Dispute Boards na Administração Pública
Dispute Boards na Administração Pública

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Hoje vamos entender sobre a utilização dos Dispute Boards pela Administração Pública.

Dispute Boards

Os dispute board (DB) ou Comitês de Resolução de Disputas (CRD) podem ser conceituados como método alternativo de solução de conflitos em que há a formação de uma junta de especialistas sobre o objeto de determinado contrato. Esses especialistas têm a prerrogativa de acompanhar a execução, bem como prevenir e solucionar disputas que eventualmente surjam em decorrência do contrato.

Vantagens dos Dispute Boards

Os dispute boards não atuam apenas solucionando conflitos já instaurados, sua importância decorre especialmente do fato de atuarem na prevenção desses conflitos, apresentando respostas a consultas e recomendações, além de acompanharem toda a execução dos contratos, prestando o que se denomina de assistência informal (informal assitance).

O comitê pode ser permanente, instaurado no início no contrato para acompanhar toda a sua execução ou ad hoc, para solucionar um conflito certo e determinado.

Além disso, contam em favor desse mecanismo de solução de litígios a celeridade superior ao processo judicial e o seu baixo custo.

Espécies de Dispute Boards

É possível classificar os comitês de resolução de disputas em três espécies diferentes, a depender dos poderes outorgados pelas partes em cada caso:

a) Dispute review boards – DRB:

Têm atribuição para fazer recomendações não vinculantes (non-binding).

Em relação ao dispute review boards, a recomendação assume caráter de opinião técnica, que poderá ser adotada espontaneamente pelas partes.

Caso as partes restem silentes, decorrido o prazo preestabelecido, a recomendação assume efeito vinculante.

Por outro lado, uma ou ambas as partes podem discordar da recomendação de forma fundamentada, o que obsta a produção de efeitos.

b) Dispute adjudication boards – DAB:

Têm atribuição para tomar decisões vinculantes (binding).

A vinculação das partes às decisões dos DABs possui natureza contratual e não jurisdicional. Isso implica que, de um lado, essas decisões podem ser revistas jurisdicionalmente e, de outro, que eventual descumprimento não prescinde do acionamento do juízo estatal ou arbitral para fins de dar executoriedade à decisão do comitê, tal como ocorreria com o descumprimento de uma cláusula contratual escrita, já que não constituem Título Executivo.

Entretanto, é preciso haver uma relevante margem de deferência por parte dos órgãos jurisdicionais em relação às decisões do comitê, dada a maior expertise técnica e conhecimento fático que esses colegiados possuem sobre os termos do contrato.

c) Combined dispute boards – CDB:

Têm atribuições para emitir recomendações e tomar decisões vinculantes, a depender do que dispuser o contrato em relação a cada matéria.

É possível que se estabeleça, por exemplo, que quando disser respeito a cláusulas econômico-financeiras, as decisões do conselho tenham caráter de recomendação e quando disser respeito a outras controvérsias, essas decisões sejam vinculantes.

Meios alternativos de solução de litígios e a Administração Pública

Existem vários meios alternativos à jurisdição para a solução de disputas, incluindo mecanismos de autocomposição (conciliação, mediação e negociação direta) e de heterocomposição (arbitragem e dispute boards).

A principal vantagem da utilização de meios alternativos de solução de disputas é a capacidade de resolver conflitos de maneira mais rápida, econômica e menos adversarial do que através de litígios judiciais tradicionais. Esses métodos também oferecem às partes maior controle sobre o processo e promovem soluções mais criativas e personalizadas para os problemas específicos em disputa.

Durante algum tempo questionou-se sobre a viabilidade da utilização desses meios alternativos de solução de litígios no âmbito da Administração Pública, tendo em vista que as controvérsias envolvendo o poder público, por vezes, decorrem de direitos que pertencem a toda a coletividade, sendo, portanto, indisponíveis.

Entretanto, atualmente, há um consenso de que os meios alternativos de solução de disputas podem ser adotados pela Administração Pública, tendo em vista que o fato de que a indisponibilidade do interesse público não significa, necessariamente, que determinado direito não possa ser objeto de autocomposição.

O Código de Processo Civil traz a necessidade da tentativa de conciliação em diversas fases processuais e Lei da Conciliação (Lei nº 13.140/15) prevê, inclusive, a possibilidade de criação de câmaras de mediação e conciliação para a autocomposição extrajudicial de conflitos envolvendo o Poder Público.

Ainda, a Lei da Arbitragem (Lei n.º 9.307/1996) prevê a possibilidade de utilização de arbitragem pela Fazenda Pública para direitos disponíveis com as peculiaridades de não poder ser sigilosa (deve ser pública) nem poder se decidir por equidade, sendo sempre arbitragem de direito, devido ao princípio da legalidade.

