STJ: discurso político não se submete a ação popular
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

STJ: discurso político não se submete a ação popular

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do STJ

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), através de sua 1ª Turma, decidiu que declarações públicas ou opiniões de agentes políticos, desprovidas de efeitos jurídicos vinculativos, não configuram atos ilegais e lesivos passíveis de combate pela via da ação popular.

O relator do recurso foi incisivo:

“Tais declarações, embora desprovidas de qualquer prova e questionáveis sob diversos aspectos, não configuram, em essência, ato administrativo, muito menos produzem efeitos jurídicos concretos, sendo opiniões proferidas em contexto político, cuja análise escapa ao âmbito de proteção da ação popular”.

O caso chegou à Corte através do REsp 2.141.693, cujo relator foi o ministro Gurgel de Faria.

O autor da ação popular recorreu ao STJ após o Tribunal Regional Federal da 6ª Região negar seguimento ao processo, no qual ele questionava o ex-presidente Bolsonaro por alegações feitas em 9 de março de 2020, durante viagem oficial ao exterior, a respeito de supostas fraudes na eleição de 2018.

Em seguida, o juízo federal de primeiro grau indeferiu a petição inicial, extinguindo o feito sem resolução do mérito ante a falta de ato administrativo a ser anulado. Vejamos então trecho da sentença:

“Logo é descabida a ação popular ajuizada, vez que inexiste na espécie qualquer ato (estatal ou de particular) a ser anulado ou desconstituído, sendo desnecessário adentrar às diversas correntes sobre a necessidade de ilegalidade ou lesividade.

Entender diferente implicaria o desvirtuamento e a banalização da ação popular, em detrimento dos propósitos do Constituinte Originário quando a inseriu no título dos Direitos e Garantias Judiciais...

Desse modo, forçoso é concluir pela ausência de adequação da via eleita, considerados os fins pretendidos pelo autor popular.”

Por fim, o TRF-6 confirmou os fundamentos da sentença. Confira:

“8. No caso, o autor insurge-se apenas contra supostas alegações de agente político que defende terem sido inverídicas, porém não foi indicado qualquer ato administrativo que pudesse ter infringido amoralidade administrativa. Supostas inverdades proferidas por agente político não se caracterizam como atos administrativos para fins de preenchimento dos requisitos de admissibilidade de ação popular.

9. Repise-se, simples descrição de supostas falácias proferidas por agentes políticos não se caracteriza ato administrativo para fins de preenchimento dos requisitos de admissibilidade da ação popular.

10.  Portanto, não há como reconhecer que tivessem sido indicados pelo autor, ora recorrente, quaisquer atos passíveis de desconstituição por meio da ação popular, não restando preenchidos os requisitos para sua propositura, razão pela qual o indeferimento da inicial e a consequente extinção do processo sem julgamento de mérito impunham-se na hipótese.”

O Superior Tribunal de Justiça negou o pedido do recorrente para que o Poder Judiciário processasse a ação popular que objetivava a declaração de falsidade de manifestações feitas por Jair Bolsonaro, quando presidente da República, a respeito da credibilidade das urnas eletrônicas. Dessa forma, o STJ confirmou as decisões tanto de primeiro quanto de segundo graus.

Para o requerente, seria possível o ajuizamento de ação popular para a declaração de ilicitude daquelas afirmações, em razão do potencial impacto sobre bens jurídicos de interesse coletivo, como a moralidade administrativa e a confiabilidade no sistema eleitoral.

Ao final da petição inicial, o autor pediu que o magistrado declarasse falsas as alegações de Bolsonaro sobre eventual fraude no sistema eleitoral brasileiro, em especial no que toca às urnas eletrônicas.

O autor requereu, ademais, que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, à época o ministro Luís Roberto Barroso, fosse ouvido como testemunha no processo.

Análise jurídica

A ação popular, que está prevista tanto na Constituição Federal quanto na lei nº 4.717/65, é um remédio constitucional que permite a qualquer cidadão questionar atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Ação popular não
CF

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Podemos afirmar que a ação popular constitui instrumento da democracia participativa, que permite a qualquer cidadão defender bens jurídicos de relevância coletiva.

Nulidade dos atos

O artigo 2º da Lei da Ação Popular define que são nulos os atos lesivos nos casos de:

  • Incompetência;
  • Vício de forma;
  • Ilegalidade do objeto;
  • Inexistência dos motivos; ou
  • Desvio de finalidade.

A nulidade dos atos via ação popular deverá observar o seguinte:

a) Incompetência -> Fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;

b) Vício de forma -> Consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;

c) Ilegalidade do objeto -> Ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;

d) Inexistência dos motivos -> Se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;

e) Desvio de finalidade -> Se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.

Importante pontuar que a legitimidade ativa para a ação popular se resume a cidadãos com capacidade eleitoral ativa. Além disso, a finalidade precípua do instrumento processual é garantir o direito subjetivo do cidadão (autor da ação) a um governo honesto, ético, que respeite a moralidade administrativa e o meio ambiente.

Lesividade

O relator do recurso especial destacou que a ação popular possui natureza essencialmente desconstitutiva, exigindo a existência de um ato administrativo ou a ele equiparado, com efeitos concretos e potencial lesivo aos bens tutelados. Ato que, nessas condições, deve ser suprimido do mundo jurídico por meio da anulação.

Declarações ou discursos políticos, por não possuírem materialidade jurídica ou efeitos concretos, não podem ser alcançados pela ação popular, afastando o requisito da ilegalidade exigido pela norma.

Portanto, o Tribunal entendeu que as meras palavras proferidas pelo ex-presidente Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, por não possuírem efeitos concretos, não configuram atos administrativos passíveis de anulação via ação popular.

O ministro relator chamou a atenção para a distinção entre atos administrativos concretos e meras declarações políticas.

Segundo Gurgel de Faria, alargar o conceito de lesividade para alcançar discursos políticos implicaria grave desvirtuamento do instituto da ação popular, banalizando seu alcance, em prejuízo à sua efetividade.

Ótimo tema para provas de direito constitucional, processual civil ou mesmo administrativo.


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