O artigo explora a conduta de um casal norte-americano que cultivava maconha no Brasil, alegando desconhecer que se tratava de crime. Abordamos se e como essa condição pode influenciar a responsabilização penal dos agentes.
Uma reportagem narra que um casal norte-americano foi preso por plantar maconha no interior do estado de Goiás. Em sua defesa eles disseram desconhecer que o fato se tratava de crime.
Vamos a uma análise jurídica do caso.
Lei de Drogas
Cultivo
A conduta em questão, em princípio, constitui crime. O artigo 33, §1º, II, diz que incorre nas mesmas penas do caput, quem
“semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas”.
Mas cuidado, porque o artigo 28, §1º, da Lei 11.343/06 tem previsão similar, porém prevê uma finalidade diversa:
“Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica”.
Para incidir numa ou noutra conduta é necessário avaliar para qual finalidade se dá o semear, cultivar ou colher plantas.
Uso pessoal
Se para consumo próprio, teremos a infração do artigo 28, com todas aquelas consequências advindas da recente decisão do STF, que descriminalizou a conduta, mas reconheceu o seu caráter ilícito (ilícito administrativo). Se, porém, o entorpecente se destinar à entrega ao consumo de terceiros, teremos o crime de tráfico.
O próprio legislador trouxe alguns critérios para a identificação dessa finalidade (artigo 28, §2º). O juiz deve se atentar para
“a natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.”
Planta fêmea e planta macho – tipificação da conduta
E mais um detalhe. A decisão do STF fez um corte: até 40 gramas de maconha e 6 plantas fêmeas, presume-se o infrator usuário. Trata-se de presunção relativa, que pode ser desconstituída a partir de indicativos outros da traficância, como aqueles previstos no artigo 28, §2º, da Lei 11.343/06.
A referência expressa à planta fêmea se justifica porque ela produz a flor, que tem uma alta concentração de THC1, que é o princípio ativo constante da Portaria 344, da SVS/ANVISA.
Os crimes de tráfico e uso são tipo penal aberto. A lei não diz o que é droga, deixando a cargo do Executivo a definição de quais substâncias são proscritas, que, no caso, é a aludida Portaria.
As plantas macho, por sua vez, produzem pólen, possibilitando a fertilização, e, outrossim, a reprodução, mas com baixa concentração de THC.
Dessa forma, precisamos avaliar na conduta do casal: 1- se as plantas eram fêmeas; e 2- qual a finalidade do cultivo?
O sexo da planta é decisivo para a própria tipificação da conduta. Se do sexo masculino, o fato é atípico, em virtude da ausência (ou baixa quantidade) de THC. Se não há droga, não há crime.
Havendo plantas fêmeas é necessário identificar a finalidade do cultivo. Se para o consumo do próprio casal, independentemente da quantidade de plantas, teremos a figura do artigo 28, §1º.
O referencial de 6 plantas é apenas para identificação de um parâmetro, que enseja uma presunção relativa (e não absoluta).
Voltando ao caso
Precisaríamos de mais informações para identificar o propósito do casal. Aparentemente o volume era grande, pois eles estavam montando um esquema de irrigação para possibilitar o cultivo.
Mas apenas isso não basta. São necessários outros dados. Aliás, o próprio artigo 28, §2º, traz outros elementos objetivos para a aferição do elemento subjetivo.
Vamos agora à cereja do bolo, que é o alegado desconhecimento da ilicitude do fato.
Vejam o que diz o artigo 21, do CP:
Art. 21 – O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminui-la de um sexto a um terço.
O parágrafo único do aludido dispositivo esclarece no que consiste o erro evitável:
Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
Não nos parece que o erro alegado pelo casal seja escusável.
Embora estrangeiros eles eram residentes no Brasil, e, portanto, tinham condições de ter a consciência da ilicitude do fato.
Dessa forma, devem sim ser responsabilizados, seja pelo crime de posse de droga para consumo pessoal, seja para o tráfico.
- Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/06/28/porte-de-maconha-diferenca-plantas-macho-e-femea.htm>. ↩︎
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!