Doença grave impede posse em cargo público?
Doença grave impede posse em cargo público?

Doença grave impede posse em cargo público?

Doença grave impede posse em cargo público?
Doença grave impede posse em cargo público?

Neste artigo responderemos ao questionamento “Doença grave impede posse em cargo público?”, destacando o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) relativo ao tema.

Desse modo, teceremos algumas considerações iniciais sobre a base constitucional envolvendo os assuntos que permeiam o tema, a exemplo da dignidade da pessoa humana, o direito social ao trabalho e o acesso a cargos e funções públicas por meio de concursos públicos.

Na sequência, veremos a controvérsia que chegou ao Supremo Tribunal Federal envolvendo candidata que, mesmo após ser nomeada, foi impedida de tomar posse em virtude de doença que teve nos últimos cinco anos.

Por fim, abordaremos o que entendeu o STF acerca da constitucionalidade da exigência de um período de carência para candidatos a cargos públicos que tenham se recuperado de doença grave (Tema de Repercussão Geral nº 1.015).

Vamos ao que interessa!

Primeiramente, é importante citar que os dispositivos da Constituição Federal de 1988 (CF/88) que vamos citar aqui guardam relação com o que foi decidido pelo STF no Tema de Repercussão Geral nº 1.015, objeto da nossa análise adiante.

Sendo assim, iniciemos falando, brevemente, sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual encontra previsão no inciso III do artigo 1º da CF/88.

Trata-se de princípio que leva em consideração, em sua essência, que a existência de direitos básicos é inerente à humanidade.

Por exemplo, o STF já decidiu que o direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana (STF, RE 248.869, Relator min. Maurício Corrêa, j. 7-8-2003, P, DJ de 12-3-2004).

No mesmo sentido, entende que a “tortura constitui a negação arbitrária dos direitos humanos, pois reflete – enquanto prática ilegítima, imoral e abusiva – um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e, até mesmo, a suprimir a dignidade, a autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado, de maneira indisponível, pelo ordenamento positivo (STF, HC 70.389, rel. min. Sidney Sanches, red. do ac. min. Celso de Mello, j. 23-6-1994, P, DJ de 10-8-2001).

O princípio da isonomia encontra guarida no artigo 5º, caput e inciso I, da Constituição, na medida em que esses dispositivos preconizam, respectivamente, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, bem assim que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição.

Essa ideia de igualdade que é passada pelos dispositivos mencionados consubstancia na chamada “isonomia formal”. 

Por outro lado, temos também a denominada “isonomia substancial”, que preconiza que os iguais devem ser tratados como iguais; enquanto os desiguais devem ser tratados como desiguais na medida de suas desigualdades.

O artigo 6º, caput, da Constituição traz um rol de direitos sociais, dentre os quais encontramos o direito social ao trabalho.

Esse direito, claro, é também regulado por outros dispositivos constitucionais, a exemplo dos artigos 7º (direitos trabalhistas), 8º (associação profissional ou sindical), 9º (direito à greve), 170 (princípios gerais da atividade econômica), dentre outros.

O artigo 37, caput, da Constituição, ao mencionar o princípio da impessoalidade, preconiza que a Administração Pública deve agir de forma impessoal, isto é, sem levar em consideração as características pessoais do administrado, sem que o agente público aja em interesse próprio, etc.

Além disso, no inciso I do artigo 37, garante-se o acesso dos brasileiros a cargos, empregos e funções públicas de forma ampla, desde que preencham os requisitos legais. Permite-se, até mesmo, e nos termos da lei, o acesso de estrangeiros a cargos públicos.

Por sua vez, o inciso II do artigo 37 consubstancia o princípio do concurso público, elencando que investidura a cargo ou emprego público dependerá de certame condizente com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei.

Permeando todos os dispositivos que mencionamos acima, chegou ao Supremo Tribunal Federal a discussão acerca da constitucionalidade da exigência de um período de carência para candidatos a cargos públicos que tenham se recuperado de doença grave (Leading Case Recurso Extraordinário nº 886.131 – Tema de Repercussão Geral nº 1.015).

Mais especificamente, essa discussão se deu com observância do que dispõe os artigos 1º, inciso III; 5º, caput; 6º; e 37, inciso II, todos da Constituição Federal.

Assim, sob a ótica desses dispositivos, o STF avaliou se a vedação à posse em cargo público de candidato que esteve acometido de doença grave, mas que não apresenta sintomas atuais de restrição laboral, viola os princípios da isonomia, da dignidade humana e do amplo acesso a cargos públicos.

A parte recorrente que interpôs o RE 886.131 havia sido aprovada no concurso público de Oficial Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), mas, após ser nomeada em 18/08/2005, uma junta médica a considerou inapta para assumir o cargo, por ter sido acometida de carcinoma mamário (neoplasia mamária) e submetida a cirurgia, quimioterapia e radioterapia há menos de cinco anos.

É interessante destacar, ainda, que a decisão do TJMG teve como base seu Manual de Perícias Médicas, que, em seu item 19.9, § 1º, assim prevê:

19.9. Normas especiais na área de Ginecologia e Obstetrícia:

§ 1º Não poderão ser admitidas as portadoras de carcinomas ginecológicos de qualquer localização; as já operadas só poderão ser admitidos cinco anos após o término de todo o tratamento, desde que estejam livres de doença neoplástica quando do exame admissional; no caso de pacientes já tratadas de tumores potencialmente curáveis e que apresentem estadiamento clínico-cirúrgico compatível com prognóstico favorável, a admissão poderá ocorrer com menor tempo de pós-operatório, desde que exaustiva pesquisa mostre-as livres de doença.

