É possível emenda parlamentar para estender um reajuste de remuneração para uma outra carreira não contemplada no projeto de lei?

É possível emenda parlamentar para estender um reajuste de remuneração para uma outra carreira não contemplada no projeto de lei?

Entenda a ADI 4.570/PR do Info 1.171 do STF e veja se é possível que emenda parlamentar para estender um reajuste de remuneração para uma outra carreira não contemplada no projeto de lei?

Emenda parlamentar

Até que ponto pode o Poder Legislativo modificar, por meio de emendas parlamentares, projetos de lei de iniciativa reservada de outros órgãos? 

Onde termina a autonomia parlamentar e começa o desrespeito à competência privativa para iniciar o processo legislativo? 

Veja, o nosso caso aqui analisado trata-se sobre o “poder de emenda” nos projetos de lei.

Vamos relembrar algumas limitações.

Contrabando legislativo

Durante a tramitação de uma medida provisória no Congresso Nacional, os parlamentares poderão apresentar emendas?

SIM! No entanto, tais emendas deverão ter relação de pertinência temática com a medida provisória que está sendo apreciada. Em outras palavras, a emenda apresentada deverá ter relação com o assunto tratado na medida provisória.

Imagine que o Presidente da República edita medida provisória dispondo sobre matéria tributária. Durante a tramitação no Congresso Nacional, um Deputado apresenta emenda incluindo o art. 76 na medida provisória para tratar sobre os requisitos para a profissão de contador.

A medida provisória é aprovada, sendo convertida em lei, inclusive com o artigo incluído. Indaga-se: esse art. 76 da lei é constitucional?

NÃO. É incompatível com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória submetida à sua apreciação. Assim, como essa emenda versa sobre assunto diverso do que é tratado na medida provisória, deve-se considerá-lo inconstitucional.

A inserção, por meio de emenda parlamentar, de assunto diferente do que é tratado na medida provisória que tramita no Congresso Nacional é chamada de “contrabando legislativo”, sendo uma prática vedada.

O uso de medidas provisórias se dá por motivos de urgência e relevância da matéria, cuja análise compete ao chefe do Poder Executivo. Assim, toda e qualquer emenda parlamentar em projeto de conversão de medida provisória em lei deve ficar restrita ao tema definido como urgente e relevante.

Vale ressaltar que a própria Resolução 1/2002, do Congresso Nacional, que trata sobre os procedimentos para tramitação das medidas provisórias, veda a apresentação de emendas sem pertinência temática com a MP. Veja:

Art. 4º (...) § 4º É vedada a apresentação de emendas que versem sobre matéria estranha àquela tratada na Medida Provisória, cabendo ao Presidente da Comissão o seu indeferimento liminar.

Assim, é até possível emenda parlamentar ao projeto de conversão da MP, no entanto, deverá ser observada a devida pertinência lógico-temática.

Essa foi a conclusão do STF ao julgar a ADI 5127/DF proposta contra o art. 76 da Lei nº 12.249/2010, inserido mediante emenda parlamentar em projeto de conversão de medida provisória em lei, e que tratava sobre assunto diferente daquele veiculado no texto da MP.

O art. 76 foi acrescentado indevidamente por emenda parlamentar durante a tramitação da MP 472/2009, convertida na Lei nº 12.249/2010. Isso porque o referido artigo dispunha sobre assunto diverso daquele tratado na MP, faltando, portanto, pertinência temática. Assim, o art. 76 foi fruto de um contrabando legislativo.

Desse modo, é incompatível com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória submetida à sua apreciação.

STF. Plenário ADI 5127/DF, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 15/10/2015 (Info 803).

STF. Plenário ADI 5012/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 16/3/2017 (Info 857).

Retomando…da controvérsia originária ao pronunciamento do Supremo

O caso em apreço teve origem quando o Tribunal de Contas do Estado do Paraná, no exercício de sua autonomia administrativa e financeira, encaminhou à Assembleia Legislativa estadual o Projeto de Lei nº 499/2010, propondo reajuste remuneratório de 13,72% aos seus servidores ativos e inativos, bem como aos ocupantes de cargos em comissão. 

Porém, no curso do processo legislativo, contudo, deputados estaduais apresentaram emendas parlamentares que alteraram significativamente o escopo inicial da proposição.

Após a promulgação da Lei nº 16.661/2010, constatou-se que os §§ 1º e 2º do art. 1º estendiam o mesmo percentual de reajuste aos servidores da própria Assembleia Legislativa, com a previsão de que as despesas decorrentes correriam à conta de dotação orçamentária do Poder Legislativo. 

Isto é, projeto originário: AUMENTO PARA OS SERVIDORES DO TCE-PR, foi emendado e houve agora novidade para AUMENTAR O SALÁRIO DOS SERVIDORES DO PODER LEGISLATIVO.

Eis que, em um movimento aparentemente contraditório, a Mesa da Assembleia Legislativa do Paraná ajuizou ação direta questionando a constitucionalidade desses dispositivos, alegando violação à reserva de iniciativa legislativa.

