Hoje vamos entender o que se trata o Direito ao Esquecimento, suas origens históricas e o que prevalece nos Tribunais Superiores sobre o assunto.
Direito ao esquecimento
O direito ao esquecimento/direito de ser deixado em paz seria a pretensão apta a impedir a divulgação, seja em plataformas tradicionais ou virtuais, de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos, mas que, em razão da passagem do tempo, teriam se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse público relevante.
Caso Lebach
O Caso Lebach, julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão, ficou conhecido como o precursor do direito ao esquecimento.
Em 1969, quatro soldados alemães foram assassinados em uma cidade na Alemanha chamada Lebach. Após o processo, três réus foram condenados, sendo dois à prisão perpétua e o terceiro a seis anos de reclusão.
Esse terceiro condenado cumpriu integralmente sua pena e, dias antes de deixar a prisão, ficou sabendo que uma emissora de TV iria exibir um programa especial sobre o crime no qual seriam mostradas, inclusive, fotos dos condenados e a insinuação de que eram homossexuais.
Diante disso, ele ingressou com uma ação inibitória para impedir a exibição do programa.
A questão chegou até o Tribunal Constitucional Alemão, que decidiu que a proteção constitucional da personalidade não admite que a imprensa explore, por tempo ilimitado, a pessoa do criminoso e sua vida privada.
Assim, naquele caso concreto, entendeu-se que o princípio da proteção da personalidade deveria prevalecer em relação à liberdade de informação.
Isso porque não haveria mais um interesse atual naquela informação (o crime já estava solucionado e julgado há anos). Em contrapartida, a divulgação da reportagem iria causar grandes prejuízos ao condenado, que já havia cumprido a pena e precisava ter condições de se ressocializar, o que certamente seria bastante dificultado com a nova exposição do caso. Dessa forma, a emissora foi proibida de exibir o documentário.
Posição dos Tribunais Superiores sobre o Direito ao Esquecimento
STF
O STF julgou ser incompatível com a Constituição Federal de 1988 o direito ao esquecimento, que consiste no poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Apesar do posicionamento de que atualmente é inconstitucional o direito ao esquecimento, o STF entendeu que lei futura poderá estabelecê-lo.
Esse entendimento visa preservar a liberdade de expressão e o direito à memória coletiva, restringindo eventuais aplicações do direito ao esquecimento que poderiam limitar a transparência e o conhecimento da verdade histórica.
Contudo, o STF deixou aberta a possibilidade de que uma futura legislação pontual, desde que devidamente estruturada, possa prever restrições específicas quanto à divulgação de certas informações.
Cármen Lúcia fez referência ao direito à verdade histórica no âmbito do princípio da solidariedade entre gerações e considerou que não é possível, do ponto de vista jurídico, que uma geração negue à próxima o direito de saber a sua história:
Um comando jurídico que eleja a passagem do tempo como restrição à divulgação de informação verdadeira, licitamente obtida e com adequado tratamento dos dados nela inseridos, precisa estar previsto em lei, de modo pontual, clarividente e sem anulação da liberdade de expressão. Ele não pode, ademais, ser fruto apenas de ponderação judicial. (..) 8. Fixa-se a seguinte tese: “É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais.
Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e das expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”. (RE 1010606, Rel. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 11/2/2021, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-096, divulgado em 19/5/2021, publicado em 20/5/2021)
STJ
O direito ao esquecimento é considerado incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro. Logo, não é capaz de justificar a atribuição da obrigação de excluir a publicação relativa a fatos verídicos. STJ. 3ª Turma. REsp 1961581-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 07/12/2021 (Informativo n 723, disponibilizado no site Dizer o Direito).
Essa tese fixada pelo STJ se reputa enquanto um overruling em relação a sua jurisprudência com o intuito de adaptar ao atual posicionamento do STF, pois anteriormente o STJ entendia pela aplicabilidade desse instituto no ordenamento brasileiro.
Em resumo, a jurisprudência que nega o direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro é importante para proteger a liberdade de expressão, preservar a memória histórica, limitar a censura e controlar da informação, proteger a atividade jornalística e de pesquisa, e garantir a consistência com os princípios democráticos fundamentais (transparência, accountability e responsabilização).