Direito Constitucional à Saúde

Direito Constitucional à Saúde

direito constitucional à saúde

Os temas do direito constitucional à saúde têm ganhado especial relevância no sistema jurídico brasileiro nos últimos tempos. Desde a sua elevação a Direito Fundamental, com a Constituição de 1998, observa-se uma forte judicialização de temas relacionados à promoção da saúde pública.

Atualmente a jurisprudência tem atuado na definição dos contornos do direito à saúde brasileiro, criando uma verdadeira doutrina do direito à saúde por meio de seus precedentes, que direcionam a aplicação da legislação e a atuação dos gestores públicos.

Diante da grande atuação dos juízes, promotores, defensores e procuradores em ações relacionadas ao direito à saúde, esse tema tem sido frequente em provas objetivas e subjetivas das carreiras jurídicas de todo país.

Pensando nisso, compilamos neste artigo algumas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) referentes à promoção do Direito à Saúde, principalmente no que tange à competência, que serão úteis tanto para provas de concurso quanto para a atuação prática dos futuros aprovados.

Direito Constitucional à Saúde

A Constituição da República de 1988 preleciona em seu art. 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Trata-se de um direito social, previsto no art. 6º, caput da CFBR/88 bem como uma das manifestações do direito fundamental à vida, assegurado no art. 5º, caput, da CRFB/88. Ele compõe o núcleo de direitos eleitos pelo constituinte originário como cláusula pétrea (art. 60 §4º da CFBR/88), não podendo sua proteção ser abolida ou mesmo reduzida por emenda à Constituição.

Sendo Direito Fundamental de segunda dimensão, sua concretização demanda uma prestação positiva do estado, que se dá por meio da promoção de políticas públicas.

Ademais, a Carta Magna elevou as ações e os serviços de saúde como de relevância pública cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (art. 197 da CRFB/88).

Isso significa que apesar de a promoção da saúde ser um dever do Estado, essa atividade não é monopólio do poder público, sendo permitido à iniciativa privada sua prestação. Por ser atividade de interesse público, mesmo quando exercida pelo particular, sua regulamentação, fiscalização e controle são feitos pelo Estado através de duas agências reguladoras, quais sejam, a ANVISA e a ANS.

Cláusula da reserva do possível

Segundo o STF, a cláusula da reserva do possível – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada pelo Estado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade, como é o caso do direito constitucional à saúde.

Entretanto, o Poder Público deve se ater às suas possibilidades efetivas, especialmente no que tange ao orçamento disponível. Não se pode gastar mais do que se arrecada, especialmente quando se trata de valores decorrentes da coletividade. Trata-se do princípio da reserva do possível, ou da primazia da realidade, segundo os quais o dinheiro público deve ser utilizado dentro de suas notórias limitações, e não como se fosse infinito.

A alegação da cláusula da reserva do possível não tem sido acolhida pelos magistrados quando o Ente Público invoca indisponibilidade orçamentária para arcar com serviços de saúde ou fornecimento de medicamento, desde dentro de um parâmetro de razoabilidade objetivamente aferível.

Sistema Único de Saúde (SUS)

A própria Constituição Federal prevê a existência do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. Seu art. 198. dispõe que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e elencando algumas de suas diretrizes.

Dentre essas diretrizes, a que mais nos interessa é a descentralização, uma vez que o STF já decidiu por diversas vezes que a saúde pública é competência solidária de todos os entes da federação que a exercem por meio do federalismo de cooperação. Esse dispositivo é alvo de inúmeras controvérsias jurídicas tanto no campo prestacional como no âmbito da definição da competência processual das ações judiciais relacionadas à saúde.

Responsabilidade por assegurar o direito à saúde e garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação

O STF vinha entendendo, quanto ao tratamento médico adequado aos necessitados, que, por se inserir no rol dos deveres do Estado, seria responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo poderia, então, ser composto por qualquer um deles, isoladamente ou conjuntamente.