Dispute Boards na Administração Pública

A ideia da utilização do Dispute Board, especialmente nos contratos administrativos que envolvam obras de infraestrutura, decorre das práticas internacionais. Embora ainda não haja uma previsão exaustiva do mecanismo no direito brasileiro, trata-se de um meio alternativo à jurisdição, podendo as partes submeterem o conflito ao referido comitê, que apresentará solução a cada caso de acordo com as regras previamente definidas.

A presença cada vez maior de dispute boards em contratos de concessão e parcerias público-privadas fundamenta-se no fato de que esses contratos reúnem os principais elementos de compatibilidade com o DB, por serem contratos incompletos e de longa duração, e por terem execução que envolve matéria técnica altamente especializada, relativa a diversos campos do conhecimento.

Existe, portanto, amplo campo para atuação dos dispute boards em contratos administrativos, desde que restritos a litígios envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, como ocorre em questões de reequilíbrio contratual.

Pode-se citar como exemplo a Lei nº 16.873/2018 do município de São Paulo, regulamentada pelo Decreto Municipal nº 60.067/2021. Em âmbito nacional, a Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei Federal nº 14.133/2021) dispôs sucintamente sobre o instituto em seus artigos 151 e 154, assim como existe um projeto de lei em trâmite na Câmara dos Deputados (Projeto de Lei nº 9.883/2018) que visa estabelecer regulamentação mais detalhada.

Já em sede contratual, destaca-se a utilização do instituto pelo Estado de São Paulo, adotando comitê de natureza vinculante (DAB) no âmbito da concessão das Linhas 8 e 9 de trens metropolitanos, recentemente adjudicada à iniciativa privada

Desafios dos Dispute Boards na Administração Pública

Há algumas questões relacionadas aos Dispute Boards na Administração que, por falta de uma maior consolidação do instrumento no Direito brasileiro, ainda carecem de consenso.

Vamos analisá-las a seguir:

Momento de estabelecimento do Comitê

Primeiramente, relativamente ao momento de estabelecimento do comitê, que pode ser instalado desde o início do contrato e para a prevenção e solução de conflitos (comitê permanente), ou apenas para certas e determinadas situações (comitê ad hoc).

As vantagens de um comitê permanente são um maior conhecimento por parte de seus membros de todas as fases do empreendimento, e a especialização, que pode trazer medidas mais adequadas na prevenção e solução de litígios entre a concessionária e o parceiro público, se comparada a um comitê ad hoc. Entretanto, manter uma estrutura dessas pode ter um alto custo para o contrato, se comparada à contratação eventual de um comitê ad hoc.

Um modelo híbrido pode ser preferível em contratos com múltiplas fases complexas, permitindo a constituição do dispute board em momentos específicos da execução do contrato.

Escolha dos membros do Comitê

A disciplina normativa de parâmetros para escolha de membros dos comitês de resolução de disputas passou a estar positivada no ordenamento jurídico, de forma expressa, por meio da Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), que impôs o dever de observância de “critérios isonômicos, técnicos e transparentes” (art.154), embora não forneça clareza sobre como esses critérios devem ser efetivados.

Dois dos membros, normalmente, são indicados pelas partes, e o terceiro é escolhido de comum acordo. Para garantir a imparcialidade, podem ser previstas regras de impedimento e suspeição semelhantes às do Código de Processo Civil, além da proibição de indicação de pessoas com vínculos profissionais preexistentes com as partes e a imposição de rodízios para evitar indicações repetidas do mesmo indivíduo.

Decisões relacionadas à obrigação de pagar

As decisões relacionadas às obrigações de pagar também são alvo de controvérsias, uma vez que o poder público se submete a um sistema próprio de pagamentos, devendo os valores estarem previstos em leis orçamentárias ou créditos adicionais. Bem como, em havendo condenação judicial, o pagamento se submete ao sistema de precatórios, o que não ocorre com as decisões do dispute board, já que não formam título executivo.

Entretanto, caso haja discordância entre as partes e a decisão precise ser judicialmente validada, o cumprimento deve seguir o regime de pagamento por precatório. Nesse caso, há um dilema entre a efetividade das decisões dos dispute boards e a necessidade de seguir o regime de precatórios, o que pode resultar em atrasos e disputas prolongadas.

Uma possível via para o equacionamento do problema pode se dar pelo oferecimento de garantias públicas para assegurar o adimplemento de valores devidos pelo Poder Concedente, uma vez que, vindo o DAB a reconhecer a exigibilidade de obrigação coberta pelo mecanismo de garantias, estas podem ser executadas diretamente pelo parceiro privado, sem recurso à jurisdição para a satisfação de seu crédito

Pode-se ainda admitir a adoção de comitês com poderes meramente recomendatórios quando envolver questões econômico-financeiras.

Conclusão

Pelo exposto, pode-se concluir que a utilização dos dispute boards pode ser muito vantajoso para a Administração Pública, entretanto, o tema requer uma reflexão mais aprofundada e uma normatização mais robusta para que sua utilização se difunda e traga benefícios efetivos e compatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro.

Referência: https://revistas.pge.sp.gov.br/index.php/revistapegesp/article/view/1345/1391

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