De início, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) determinou a demissão de uma juíza substituta, após concluir que ela utilizou despachos padronizados em mais de 2.000 processos e desarquivou ações indevidamente para proferir novas decisões com teor idêntico.
Nessa linha, a medida foi aprovada pelo Órgão Especial da Corte em 24 de fevereiro de 2025, ratificada em maio e transitada em julgado em 26 de maio de 2025. O Diário da Justiça do RS publicou a exoneração no dia 7 de julho.

A magistrada atuava na 2ª Vara Cível de Cachoeira do Sul e estava em estágio probatório. Assim, ela ainda não contava com a garantia de vitaliciedade prevista no art. 95, I, da Constituição Federal.
Nessa linha, o caso reacende debates sobre produtividade, integridade funcional e o rigor ético exigido durante o estágio inicial da magistratura.
Fundamentação jurídica: conduta funcional e quebra de deveres
Ora, embora a decisão administrativa do TJ-RS não tenha sido publicada na íntegra, apuração jornalística indica que a demissão teve como fundamento a violação de deveres funcionais previstos na Constituição e na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN – LC nº 35/79), notadamente o art. 35, VIII, que obriga o magistrado a manter “conduta irrepreensível na vida pública e particular”.
Além disso, o Código de Ética da Magistratura Nacional, aprovado pela Resolução CNJ nº 60/2008, reforça que:
“Art. 20 – Cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a máxima pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em prazo razoável.”
“Art. 37 – Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.”
Perceba, o uso de despachos genéricos sem leitura do conteúdo processual e o reingresso indevido de feitos arquivados — apenas para recontar sentenças — são práticas que ferem a autenticidade e o zelo da função jurisdicional, na visão do CNJ.
Ademais, segundo o entendimento consolidado no CNJ, tais condutas podem configurar fraude estatística funcional, prática reiteradamente reprovada por comprometer a confiança social no Judiciário.
Contexto institucional: o estágio probatório como teste de idoneidade
No caso concreto, a decisão se insere no marco de uma atuação mais rigorosa das corregedorias e do CNJ frente a condutas antiéticas ou desviantes, inclusive entre magistrados ainda não vitaliciados.
Como estabelece a Constituição Federal em seu art. 41, §1º, II, o servidor público em estágio probatório poderá ser exonerado por "inaptidão" ou "conduta incompatível com o exercício do cargo", exigindo apenas a garantia do contraditório e da ampla defesa.
Dessa maneira, trata-se de um momento de avaliação não apenas técnica, mas essencialmente ética, como sublinha a doutrina especializada.
Inclusive, o juiz recém-empossado deve demonstrar diligência, imparcialidade e autenticidade, mesmo diante de cenários adversos ou estruturais precários. O argumento defensivo de que havia “cultura de autogestão” e “passivo processual elevado” não exime o magistrado da observância aos deveres legais, como já reafirmado pelo CNJ em casos análogos (v.g., Reclamação Disciplinar 0002761-03.2019.2.00.0000).
Aspectos procedimentais: PAD e revisão disciplinar
Vale salientar que, o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) foi instaurado pelo TJ-RS em setembro de 2023, com o afastamento cautelar da juíza — medida legalmente permitida pela Resolução CNJ nº 135/2011, art. 15, quando a permanência do magistrado no cargo possa comprometer a apuração.
Inclusive, durante o afastamento, a magistrada continuou recebendo remuneração, como prevê o regime jurídico da magistratura, até a conclusão do processo.
Por outro lado, a deliberação da decisão do Órgão Especial ocorreu por maioria absoluta de seus membros, como também exige a LOMAN.
Doutra banda, a defesa da juíza, conduzida pelo advogado Nilson de Oliveira Rodrigues, já apresentou pedido de revisão disciplinar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apontando supostos vícios de instrução e desproporcionalidade da pena.
Segundo ele, “não há prova de dolo ou má-fé, elementos indispensáveis à configuração de falta funcional gravíssima”.
Por outro lado, no entanto, não é necessária a comprovação de dolo para a exoneração de magistrado em estágio probatório, bastando a inaptidão funcional, desde que demonstrada de forma motivada e observados o contraditório e a ampla defesa.
Impactos práticos
Ora, a decisão do TJ-RS tem efeitos internos e simbólicos.
Internamente, reforça a função do estágio probatório como período de seleção ética da magistratura, afastando condutas automatizadas e desvinculadas da função jurisdicional autêntica.
Também funciona como reiterada advertência contra a manipulação artificial de dados de produtividade, preocupação constante do CNJ nos últimos anos.
Sob o ponto de vista sistêmico, a medida reafirma que não se pode alcançar eficiência às custas da legalidade e da boa-fé processual.
Em tempos de cobrança por celeridade, a jurisprudência reafirma que celeridade não pode sacrificar a regularidade e individualização da prestação jurisdicional.
Como pano de fundo, o caso evidencia o descompasso entre pressões institucionais por metas e os limites éticos da magistratura, tema cada vez mais presente nas discussões acadêmicas e na jurisprudência correcional.
Conclusão
Ao decidir pela demissão da juíza, o TJ-RS reafirmou que a integridade da função jurisdicional é inegociável, mesmo diante de cenários operacionais desafiadores.
Assim, a adoção de despachos em série e o desarquivamento artificial de processos julgados não foram tratados como meros erros administrativos, mas como faltas funcionais graves. Embora não demandem sentença judicial para perda do cargo durante o estágio probatório, tais faltas exigem fundada motivação e respeito ao devido processo legal.
Vale salientar que, com o pedido de revisão disciplinar ainda pendente de julgamento no CNJ, o caso permanece juridicamente em curso.
Contudo, já se projeta como precedente relevante sobre os limites da produtividade, os deveres funcionais da magistratura em início de carreira e a atuação correcional dos tribunais frente a condutas incompatíveis com a judicatura.
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