A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, o STF havia fixado que competiria à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

Entretanto, a decisão cautelar referendada pelo Pleno em 19/04/23 no Tema RG 1234 (RE 1366243) alterou esse entendimento, dispondo agora, que:

Quanto ao fornecimento de medicamento padronizado:

“(i) nas demandas judiciais envolvendo medicamentos ou tratamentos padronizados a composição do polo passivo deve observar a repartição de responsabilidades estruturada no Sistema Único de Saúde, ainda que isso implique deslocamento de competência, cabendo ao magistrado verificar a correta formação da relação processual, sem prejuízo da concessão de provimento de natureza cautelar ainda que antes do deslocamento de competência, se o caso assim exigir;

Quanto ao fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (mas registrados na ANVISA):

Em regra, deveriam ser interpostos contra a União, entretanto, o STF decidiu que:

(ii) nas demandas judiciais relativas a medicamentos não incorporados devem ser processadas e julgadas pelo Juízo, estadual ou federal, ao qual foram direcionadas pelo cidadão, sendo vedada, até o julgamento definitivo do Tema 1234 da Repercussão Geral, a declinação da competência ou determinação de inclusão da União no polo passivo;

(iii) diante da necessidade de evitar cenário de insegurança jurídica, esses parâmetros devem ser observados pelos processos sem sentença prolatada; diferentemente, os processos com sentença prolatada até a data desta decisão (17 de abril de 2023) devem permanecer no ramo da Justiça do magistrado sentenciante até o trânsito em julgado e respectiva execução (adotei essa regra de julgamento em: RE 960429 ED-segundos Tema 992, de minha relatoria, De de 5.2.2021);

(iv) ficam mantidas as demais determinações contidas na decisão de suspensão nacional de processos na fase de recursos especial e extraordinário.

Quanto ao fornecimento de medicamentos não registrados na ANVISA

4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União. STF (entendimento suspenso e vedado o redirecionamento pelo juiz até o julgamento da ADI).

Chamamento ao processo

O chamamento ao processo da União com base no art. 77, III, do CPC, nas demandas propostas contra os demais entes federativos responsáveis pelo fornecimento de medicamentos ou prestação de serviços de saúde, não é impositivo, mostrando-se inadequado por representar obstáculo inútil à garantia fundamental do cidadão à saúde. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 – TEMA 686).

O STJ decidiu que não cabe o chamamento, pois:

a) O art. 130, III, é típico de obrigações solidárias de pagar quantia, o que não é o caso, uma vez que as ações para fornecimento de medicamento são para entrega de coisa certa;

b) O chamamento ao processo revela-se medida protelatória, que não traz nenhuma utilidade ao processo.

Pode-se argumentar ainda o deslocamento de competência que a inclusão da União na demanda geraria.

Responsabilidade pela fiscalização de hospitais credenciados e o erro médico

Não se deve confundir a obrigação solidária dos entes federativos em assegurar o direito à saúde e garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, com a responsabilidade civil do Estado pelos danos causados a terceiros. Nesta, o interessado busca uma reparação econômica pelos prejuízos sofridos, de modo que a obrigação de indenizar se sujeita à comprovação da conduta, do dano e do respectivo nexo de causalidade.

Segundo a Constituição Federal, as instituições privadas podem participar de forma complementar do sistema único de saúde (art. 199, §1º da CFBR/88).

A União, na condição de gestora nacional do SUS, não tem legitimidade passiva nas ações de indenização por falha no atendimento médico ocorrida em hospitais privados credenciados no SUS, tendo em vista que, de acordo com descentralização das atribuições, a responsabilidade pela fiscalização dos hospitais credenciados ao SUS é do Município, nos termos do art. 18, X, da Lei n.° 8.080/90.

Dessa forma, segundo o STJ, não há qualquer elemento que autorize a responsabilização da União, seja porque a conduta não foi por ela praticada, seja em razão da impossibilidade de aferir-se a existência de culpa in eligendo ou culpa in vigilando.

Ademais, para a responsabilização do médico do estado deve comprovar a existência de culpa, pois na seara médica vigora o princípio da responsabilidade subjetiva, eis que a ação médica é considerada obrigação de meio e não de resultado

Bons estudos!

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Até o próximo artigo!

Ana Luiza Tibúrcio.

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