Entenda os critérios para a inclusão de medicamentos no SUS e a polêmica em torno da promessa de disponibilização do Ozempic na rede pública de saúde do Rio de Janeiro, feita pelo prefeito Eduardo Paes.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, deu uma notícia inusitada, e que acabou por causar controvérsia na cidade: prometeu disponibilizar o medicamento Ozempic – que é utilizado para emagrecimento e combate à diabetes tipo 2 – na rede pública de saúde do município. Paes, que diz ter emagrecido 30 quilos após tomar o medicamento, arrematou:
Em entrevista ao jornal “Extra”, ele continua:
“O Rio vai ser uma cidade que não vai ter mais gordinho, todo mundo vai tomar Ozempic nas clínicas da família… Tomei muito Ozempic, aquele remedinho que está abaixando o peso de todo mundo. Ele vai ter a patente aberta no ano que vem, vai poder ter o genérico e vou colocar na rede pública toda… A preocupação não é estética, é de saúde mesmo. Fui fazer exame de sangue outro dia e todas as minhas taxas abaixaram. Não precisei largar minha cervejinha.”
De acordo com a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO), o Ozempic é um remédio injetável usado no tratamento de diabetes tipo 2, e que tem como efeito colateral o emagrecimento, por controlar o apetite e gerar sensação de saciedade. Seu preço gira em torno de R$ 1.100,00 na rede privada (cada caixa corresponde a quatro aplicações).
Efeitos Colaterais – Ozempic
Apesar de sua atuação no combate ao diabetes tipo 2, o remédio tem seus efeitos colaterais, a saber:
- Náuseas;
- Inapetência excessiva;
- Diarreia;
- Vômitos;
- Mal-estar;
- Dor de cabeça;
- Dificuldade para se alimentar;
- Desidratação (devido aos vômitos e diarreia);
- Pedra na vesícula, devido à rápida perda de peso.
Esse uso do Ozempic para combater a obesidade é chamado de “Prescrição off label” (fora da bula), pois não é voltado para a finalidade principal do produto constante na bula.
Enfim, o uso indiscriminado do remédio pode trazer enormes prejuízos à saúde pública.
Para a ABESO “o uso indiscriminado aumenta o estigma do tratamento entre quem tem indicação médica ao remédio, além de expor pessoas sem necessidade de uso aos riscos”.
Eduardo Paes promete disponibilizar o genérico do Ozempic, mas isso só pode ser feito a partir de 2026, quando termina a patente de exclusividade do medicamento pela farmacêutica Novo Nordisk.
O prefeito do Rio recebeu várias críticas, principalmente dos adversários políticos, relacionadas à real necessidade da disponibilização do Ozempic frente aos recursos disponíveis pela pasta da Saúde.
Para esses críticos, a área da saúde anda em frangalhos, com falta de medicamentos e insumos básicos nos postos de saúde, como dipirona, paracetamol, antibióticos, gazes. Enquanto a população sofre com a falta de medicamentos simples, e que são baratos, o prefeito estaria fazendo campanha política com a promessa de disponibilizar o Ozempic. Essa é a crítica que se faz.
Mas será que o prefeito pode mesmo determinar a inclusão do Ozempic na rede pública de saúde? E como isso pode ser feito? Vejamos:
No âmbito do SUS, a lista básica de medicamentos e insumos disponíveis para o tratamento de doenças consta na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).
Cabe ao Ministério da Saúde a revisão e a atualização periódica da RENAME e dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas. Esse processo pode envolver a incorporação de novos medicamentos, a exclusão ou a alteração de medicamentos já padronizados.
No Brasil, para que um medicamento, procedimento, equipamento ou produto seja incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS) é necessário que ele passe por uma análise detalhada da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), mas antes disso é preciso que o medicamento passe pelo registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Sistema de aquisição de compras de medicamentos pelo SUS
O sistema de aquisição de compras de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é organizado em três componentes:
- Básico (que inclui a Programa Farmácia Popular):
No Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF) estão os medicamentos que fazem parte da atenção básica à saúde, como antibióticos, antitérmicos, analgésicos. - Estratégico:
O Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica (CESAF) engloba medicamentos e insumos para prevenção, diagnóstico, tratamento e controle de doenças e agravos de perfil endêmico, com importância epidemiológica, impacto socioeconômico ou que acometem populações vulneráveis, contemplados em programas estratégicos de saúde do SUS (tuberculose, hanseníase, malária, leishmaniose, Doença de Chagas, cólera, esquistossomose, leishmaniose). - Especializado:
No Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) estão os medicamentos que representam elevado impacto financeiro e aqueles indicados para doenças mais complexas (Alzheimer, Parkinson, epilepsia, esclerose múltipla, glaucoma, hepatite, lúpus).
Apesar do Ozempic ter registro na ANVISA, ele ainda não foi incorporado ao SUS. Portanto, não é tão simples como parece a incorporação de um medicamento na lista do Sistema Único para distribuição para a população.
A fala de Paes, que é candidato à reeleição, chama a atenção pelo fato de que estamos a poucos dias das eleições, e ela pode ser entendida mais como uma bravata eleitoreira do que como política pública de saúde plausível.
Existe um projeto de lei na Câmara dos Deputados (de autoria da deputada Clarissa Tércio, do PP-PE) com o objetivo de incluir o Wegovy (genérico do Ozempic) na lista do SUS, mas o Projeto recebeu parecer negativo na Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, sob o fundamento de que o medicamento ainda não foi avaliado pelo SUS.
É de se ressalta que muitas pessoas têm procurado o Judiciário para ter garantido o acesso ao Ozempic, e existem decisões favoráveis e contrárias aos pedidos.
Mas o que o diz o Supremo Tribunal Federal sobre a disponibilização de medicamentos não previstos pelo SUS? Os critérios foram definidos pelo Supremo no bojo do TEMA 06, cujo mérito foi julgado em 2020 (RE 566471), mas as teses foram aprovadas em 20/09/2024.
Teses aprovadas no Tema 06 do STF
1. A ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do Sistema Único de Saúde -SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras) impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial, independentemente do custo.
2. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação:
(a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item ‘4’ do Tema 1.234 da repercussão geral;
(b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011;
(c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas;
(d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise;
(e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e
(f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento.
3. Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do artigo 489, § 1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do Código de Processo Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente:
(a) analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de não incorporação pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via administrativa, à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, especialmente a política pública do SUS, não sendo possível a incursão no mérito do ato administrativo;
(b) aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação; e
(c) no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS”
Vamos acompanhar como a questão irá se desenrolar na cidade do Rio de Janeiro. Ótimo tema para provas de direito constitucional e administrativo.
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