 

Estupro virtual pode ser conceituado como o ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ato libidinoso através da internet ou de outros meios virtuais (telefone, carta, rádio etc.), ou seja, sem contato físico direto.     

Geralmente o estupro virtual se consuma através das mais variadas redes sociais, tais como Instagram e Facebook. 

O professor Cezar Roberto Bitencourt esclarece: 

“Constranger tem o mesmo sentido do analisado em relação à conjunção carnal. A finalidade, no entanto, nesta segunda figura, é a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, como refere o atual texto legal, “ou outro ato libidinoso” (para diferenciá-lo da conjunção carnal). Esta segunda modalidade pode ser praticada de duas formas (praticar ou permitir). Na forma praticar é a própria vítima obrigada a realizar o ato, isto é, deve adotar uma posição ativa; na forma permitir, aquela é submetida à violência de forma passiva”. 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 49. 

O autor André Santos Guimarães arremata: 

“No caso em que o autor, ameaçando divulgar vídeo íntimo da vítima, a constrange, via internet, a se auto masturbar ou a introduzir objetos na vagina ou no ânus, tem-se estupro, pois a vítima, mediante grave ameaça, foi constrangida a praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Portanto, o estupro virtual configura-se quando o autor se vale da internet para praticar em desfavor da vítima a conduta descrita no art. 213 do Código Penal”.

GUIMARÃES, André Santos. Estupro Virtual. Disponível em: http://www.justicadesaia.com.br/estupro-virtual-2. Acesso em 10/10/2020.

Portanto, desde a alteração legislativa ocorrida em 2009, com a Lei nº 12.015/09, não há necessidade da conjunção carnal (contato físico direto / cópula pênis-vagina) para a consumação do crime de estupro.   

A prática do estupro virtual, embora não envolva o contato físico direto entre o agressor e a vítima, é uma evidente forma de violação sexual que causa danos psicológicos profundos e irreparáveis. Nesse sentido, a doutrina e jurisprudência dominantes já se posicionam pela desnecessidade de contato físico entre agressor e vítima para configuração do crime de estupro”, arrematou o senador Vanderlan Cardoso. 

Para a psicanalista e Mestre em psicologia Rita Martins, é comum que pessoas que passam por este tipo de agressão desenvolvam transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), síndrome do pânico e depressão. Além de dificuldade de dormir (insônia, pesadelo ou sono muito leve), também é comum ter pensamentos intrusivos ou suicidas e um misto de sentimentos que se alternam em instantes, como humilhação, angústia, raiva de si própria e do agressor, medo, culpa e desespero. “A pessoa tende a ficar mais arisca e desconfiada, principalmente quando se trata de conhecer pessoas”, menciona Rita. 

Portanto, podem ser considerados atos tipificados como estupro virtual: 

  • Obrigar a vítima a se masturbar sob pena de divulgação de vídeos íntimos; 
  • Constranger a vítima, com base em ameaça, a introduzir objetos na vagina ou no ânus;  
  • Forçar a vítima a se despir, sob pena de divulgação de fotos íntimas;  

Podemos perceber que geralmente o estupro virtual se aperfeiçoa quando o autor, estando em poder de fotos ou vídeos íntimas da vítima ou qualquer outro objeto que sirva para chantagear ou ameaçar, obriga que essa vítima se exponha para o criminoso com o objetivo de satisfazê-lo sexualmente (masturbação, introdução de objetos na vagina, no ânus, retirada de toda a roupa etc.).

E isso ocorre, não raras vezes, em um contexto de vínculo de confiança construído entre autor e vítima, o que agrava ainda mais a situação pelo abuso da confiança existente. 

O STJ possui jurisprudência pacificada no sentido de admitir a figura do estupro virtual: 

HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. QUALQUER ATO DE LIBIDINAGEM. CONTATO FÍSICO DIRETO. PRESCINDIBILIDADE. CONTEMPLAÇÃO LASCIVA POR MEIO VIRTUAL. SUFICIÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 

1. É pacífica a compreensão, portanto, de que o estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima, conforme já consolidado por esta Corte Nacional. 

2. Doutrina e jurisprudência sustentam a prescindibilidade do contato físico direto do réu com a vítima, a fim de priorizar o nexo causal entre o ato praticado pelo acusado, destinado à satisfação da sua lascívia, e o efetivo dano à dignidade sexual sofrido pela ofendida. 

3. No caso, ficou devidamente comprovado que o paciente agiu mediante nítido poder de controle psicológico sobre as outras duas agentes, dado o vínculo afetivo entre eles estabelecido. Assim, as incitou à prática dos atos de estupro contra as infantes (uma de 3 meses de idade e outra de 2 anos e 11 meses de idade), com o envio das respectivas imagens via aplicativo virtual, as quais permitiram a referida contemplação lasciva e a consequente adequação da conduta ao tipo do art. 217-A do Código Penal. 

4. Ordem denegada. 

(HC n. 478.310/PA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 9/2/2021, DJe de 18/2/2021.) 

O ordenamento jurídico e os operadores do direito precisam acompanhar a evolução social e tecnológica.

Esse é o maior desafio do direito penal moderno, e admitir a possibilidade de existência do estupro virtual, sem contato físico direto, é uma resposta à altura a esse enorme desafio, contribuindo para a realização da justiça e a punição dos criminosos que se utilizam do ambiente virtual para o cometimento de crimes dos mais variados.  

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