A descriminalização do uso de maconha
A descriminalização do uso de maconha

A descriminalização do uso de maconha

A descriminalização do uso de maconha
A descriminalização do uso de maconha

*Guilherme Carneiro de Rezende é Professor de Processo Penal e de Legislação Institucional (MP), Promotor de Justiça no MPPR, Ex-Defensor Público da União, Ex- Procurador da Fazenda Nacional, Doutorando e mestre em direito.

O STF revisitou nesta semana um tema bastante polêmico. Aliás, cuja polêmica remonta a 2006, quando da promulgação da Lei 11.343/06, a chamada Lei de Drogas.

Vamos à discussão: antes da Lei em questão, a Lei 6.368/76 era quem dispunha sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica.

O artigo 16, da Lei 6.368/76, tipificava a posse de droga para consumo próprio, cominando uma pena de detenção, de seis meses a dois anos, e o pagamento de vinte a cinquenta dias-multa.

Adotava, como se pode perceber, uma política de encarceramento para tratar do usuário de drogas, já que o indivíduo que fosse condenado responderia por uma pena de detenção, além do pagamento de multa.

É bom lembrar que a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos somente passou a ser admitida em 1984, por força da Lei 7.209/84, contemplando como requisito, que o réu não fosse reincidente, como o é nos dias atuais. Do mesmo modo, a suspensão condicional da pena, cuja previsão é da década de 80.

Desta forma, o usuário, antes de 1984, ou depois, sendo reincidente, cumpriria pena privativa de liberdade e ponto.

Em 2006, o legislativo alterou o regramento, para estabelecer àquele que porta drogas para consumo próprio (e não propriamente o usuário de drogas, como chamamos o crime: “uso de drogas”), as penas de advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

E mais: nos termos do §6º, do artigo 28, estabeleceu que para cumprimento das medidas educativas já referidas, em caso de recusa injustificada, poderia o juiz submeter o indivíduo a admoestação verbal e/ou multa.

Assim, retirou do cenário da infração a pena privativa de liberdade.

Com isso surgiu uma intensa discussão acerca da natureza jurídica da infração tipificada no artigo 28: se permaneceria o crime, ou se estaríamos diante de uma infração administrativa.

O argumento que sustentou toda a discussão foi a distinção feita pela Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei 3.914/41), já em seu artigo inaugural: Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Desta forma, como não havia previsão de pena de prisão (reclusão, detenção ou prisão simples) à infração capitulada no já referido artigo 28, uma corrente passou a sustentar que teria ocorrido a descriminalização (não há crime).

Ao apreciar o tema, o STF, em 2007, no julgamento de Questão de Ordem, no RE 430.105, sufragou o entendimento de que não teria ocorrido a descriminalização, mas a despenalização, pois a matéria continuaria a ser tratada pelo direito penal (como crime), mas não se estaria mais a cominar pena privativa de liberdade.

De toda forma, o STJ avançou em sua jurisprudência para assinalar que a condenação pretérita pela prática do crime de porte de drogas para consumo, não constitui causa geradora para configurar maus antecedentes e/ou reincidência, conforme se pode ver, por exemplo, do AgRg no HC 840.210/SP.

Embora o STF não tenha afirmado a descriminalização, a jurisprudência evoluiu no sentido de desconsiderar um dos efeitos da condenação, que é a reincidência, e que, como regra, é a responsável por uma drástica mudança no regime inicial de cumprimento da pena, conforme §2º, do artigo 33, do CP.

Em 20/06/2024, o STF formou maioria para afirmar que o porte de maconha para uso pessoal deve ser descriminalizado.

E atenção: a decisão do STF diz respeito apenas à droga do tipo maconha, e não às demais, que vem previstas na Portaria 344, da ANVISA.

O Min. Barroso esclareceu que o STF não legalizou o uso de droga, apenas afirmou que não se trata de crime. Vejam a diferença: afirmar a descriminalização (a conduta deixa de ser crime) é diferente de legalizar (tornar lícita a conduta).

No caso, a Lei 11.343/06 não legalizou o uso, apenas retirou da seara do direito penal os cuidados com o usuário, reconhecendo-o como uma questão de saúde pública, e a conduta como ilícito administrativo

O STF pretende ainda criar critério objetivo, baseado na quantidade de droga, para estabelecer a diferença entre o usuário e o traficante.

O Min. Toffoli votou para fosse reconhecida a constitucionalidade do artigo 28; que a aplicação das medidas previstas nos incisos I a III, do artigo 28, não acarreta efeitos penais; bem assim, que fosse feito um apelo ao Legislativo e ao Executivo, para que formulem e efetivem uma política pública de drogas.

O julgamento será retomado na próxima semana.

Deixamos uma reflexão, além de todas essas de ordem doutrinária e pragmática.

Sabemos que o direito penal tem caráter fragmentário, devendo se ocupar das ofensas mais graves aos bens jurídicos mais importantes, e que a sua atuação está restrita às hipóteses em que a conduta lesa bem jurídico alheio (princípio da alteridade).

Talvez vocês argumentem que o consumo de drogas afeta não apenas o usuário, mas o bem saúde pública, pois aquele (o usuário) pode vir a ser internado, trazendo despesas ao Sistema de Saúde, que é mantido com o nosso dinheiro.

Devolvo-lhes com a seguinte resposta: assim também o é em relação à pessoa que tenta suicídio por, por exemplo, padecer de depressão. Se infrutífera a sua tentativa, ele não será punido (e não faria sentido, pois com a sua conduta ele só fez mal a si próprio) e pode com isso consumir recursos do Sistema de Saúde. O mesmo se pode dizer em relação ao alcoolista, que, por opção legislativa, não é tratado no direito penal.

Não se defende a legalização do uso, aliás, essa sequer é a opinião deste articulista, senão a exposição de algumas reflexões.

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