Corrupção: venda de decisões judiciais x prerrogativa de função

Corrupção: venda de decisões judiciais x prerrogativa de função

Desembargadores, juízes e advogados são indiciados por esquema de venda de decisões judiciais

*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.

Entenda o caso

A Polícia Federal indiciou 3 Desembargadores, 2 juízes e 7 advogados ao concluir inquérito que investiga um esquema de corrupção envolvendo a venda de decisões judiciais proferidas por membros do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.

Além dos magistrados e advogados, também consta como indiciado um ex-Deputado Federal que teria exercido influência em decisões judiciais favoráveis a determinados interesses.

Corrupção

Conforme as apurações da Polícia Federal, o foco da investigação policial foi a indevida liberação de mandados de pagamento (alvarás judiciais) possibilitando o levantamento de quantia na ordem de R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões de reais) depositadas no Banco do Nordeste e direcionada ao pagamento de honorários advocatícios.

Dessa forma, foi identificada uma organização criminosa formada por três núcleos: (i) judicial, (ii) causídico e (iii) operacional, no qual todos os participantes do esquema (magistrados, advogados e terceiros) atuavam de forma organizada, com divisão de tarefas, objetivando obter vantagens de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais, dentre as quais, corrupção e lavagem de dinheiro.

Tendo em vista a prerrogativa de função de alguns dos réus, o inquérito foi remetido ao Superior Tribunal de Justiça.

Análise Jurídica

Foro por prerrogativa de função

Primeiramente, vale comentar a figura do foro por prerrogativa de função. No caso tratado acima, após a conclusão do inquérito policial, o relatório elaborado pela Polícia Federal e as peças probatórias foram encaminhadas ao Superior Tribunal de Justiça.

Este tipo de foro é um mecanismo de competência jurisdicional especial atribuído a determinadas autoridades públicas para o julgamento de infrações penais, geralmente perante tribunais superiores, em razão do cargo ou função que exercem.

De acordo com Guilherme Nucci:

O foro por prerrogativa de função consiste em um critério de competência funcional, pelo qual certas autoridades devem ser julgadas por tribunais superiores, e não pelo juízo de primeiro grau, desde que os crimes sejam cometidos durante o exercício do cargo e em razão deste. O autor ressalta que essa prerrogativa não se confunde com impunidade, devendo ser interpretada de forma restritiva para evitar abusos.

No caso em análise, o foro com competência funcional para julgar os réus que ostentam o cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão é o Superior Tribunal de Justiça, na forma do artigo 105, I, a da Constituição Federal de 1988:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

Ainda sobre o foro por prerrogativa de função, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, quando o processo penal envolve acusados com e sem foro por prerrogativa de função, o seu desmembramento deve ser pautado por critérios de conveniência e oportunidade, estabelecidos pelo juízo da causa – no caso, o de maior graduação –, não se tratando de direito subjetivo do investigado (HC 347.944).

Desta forma, no caso concreto, caberá ao STJ analisar e decidir a oportunidade e conveniência para a instrução penal no desmembramento do processo criminal.

Delitos

Sobre os supostos delitos praticados, os fatos investigados indicam a prática dos seguintes crimes:

  • Corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal);
  • Lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/1998);
  • Organização criminosa (Lei nº 12.850/2013).

No caso, apuraram-se as seguintes condutas suspeitas: (i) distribuição direcionada de processos judiciais; (ii) tramitação acelerada de feitos determinados; (iii) correções monetárias equivocadas e (iv) expedição de mandados de pagamento sem fundamento jurídico ou com fundamento inadequado.

Corrupção

Ativa

O crime de corrupção ativa tem previsão no artigo 317 do Código Penal que tipifica a conduta de solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.

O crime pode se consumar por qualquer das condutas previstas no caput:

  • Solicitação: quando o agente público pede a vantagem indevida.
  • Recebimento: quando ele efetivamente obtém a vantagem.
  • Aceitação de promessa: quando ele simplesmente aceita a promessa da vantagem, mesmo sem recebê-la.

Vale esquematizar o delito de corrupção ativa da seguinte forma:

Elemento objetivoO crime se consuma com a mera solicitação, recebimento ou aceitação de promessa de vantagem indevida. E isso independe de a vantagem ser efetivamente recebida ou do ato de ofício ser realizado.
Elemento subjetivoDolo, vontade consciente de solicitar, receber ou aceitar vantagem indevida.
Crime formalPara a consumação do crime não se exige a obtenção efetiva de vantagem específica para o agente, bastando a intenção de obtê-la.

Passiva

Ainda sobre o delito de corrupção, é importante destacar que o STF e o STJ tem entendimento firmado que a configuração da corrupção passiva independe da prática efetiva do ato de ofício solicitado. Para configuração é suficiente a solicitação, recebimento ou aceitação da promessa da vantagem.

Além disso, o STF entende que o crime se consuma no momento da solicitação da vantagem, independentemente do efetivo recebimento (HC 96.992) e o STJ entende que o simples fato de solicitar já configura o crime, não sendo necessário que a vantagem seja entregue (HC 399.109).

Lembro que embora a corrupção passiva seja um crime, também pode gerar responsabilidade civil e administrativa nos termos da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), sujeitando o seu autor à concomitante responsabilização nas esferas cível e administrativa.

Organização criminosa

Já quando ao crime de organização criminosa, este tem previsão na Lei nº 12.850/2013 que define e disciplina a repressão a infrações penais cometidas por meio de associações estruturadas para atividades ilícitas.

O crime está previsto no artigo 2º da Lei 12.850/2013:

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena – reclusão de 3 a 8 anos e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às infrações praticadas.

Ademais, para configurar o crime de organização criminosa, há a exigência dos seguintes elementos:

  1. Mínimo de quatro pessoas;
  2. Estrutura ordenada, com divisão de tarefas (mesmo que informal);
  3. Objetivo de obter vantagem ilícita;
  4. Prática de infrações penais com pena máxima superior a quatro anos ou de caráter transnacional.

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Ministério Público do Estado de São Paulo (VUNESP)

Assinale a alternativa correta:

A) O crime de corrupção passiva exige que o funcionário público solicite ou receba vantagem indevida, ou aceite promessa de tal vantagem.

B) A corrupção passiva é crime material, exigindo a efetiva obtenção da vantagem indevida para sua consumação.

C) Para a configuração da corrupção passiva, é necessário que o funcionário público pratique ato de ofício em benefício do corruptor.

D) A corrupção passiva não se consuma com a mera solicitação da vantagem indevida, sendo necessário o seu recebimento.

Gabarito: Letra A.

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