Dentre os principais argumentos da parte recorrente que interpôs o RE 886.131 estavam os seguintes:

  1. Houve ofensa ao princípio da isonomia. Isso porque a vedação à posse, tal como ocorreu, caracteriza-se como discriminação por motivo de saúde e gênero, considerando, ainda, que o item 19.9, § 2º, do mesmo Manual prevê que candidatas acometidas por nódulo mamário poderão ser admitidas após a recuperação pós-operatória;
  1. Também se ofendeu o princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que a decisão lhe tirou a esperança de se curar definitivamente da doença (ou seja, sempre ficaria submetida àquele estigma de portadora daquela doença);
  1. A decisão do TJMG viola o direito social ao trabalho, uma vez que impede a investidura de candidata regularmente aprovada em concurso público.

Vamos conferir agora o que o STF decidiu sobre o tema!

Pondo fim à discussão acima, o STF firmou Tese vinculante, a seguir colacionada:

É inconstitucional a vedação à posse em cargo público de candidato (a) aprovado(a) que, embora tenha sido acometido(a) por doença grave, não apresenta sintoma incapacitante nem possui restrição relevante que impeça o exercício da função pretendida (CF, arts. 1º, III, 3º, IV, 5º, caput, 37, caput, I e II).

O Relator do feito no Supremo, Ministro Luís Roberto Barroso, iniciou seu voto referindo que a Constituição Federal, ao preconizar o princípio do concurso público, teve a intenção de possibilitar que a seleção para desempenho de cargos públicos fosse a mais ampla possível, bem assim baseada em critérios objetivos.

Além disso, ponderou que quaisquer limitações de acesso a cargos públicos possuem natureza excepcional, só podendo ser admitidas caso, concomitantemente, (i) haja previsão legal nesse sentido e (ii) as restrições se justifiquem em virtude das atribuições do cargo.

Porém, como lembrou o Relator, esses dois requisitos não excluem a necessidade de serem observados os demais princípios e regras previstos na Constituição, o que poderá ser verificado pelo Poder Judiciário.

Em relação ao caso concreto da candidata contra o TJMG, o STF entendeu que, embora o exame médico admissional possua previsão em lei e se destine, legitimamente, a aferir se o candidato ao cargo público possui condições de saúde para exercer suas futuras atribuições, a decisão que excluiu a candidata do certame não está de acordo com os outros princípios previstos na Constituição:

  1. Princípios do concurso público e da impessoalidade: a exclusão de candidatos de concurso público deve ser excepcional e baseada em critérios objetivos;
  1. Princípio da eficiência: a exclusão de candidatos pelo simples fato de terem sido acometidos por doenças “reduz o espectro da seleção e faz a Administração perder talentos que poderiam ingressar em seus quadros”;
  1. Princípio da isonomia: o ato que exclui pessoas do certame com base no risco incerto de recidiva da doença contraria o princípio da isonomia. Isso porque, segundo o STF, o tratamento diferenciado é baseado em mera futurologia, razão pela qual carece de legitimação e incorre em discriminação;
  1. Princípio da dignidade da pessoa humana: o Ministro Barroso referiu que “o ato de excluir alguém de um concurso público por motivo de doença pretérita é, por si só, violador da dignidade humana”, haja vista que representa um atestado de incapacidade capaz de minar a autoestima de qualquer um. 

Para o Supremo, a avaliação deve ter a exclusiva pretensão de analisar se o candidato possui condições atuais de saúde para exercer as funções do cargo pretendido. 

Dessa forma, eventual exclusão de candidatos com base nessa avaliação deverá ser fundamentada com base na impossibilidade absoluta de exercer tais atribuições, o que poderá ser objeto de análise pelo Poder Judiciário.

Também é importante destacar que, para a Corte Constitucional, o ato de impedir a posse de um candidato aprovado por motivo de doença pretérita representa discriminação, na medida em que se vale de um dado de saúde para negar o acesso a um cargo público, sem que tal circunstância seja relevante para o bom desempenho da função pretendida.

No que diz respeito ao caso concreto em análise, o Relator apontou que a discriminação é ainda mais desarrazoada, já que, em vez de se valer de um dado de saúde objetivo e atual, leva em consideração, para exclusão da candidata, enfermidade pretérita que não mais a acomete.

Ademais, uma outra compreensão do Plenário do STF foi a de que os processos de seleção não podem estabelecer requisitos que afastem a participação de mulheres, salvo em situações excepcionais, justificadas e que tenham pertinência com o exercício da função.

Nessa esteira, constatou-se que a decisão administrativa impugnada se fundamentou em norma do Manual de Perícias Médicas específica para as áreas de Ginecologia e Obstetrícia, sem que houvesse previsão semelhante para doenças urológicas ou outras que acometam igualmente homens e mulheres

Desse modo, entendeu o STF que, ao estabelecer período de carência especificamente para carcinomas ginecológicos, o ato administrativo restringe o acesso de mulheres a cargos públicos, incorrendo em discriminação de gênero.

Diante de todo o exposto, o Supremo fixou a Tese acima e deu parcial provimento ao recurso extraordinário, para condenar o Estado de Minas Gerais a nomear e dar posse à recorrente.

Portanto, pessoal, essa foi nossa breve análise sobre o questionamento “Doença grave impede posse em cargo público?”, destacando principalmente o entendimento do STF sobre o assunto.

Vimos que, para o STF, é inconstitucional a vedação à posse em cargo público de candidato aprovado que, embora tenha sido acometido por doença grave, não apresenta sintoma incapacitante nem possui restrição relevante que impeça o exercício da função pretendida.

Até a próxima!

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