*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia Carreira Jurídica.
Entenda o caso
Uma mulher, que já tem outros filhos, engravidou. Após concluir que não teria condições financeiras para cuidar de mais uma criança decidiu realizar a entrega voluntária do bebê para a adoção.
Durante o processo de adoção, elaborou-se o relatório social indicando que seus familiares não teriam condições de assumir essa responsabilidade pela nova criança. De acordo com o referido relatório, a mãe não cuidou dos próprios filhos e tem 12 netos. Além disso, os irmãos têm casamentos ruins e condições financeiras complicadas.
Ao analisar o processo de adoção, o magistrado competente, concluindo que a decisão de dar a criança para adoção foi madura, baseada em argumentos lógicos e concretos, homologou a renúncia ao poder familiar materno e encaminhou o bebê para adoção.
O que chamou atenção neste caso é que a entrega da criança para adoção ocorreu sem comunicação ao pai ou à família extensa, atendendo ao desejo da mulher de manter o processo em sigilo, sem consultar os parentes sobre o interesse em ficar com a criança.
Sobre a sentença
O Ministério Público (MP) discordou da sentença que homologou a adoção realizada em sigilo. O MP fundamentou que, embora a mãe tivesse pedido sigilo, a família extensa deveria ser consultada. Dessa forma, se respeitaria o direito do menor de conhecer e conviver com seus familiares.
No âmbito do Tribunal de Justiça, a sentença homologatória foi reformada determinando que antes de se encaminhar a criança para adoção, fosse esgotada a possibilidade de inseri-la na família natural.
O fundamento central no julgamento pela Corte Estadual foi que a adoção é uma medida excepcional e irrevogável, devendo ser aplicada apenas quando não há alternativas na família extensa, conforme os princípios de proteção integral e prioridade absoluta previstos na Constituição Federal e no ECA.
Discordando da decisão, a mãe, através da Defensoria Pública, recorreu da decisão. Ela defendeu que o sigilo deve se estender para todos os membros da família biológica, inclusive ao pai.
Remeteu-se o processo para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Corte, através da sua Terceira Turma, deu provimento ao recurso da Defensoria fixando o entendimento de que o sigilo sobre o nascimento e a entrega voluntária da criança para adoção – um direito garantido à genitora pela Lei 13.509/2017, que inseriu o artigo 19-A no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – pode ser aplicado também em relação ao suposto pai e à família extensa do recém-nascido.
Análise Jurídica
Entrega voluntária para adoção
De acordo com a doutrina especializada (Carlos Roberto Gonçalves), a adoção é “ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha”.
Por sua vez, para o ECA, a adoção é uma medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa.
Para a compreensão jurídica adequada do caso é fundamental conhecer o conceito de família extensa (art. 25, parágrafo único do ECA):
Art. 25. (...) Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.
A partir da entrada em vigor da Lei 13.509/2017, inseriu-se no ECA (Lei 8.069/1990) a possibilidade de entrega voluntária para adoção. Assim, permitiu-se que a gestante ou parturiente, antes ou logo após o parto, opte por entregar judicialmente o filho para adoção, sem exercer os direitos parentais.
O objetivo da nova norma foi oferecer uma alternativa mais segura e humanizada à gestante, voltada para a proteção da vida digna do recém-nascido e para evitar práticas como o aborto clandestino e o abandono irregular de crianças.
O relator do processo no Superior Tribunal de Justiça (Ministro Moura Ribeiro) afirmou o seguinte em seu voto:
O instituto agrega, ao mesmo tempo, o indisponível direito à vida, à saúde e à dignidade do recém-nascido, assim como o direito de liberdade da mãe. A entrega da criança às autoridades e instituições competentes permitirá que ela conviva com uma família substituta, enquanto a genitora terá a liberdade de dispor do filho sem ser prejulgada, discriminada ou responsabilizada na esfera criminal. (REsp 2.086.404)
Direito ao sigilo
Neste contexto é necessário destacar o artigo 19-A, §9º do ECA que garante à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento:
Art. 19-A. (...) §9° É garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, respeitado o disposto no art. 48 desta Lei.
Ao julgar o Recurso Especial, o STJ ampliou o alcance do sigilo previsto no §9º do artigo 19-A do ECA. O entendimento foi que o sigilo se aplica tanto para o nascimento, quanto para a entrega voluntária da criança para adoção.
De acordo com o relator do Recurso Especial, o direito da criança à convivência familiar, especialmente com sua família natural, não impede a entrega voluntária para adoção, quando a mãe opta por manter sigilo sobre o nascimento.
Embora se deva considerar a adoção apenas após todas as possibilidades de inserção na família natural se esgotarem, essa solução nem sempre representa o melhor interesse da criança. Em alguns casos, o ambiente familiar pode expô-la a situações de abandono, agressão ou abuso, exigindo uma intervenção imediata para garantir sua proteção e bem-estar.
Neste contexto, deu-se preponderância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, norma de conteúdo jurídico indeterminado e que, no caso em tela, ficou melhor resguardado com a permissão para que a entrega voluntária para adoção ocorresse em sigilo.
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