Justiça determina em liminar que banca não elimine candidato por erro no preenchimento do cartão-resposta

Justiça determina em liminar que banca não elimine candidato por erro no preenchimento do cartão-resposta

Confira a análise jurídica sobre a decisão que garantiu a não eliminação de candidato com deficiência por erro no cartão-resposta neste caso específico na prova do CNU.

cartão-resposta

No dia 26 de setembro de 2024, o juízo federal da 9ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, proferiu uma decisão que reacendeu o debate sobre acessibilidade em concursos públicos. 

Entretanto, não foi assim que o fato foi noticiado na mídia: “CNU: Justiça determina que banca não elimine candidato por erro no preenchimento do cartão-resposta”

Isto é, pela notícia, simplesmente você pode compreender que, o preenchimento equivocado do candidato não seria de responsabilidade dele, e sim da banca examinadora.

Ademais, pessoas que não leram a notícia toda começaram a se questionar de quem seria a responsabilidade pelo preenchimento do cartão de resposta. 

Porém, vamos ao detalhe que faz o caso ser específico.

Isto porque, ao ler o inteiro teor da decisão liminar, disponível aqui,  percebemos que no processo nº 1076026-02.2024.4.01.3400, o magistrado concedeu uma liminar em favor de um candidato que estava prestes a ser eliminado do Concurso Nacional Unificado por um erro que, ironicamente, decorreu justamente do auxílio que deveria garantir sua participação em igualdade de condições.

Mas, professor, não entendi.

O caso em questão

Erro no preenchimento do cartão-resposta

Izael Pereira Oliveira da Silva, o autor da ação, é portador de tremor essencial, uma condição que limita sua capacidade de escrita. 

Por isso, solicitou e obteve da banca examinadora o direito a um auxiliar de transcrição para a prova. 

Observação, tal condição pode ser requerida por qualquer pessoa que sinta ter uma necessidade especial na hora da prova de concurso público.

Em alguns casos, é deferido inclusive um tempo a mais de prova para algumas limitações.

O fato é que, no entanto, esse auxiliar que trabalha para a banca examinadora, CESGRANRIO, cometeu um erro crucial: não preencheu o campo referente ao número do gabarito no cartão-resposta da prova matutina.

O conflito entre edital e nota de esclarecimento

Aqui, obviamente, começa o imbróglio jurídico.

O edital do concurso prevê expressamente que a responsabilidade por erros no preenchimento do cartão-resposta não recai sobre o candidato quando este possui alguma limitação para fazê-lo. 

Veja o item 8.12 do edital da CNU, publicado em 09/08/2024:

8.12 – O candidato deverá assinalar as respostas na folha própria (Cartão-Resposta) durante o tempo de realização das provas e assinar no espaço devido. O preenchimento do Cartão-Resposta será de inteira responsabilidade do candidato, que deverá proceder em conformidade com as instruções específicas contidas neste Edital e na capa das provas, salvo em caso de deficiência impeditiva de realização da providência pelo próprio candidato. Em hipótese alguma haverá substituição do Cartão-Resposta por motivo de erro do candidato.

Isto é, a responsabilidade por preenchimento é do candidato, via de regra.

Entretanto, em caso de deficiência, não é de responsabilidade do candidato.

Contudo, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos publicou, em 19 de setembro, uma nota informando que seria eliminado do concurso o candidato que não preenchesse toda a identificação do cartão-resposta.

E o que fez o juízo federal?

Decidiu, liminarmente, que o candidato não seja eliminado.

É crucial ressaltar que esta não é uma sentença definitiva, mas uma decisão provisória que pode ser revista no decorrer do processo.

Fundamentos legais da decisão – Erro no preenchimento do cartão-resposta

O magistrado baseou sua decisão no artigo 300 do Código de Processo Civil (CPC), que estabelece os requisitos para a concessão da tutela de urgência:

"Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo."

O juiz identificou a presença de ambos os requisitos:

a) Probabilidade do direito (fumus boni iuris): isto porque, há violação ao edital do concurso: O item 8.12 do edital prevê expressamente que o preenchimento do Cartão-Resposta não será de responsabilidade do candidato em caso de deficiência impeditiva.

Ademais, constatou que houve violação aos direitos da pessoa com deficiência, amparados pela Constituição Federal (art. 7º, XXXI; art. 37, VIII) e pela Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Por fim, admitiu também que houve violação aos princípios administrativos: especialmente os princípios da vinculação ao edital, da razoabilidade e da proporcionalidade, previstos implicitamente no art. 37 da Constituição Federal.

b) Perigo de dano (periculum in mora): nessa linha, o concurso em andamento poderia resultar na eliminação imediata do candidato, causando prejuízos de difícil reparação.

O juiz enfatizou o princípio da vinculação ao edital, amplamente reconhecido pela jurisprudência e doutrina administrativistas. Este princípio deriva do princípio da legalidade (art. 37, caput, CF) e da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, CF).

Lado outro, a decisão também se fundamentou na proteção constitucional e legal conferida às pessoas com deficiência, citando implicitamente:

Art. 3º, IV da CF: Promoção do bem de todos, sem preconceitos e discriminações.
Art. 23, II da CF: Competência comum para cuidar da saúde e assistência pública, proteção e garantia das pessoas com deficiência.
Lei nº 13.146/2015: Especialmente o art. 4º, que garante a igualdade de oportunidades.

Aplicação dos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade

Ora, o magistrado aplicou os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, implícitos no art. 37 da CF e reconhecidos pela jurisprudência do STF (por exemplo, na ADI 855/PR), para avaliar a adequação da possível eliminação do candidato frente ao erro cometido pelo auxiliar designado pela própria banca.

Nesse sentido, se o edital confere a possibilidade de um tratamento especial aos deficientes, não pode conduzir a responsabilidade dele para preencher o cartão de resposta, inclusive, quando deferiu o tratamento especial ao candidato por possuir “tremor”.

Como base de apoio, o juiz corroborou seu entendimento citando jurisprudência do TRF-4 (AC: 50013946220114047003 PR), que trata de caso similar envolvendo candidato com deficiência visual em concurso público.

Conclusão – Erro no preenchimento do cartão-resposta

Com base nesses fundamentos, o juiz determinou que:

  • A banca examinadora se abstenha de eliminar o autor da ação.
  • Seja garantido ao candidato o direito de correção das suas provas.
  • O candidato possa participar regularmente das demais etapas do certame.

Contudo, é importante ressaltar, novamente, que essa decisão é provisória e pode ser revista a qualquer momento pelo próprio juiz ou por instâncias superiores. Isto porque, não julga o mérito da ação, apenas garante a participação do candidato no concurso até uma decisão final.

Ademais, está sujeita a recurso pelas partes rés (União Federal e Fundação Cesgranrio).

Como o tema já caiu em provas:

Instituto Consulplan – 2023 – TJ-MA – Titular de Serviços de Notas e de Registros – Remoção

O Poder Judiciário não pode substituir a banca examinadora do certame e tampouco se imiscuir nos critérios de atribuição de notas e de correção de provas, visto que sua atuação se restringe ao controle jurisdicional da legalidade do concurso público e da observância do princípio da vinculação ao edital (Certo)

Comentários: Vale ressaltar o Tema 485 do STF – “Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade.” RE 632853

Assim, no caso em questão, o Poder Judiciário entendeu que há ocorrência de ilegalidade por ofender o princípio da vinculação ao edital.

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