Dos fundamentos da decisão

No voto que conduziu o julgamento, o Ministro Nunes Marques analisou a questão sob três enfoques principais, que constituem o arcabouço jurídico-constitucional aplicável ao caso: 

  • a afronta à reserva de iniciativa da Assembleia Legislativa para dispor sobre a remuneração de seus servidores; 
  • a ausência de pertinência temática da emenda parlamentar em relação ao projeto original; e 
  • o aumento de despesa pública não contemplado na proposta inicial.

O relator assentou, de início, que:

“O Supremo consolidou jurisprudência quanto à obrigatoriedade de observância, pelas unidades federadas, das disposições contidas na Constituição Federal que atribuem reserva de iniciativa no processo legislativo”. 

Enfatizou, ademais, que tais regras “decorrem diretamente do postulado da separação de poderes e consistem em cláusulas elementares representativas da identidade institucional e da distribuição de poder no contexto da Federação”.

Ao examinar o delineamento constitucional das competências dos Tribunais de Contas, o Ministro destacou que, por força dos artigos 73, 75 e 96, II, “b”, da Carta Magna, é assegurada àquelas Cortes a iniciativa privativa para propor normas referentes à estrutura e organização de seus serviços auxiliares, o que inclui a fixação da remuneração de seus servidores

Por outro lado, com fundamento nos artigos 51, IV, e 52, XIII, da Constituição, asseverou que compete privativamente à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal – e, por simetria, às Assembleias Legislativas estaduais – a proposição legislativa acerca da remuneração de seus respectivos quadros funcionais.

Ou seja, em tese, somente uma LEI que fosse do próprio órgão pode aumentar o salário dos seus servidores.

O voto condutor enfrentou, ainda, a questão do poder de emenda parlamentar, reconhecendo que esta prerrogativa, embora inerente à função legiferante, encontra limites na Constituição. 

Especificamente, o art. 63, I e II, veda o aumento de despesa prevista nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República e nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público.

Ademais, invocando precedentes como a ADI 5.127, o relator enfatizou que,

“em razão dos princípios democrático e do devido processo legal – particularmente o devido processo legislativo –, a atuação legislativa em sede de emenda a projeto de lei de iniciativa reservada deve guardar pertinência temática com a proposta original”.

Aprofundando o caso concreto

Na espécie, constatou-se que a emenda parlamentar que estendeu o reajuste aos servidores da Assembleia Legislativa careceu de pertinência temática com o projeto originário

Conforme pontuou o Ministro Nunes Marques, “a emenda que concede aumento remuneratório a servidores do Poder Legislativo em projeto de lei de iniciativa reservada que tratava apenas da remuneração dos servidores da Corte de Contas é, a meu ver, incompatível com o devido processo legislativo constitucionalmente previsto“.

O relator ressaltou, outrossim, que “é evidente o aumento de despesa com pessoal não contemplado no texto original”, o que contraria a vedação expressa no art. 63, I e II, da Constituição Federal. 

Não obstante o § 2º do art. 1º da lei impugnada tenha previsto que as despesas decorrentes da extensão do reajuste correriam à conta da própria Assembleia Legislativa, tal circunstância não elide o vício formal de inconstitucionalidade, pois o aumento de gastos em relação à proposta inicial restou inconteste.

Ademais, o voto condutor invocou o art. 37, X, da Constituição Federal, que determina que “a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso”. 

Assim, tal dispositivo, conjugado com o princípio da separação dos poderes, impõe que a fixação ou alteração da remuneração dos servidores da Assembleia Legislativa seja efetuada mediante lei de iniciativa da própria Casa Legislativa, e não por meio de emenda parlamentar em projeto de iniciativa do Tribunal de Contas.

Outros precedentes – Emenda parlamentar

Vale salientar que o entendimento firmado na ADI 4.570/PR encontra amparo em diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal. 

O Ministro Nunes Marques aludiu, em seu voto, à ADI 1.835, relatada pelo Ministro Dias Toffoli, na qual a Corte declarou inconstitucional norma do Estado de Santa Catarina que, também por meio de emenda parlamentar, estendia aumento remuneratório a servidores não contemplados na proposição originária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

Igualmente pertinentes são os julgados na ADI 4.062-MC, ADI 3.946-MC, ADI 546 e ADI 7.230, os quais consolidam a jurisprudência da Corte no sentido de que a apresentação de emendas parlamentares em projetos de iniciativa reservada deve observar dois requisitos cumulativos:

  • a pertinência temática com o objeto da proposição original; e
  • a não implicação de aumento de despesa pública.

Assim, compete à Assembleia Legislativa iniciar o processo legislativo versando reajuste remuneratório de seus servidores, não sendo admissível que tal matéria seja introduzida por emenda em projeto de iniciativa do Tribunal de Contas. 

Ademais, o julgado reforça o precedente da vedação ao contrabando legislativo.

Veja como o tema já foi cobrado em prova:

(2023 – CEBRASPE – JUIZ TJDFT)

No que concerne a medidas provisórias, estas podem ser emendadas no processo legislativo, desde que haja pertinência temática das emendas com o conteúdo do ato normativo.

Gabarito: Certo


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