Contexto do incidente
Durante as Olimpíadas de Paris 2024, uma funcionária da seleção canadense de futebol feminino utilizou um drone para filmar clandestinamente o treino da seleção feminina da Nova Zelândia.
O incidente ocorreu em 22 de julho e resultou na condenação da funcionária a oito meses de prisão com pena suspensa.
O Comitê Olímpico Canadense (COC) pediu desculpas oficialmente após a denúncia do Comitê Olímpico da Nova Zelândia (O Povo) (ISTOÉ Independente).
Direito Penal brasileiro: implicações de um caso similar
A princípio, se o incidente ocorresse no Brasil, seria possível aplicar diversas disposições do Direito Penal brasileiro, especialmente em relação à invasão de privacidade e espionagem industrial.
Invasão de privacidade
O Código Penal brasileiro, em seu artigo 154-A, tipifica a invasão de dispositivo informático alheio:
"Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo, ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa."
A utilização de drones para captar imagens de treinos a portas fechadas sem autorização pode se enquadrar como invasão de privacidade, considerando que o treino é um momento reservado da equipe.
Caso prático no Brasil: Em 2020, um caso no Rio de Janeiro envolveu o uso de um drone para capturar imagens de uma propriedade privada sem autorização, o que levou à aplicação da lei de invasão de privacidade. O proprietário processou o operador do drone, que teve como condenação o pagamento de indenização por danos morais (ISTOÉ Independente).
Espionagem industrial
Além disso, seria possível interpretar a ação como espionagem industrial, conforme o artigo 195, §2º da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96):
"Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: (...) XI - divulga, explora ou utiliza, sem autorização, conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, exceto os que sejam de conhecimento público ou evidente por sua configuração, a que teve acesso legítimo ou ilegitimamente; (...) Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa."
Nesse sentido, pode-se considerar a filmagem do treino como obtenção de informações confidenciais que podem conferir vantagem competitiva indevida.
Caso prático no Brasil: Em 2019, uma empresa de tecnologia foi acusada de utilizar drones para espionar as operações de uma concorrente. A empresa respondeu a processo por espionagem industrial e teve que pagar uma multa substancial, além de ter seus equipamentos apreendidos (ISTOÉ Independente).
Espionagem governamental
Ademais, caso se utilizasse o drone para obter documentos ou informações secretas de Governo, que não é o caso narrado, poderia inclusive ser um crime mais grave:
Art. 359-K. Entregar a governo estrangeiro, a seus agentes, ou a organização criminosa estrangeira, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, documento ou informação classificados como secretos ou ultrassecretos nos termos da lei, cuja revelação possa colocar em perigo a preservação da ordem constitucional ou a soberania nacional: (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)
Direito penal francês: aplicação no caso concreto
Por outro lado, na França, o uso de drones é regulado por leis específicas que impõem restrições severas quanto à privacidade e segurança. No caso em questão, a funcionária canadense foi condenada com base em violação de privacidade e espionagem.
Violação de privacidade
O Código Penal francês, em seu artigo 226-1, criminaliza a invasão de privacidade através da captura de imagens sem consentimento:
"Art. 226-1. Constitui violação de privacidade fixar, gravar ou transmitir, sem o consentimento do interessado, a imagem de uma pessoa em um lugar privado."
Logo, este artigo é aplicável no caso da funcionária canadense, pois ela capturou imagens de um treino a portas fechadas sem o consentimento dos participantes.
Espionagem e invasão de dispositivos
O Direito Penal francês também aborda a espionagem industrial. A obtenção indevida de informações confidenciais que possam ser usadas para vantagem competitiva é penalizada. Além disso, neste caso, é possível considerar o uso do drone para filmar estratégias de treino como espionagem industrial.
Sanções e desdobramentos
A condenação da funcionária canadense foi de oito meses de prisão com pena suspensa, demonstrando que a França aplica penas rigorosas para violações de privacidade e espionagem.
Além disso, os membros envolvidos na operação do drone foram removidos imediatamente da equipe olímpica, e o Comitê Olímpico Canadense (COC) se comprometeu a implementar treinamento ético obrigatório para seus funcionários (CTV News).
Direito Desportivo: ética e regulamentação
No âmbito do Direito Desportivo, a ética e a regulamentação são cruciais para garantir a equidade nas competições. O uso de drones para obter vantagem competitiva viola os princípios de fair play estabelecidos por entidades esportivas internacionais, como o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a Federação Internacional de Futebol (FIFA).
Regulamentação Específica
As regulamentações esportivas proíbem expressamente qualquer forma de espionagem ou obtenção indevida de informações sobre adversários. Tais práticas são consideradas antiéticas e sujeitas a penalidades que podem incluir desqualificação, multas e outras sanções desportivas.
Nesse contexto, o Código de Ética do COI inclui disposições específicas para prevenir manipulação de competições, conforme o Código do Movimento Olímpico.
Este código exige que as Federações Nacionais e os Comitês Olímpicos Nacionais adotem regras e procedimentos disciplinares adequados para lidar com violações (Paris 2024 Olympics) (Paris 2024 Olympics).
As penalidades para violações de fair play incluem desde multas até a desqualificação das competições.
Em casos graves, como espionagem industrial, as sanções podem incluir a exclusão das competições futuras, além de penalidades financeiras substanciais.
As organizações esportivas também podem impor proibições de longo prazo ou permanentes para indivíduos ou equipes envolvidas em tais práticas.
Conclusões
Portanto, o uso de drones para filmar treinos de adversários em competições esportivas levanta sérias questões legais e éticas. Sob a ótica do Direito Penal brasileiro, tal ação poderia se enquadrar como invasão de privacidade e espionagem industrial, resultando em sanções penais.
No Direito Penal francês, como demonstrado no caso concreto, a violação de privacidade e espionagem também resultam em penas severas. Além disso, no âmbito do direito desportivo, essas práticas violam os princípios de fair play e estão sujeitas a sanções rigorosas.
O incidente destaca a necessidade de vigilância contínua e regulamentação estrita para manter a integridade e a justiça nas competições esportivas internacionais (O Povo) (ISTOÉ Independente) (CTV News) (Wikipedia) (Paris 2024 Olympics) (Paris 2024 Olympics).
Felipe Duque – Mestre em Direito Político e Econômico na Mackenzie-SP. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, com conclusão pelo regime de Aproveitamento Extraordinário nos Estudos (art. 47, § 2º, da Lei nº 9.394/96). Ex-Assessor de Desembargador no TJPE. Procurador da Fazenda Nacional. Integra voluntariamente a Coordenação de Assuntos Estratégicos Judiciais da PGFN. Professor do Estratégia Carreira Jurídica e Estratégia OAB. Autor do livro “Reforma Tributária Comentada e Esquematizada”.
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