Donald Trump anuncia ordem executiva reconhecendo apenas dois gêneros nos EUA, gerando debate sobre direitos LGBTQIA+.
*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.
Entenda o caso – Donald Trump
Após quatro anos fora do poder, Donald J. Trump (Republicano) tomou posse como o 47º Presidente dos Estados Unidos e anunciou diversas medidas conservadoras e nacionalistas, tais como a expulsão de imigrantes, o fechamento das fronteiras do país e medidas que impactam interesses da comunidade LGBTQIA+.
De acordo com o Presidente reeleito, foi dito em seu discurso de posse, que o seu governo adotará só dois gêneros como política oficial – masculino e feminino, encerrando uma política que permitia a escolha de um terceiro em algumas questões. Declarou ainda que criará “uma sociedade que não faz distinção de cor”.
Papel da Ordem Executiva na Constituição dos Estados Unidos
O ato de Trump promoverá mudanças significativas nas políticas federais, impactando questões como documentos oficiais, acesso a serviços e proteção legal baseada na identidade de gênero. Segundo Donald Trump os Estados Unidos da América acabará com política governamental de tentar aplicar a raça e o gênero em cada aspecto das vidas pública e privada.
O ato administrativo que será utilizado pelo Presidente dos Estados Unidos é a “Ordem Executiva”, ato da competência do Chefe do Poder Executivo, tendo como fundamento o artigo 2º da Constituição estadunidense, que dá aos presidentes ampla autoridade executiva e de execução para usar sua discricionariedade para determinar como fazer cumprir a lei ou gerenciar de outra forma os recursos e a equipe do Poder Executivo.
Após essa manifestação do Presidente eleito Donald Trump parcela da imprensa noticia como um caso de “transfobia”, ou seja, uma forma de preconceito, discriminação e violência contra pessoas transgêneros, travestis e transexuais.
Vale lembrar que no primeiro mandato presidencial de Donald Trump o governo federal dos Estados Unidos adotou medida semelhante. Em 2017 foi feita considerável reformulação em política implementada pelo ex-Presidente Barack Obama, com a revogação de instruções federais para que escolas públicas dos EUA permitissem que alunos transgêneros escolhessem usar os banheiros e vestiários que preferissem, de acordo com o gênero com que se identificam.
Análise Jurídica – Donald Trump
Importando as falas e medidas adotadas pelo Presidente dos Estados Unidos para o cenário jurídico brasileiro, é importante entender o que é transfobia e quais as suas consequências jurídicas no Brasil.
A transfobia é qualquer ação ou comportamento que se baseia no medo, intolerância, rejeição, aversão, ódio ou discriminação às pessoas trans por conta de sua identidade de gênero. Um comportamento transfóbico, segundo entendimento doutrinário, diz respeito a quaisquer agressões físicas, verbais ou psicológicas manifestadas com o intuito de coibir a expressão de gênero de transexuais e travestis.
Proteção Legal à Identidade de Gênero no Cenário Brasileiro
Não há na Constituição Federal de 1988 referência direta aos membros da comunidade LGBTQIA+. Não obstante, diversos dos princípios fundamentais previstos no texto constitucional garantem a igualdade de todos (art. 5º, caput) e o dever estatal de punir todo tipo de discriminação que atente contra os direitos fundamentais (art. 5º, XLI).
Em suma, a CF/88 tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e como um de seus objetivos fundamentais promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Percebe-se, portanto, que a igualdade e a liberdade em sua autodeterminação é uma diretriz trazida pelo Poder Constituinte originário e que deve guiar a atuação dos entes públicos e privados no Brasil.
Uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero
Na esfera federal vale destacar a existência do Decreto nº 8727/2016 que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
O referido ato administrativo normativo determina que os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, em seus atos e procedimentos, deverão adotar o nome social da pessoa travesti ou transexual, de acordo com seu requerimento. Além disso, garante que a pessoa travesti ou transexual poderá requerer, a qualquer tempo, a inclusão de seu nome social em documentos oficiais e nos registros dos sistemas de informação.
Conselho dos Direitos da População LGBTQIAP+
Em âmbito estadual, chama atenção o Decreto do Estado do Rio de Janeiro (Decreto estadual nº 41.798/2009) que criou o “Conselho dos Direitos da População LGBTQIAP+”, com a finalidade de estimular e propor políticas públicas de promoção da igualdade e de inserção educacional e cultural dessa população.
Em complemento, é fundamental relembrar que o Supremo Tribunal Federal, através do Mandado de Injunção nº 4733 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 entendeu que o preconceito contra pessoas transexuais seja tratado sob a perspectiva de injúria racial, da mesma forma que ocorreu com a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.
Ou seja, ainda que não exista norma que expressamente inclua a transfobia como crime, ela é equiparada a injúria racial e portanto criminalizada pela Lei 7.716/1989 (definiu os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor) e pelo Código Penal, alterado pela Lei nº 9.459/97, que acrescentou ao art. 140, o § 3º, e tipificar a injúria racial.
Entendimento do STF
É importante pontuar que o STF, em julgamentos anteriores (ADI 4.275) já havia assentado que:
“o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero” e que “a identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la”.
Por fim, vejamos trecho relevante do voto do Ministro Edson Fachin, relator do Mandado de Injunção nº 4.733:
Assim, atento ao dever estatal de legislar disposto no art. 5º, XLI, da CRFB, segundo o qual “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, entendo que a interpretação hermenêutica que restringe sua aplicação aos casos de racismo e mantém desamparadas de proteção as ofensas racistas perpetradas contra indivíduos da comunidade LGBTQIA+, contraria não apenas o acórdão embargado, mas toda a sistemática constitucional.
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