Liberdade de Expressão ou Ato Ilícito? Defensoria Pública ajuíza ação bilionária contra X Corp de Elon Musk

Liberdade de Expressão ou Ato Ilícito? Defensoria Pública ajuíza ação bilionária contra X Corp de Elon Musk

Olá, pessoal!

Sou o professor Marcos Gomes, Defensor Público do Estado de São Paulo, Coordenador da Coleção Defensoria Pública Ponto a Ponto e Especialista em Direito Público.

Trouxe abaixo uma análise para reflexão sobre o tema: Liberdade de Expressão ou Ato Ilícito? Defensoria Pública ajuíza ação bilionária contra X Corp de Elon Musk.

A Defensoria Pública da União ajuizou ação civil pública coletiva estrutural em face de Twitter Internacional Unlimited Company, X Brasil Internet LTDA e X Corp[1].

Inicialmente, destaca-se que a Defensoria Pública possui legitimidade para ajuizar ações coletivas, nos termos do art. 134, da Constituição Federal, art. 4º, VII, VIII, X e XI, da Lei Complementar n. 80/94 e art. 5º, II, da Lei n. 7.347/85.

Constituição Federal:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

Lei Complementar n. 80/94:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

(…)

VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;

VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal […];

X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela;

XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado.

Lei de Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85):

Art. 5º: Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

(…)

II – a Defensoria Pública.

A legitimidade defensorial para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos já foi solidificada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, conforme decidido na ADI n. 3.943. Vejamos:

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – ADI 3943 ED / DF – DISTRITO FEDERAL – EMB.DECL. NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – RELATOR(A):  MIN. CÁRMEN LÚCIA – JULGAMENTO:  18/05/2018 – ÓRGÃO JULGADOR:  TRIBUNAL PLENO – EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. REGÊNCIA: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/1973. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA (INC. II DO ART. 5º DA LEI N. 7.347/1985, ALTERADO PELO ART. 2º DA LEI N. 11.448/2007). TUTELA DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS (COLETIVOS STRITO SENSU E DIFUSOS) E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. ACESSO À JUSTIÇA. Necessitado: definição segundo princípios de interpretação que garantem a efetividade das normas constitucionais previstas nos incs. XXXV, LXXIV E LXXVIII do art. 5º da constituição da república. A legitimidade da defensoria pública para ajuizar ação civil pública não está condicionada à comprovação prévia da hipossuficiência dos possíveis beneficiados pela prestação jurisdicional. Ausência de contradição, omissão ou obscuridade. A questão suscitada pela embargante foi solucionada no julgamento do recurso extraordinário n. 733.433/mg, em cuja tese da repercussão geral se determina: “a defensoria pública tem legitimidade para a propositura da ação civil pública em ordem a promover a tutela judicial de direitos difusos e coletivos de que sejam titulares, em tese, pessoas necessitadas” (dj 7.4.2016). Embargos de declaração rejeitados.

Um dos principais fundamentos da ação gira em torno de supostas graves violações ao Estado Democrático de Direito, notadamente diante de incitações ao descumprimento de decisões judiciais, instrumentalizadas por postagens na plataforma X. Ademais, a ação coletiva aponta questões relacionadas a desinformação, dúvidas sobre a legitimidade eleitoral e partidarização da plataforma, o que teria o escopo de desestabilizar a democracia brasileira.

Nesse ponto, importante destacar que a Defensoria Pública foi apresentada pela Constituição Federal como expressão e instrumento do regime democrático, na forma do art. 134. A Defensoria Pública é expressão da democracia porque representa sua personificação e manifestação. A instituição é instrumento, pois sua atuação é um meio para defender e solidificar o regime democrático. Assim, justificar-se-ia a legitimidade da Instituição para o ajuizamento da presente ação judicial.

Indenização bilionária e medidas estruturais:

Importante notar que além do pleito de indenização bilionária em virtude de dano moral coletivo e dano moral social, estamos diante de uma ação estrutural. Conforme o STJ,  

“os litígios de natureza estrutural, de que é exemplo a ação civil pública  que  versa  sobre  acolhimento  institucional  de menor por período  acima  do  teto  previsto  em  lei,  ordinariamente revelam conflitos   de  natureza  complexa,  plurifatorial  e  policêntrica, insuscetíveis  de  solução  adequada  pelo processo civil clássico e tradicional, de índole essencialmente adversarial e individual” (REsp 1854842 / CE).

                  Seguindo essa linha de raciocínio, almejando medidas estruturais na tutela de direitos fundamentais e na defesa da democracia, destacamos as medidas estruturais pleiteadas na petição:

“a) Adoção de práticas de moderação de conteúdo que estejam em conformidade com os direitos à liberdade de expressão e informação, garantindo ao mesmo tempo que conteúdos ilegais ou que promovam a desobediência a decisões judiciais, ordem jurídica e democracia sejam prontamente identificados e removidos.

b) Implementação de um sistema eficaz de cooperação com as autoridades judiciais, garantindo respostas rápidas e eficientes a ordens judiciais e requisições legais.

c) Promoção da pesquisa e do desenvolvimento de novas tecnologias e metodologias para aprimorar a detecção e prevenção de conteúdos que violem direitos fundamentais ou a ordem jurídica.

d) Imposição do dever de investir na formação contínua de equipes responsáveis pela moderação de conteúdo, assegurando que elas estejam atualizadas sobre as leis brasileiras relativas à liberdade de expressão, privacidade e outros direitos fundamentais.

e) Publicação de relatórios periódicos detalhando as ações tomadas para cumprir as ordens judiciais e como a moderação de conteúdo é realizada, aumentando a transparência para os usuários e o público em geral.

f) Estabelecimento de parcerias com organizações de Fact-Checking: a empresa deve colaborar com organizações independentes de verificação de fatos para identificar e rotular informações falsas ou enganosas, ajudando a combater a disseminação de desinformação.

g) Estabelecimento de canais eficientes para que os usuários possam relatar conteúdo ilegal ou ofensivo, garantindo que tais relatos sejam prontamente analisados e tratados.

h) Contratação, às suas expensas, de entidades independentes para que realizem auditorias regulares nas práticas da empresa, realizando auditoria externa, avaliando a aderência às leis e regulamentos brasileiros e sugerindo melhorias.

i) Contratação de um Ombudsman: esta figura terá a função de monitorar e avaliar a política de comunicação da empresa X no Brasil, garantindo que ela se alinhe com os padrões éticos e legais locais.  O  Ombudsman, atuando como um observador imparcial, será  responsável por revisar as práticas da empresa, receber reclamações e sugestões de usuários e do público, e recomendar melhorias. Sua independência garantirá uma perspectiva externa e objetiva, contribuindo para a transparência e responsabilidade da empresa perante a sociedade brasileira.

j) Outra medida estruturante efetiva consiste na implementação de uma penalidade pecuniária específica para a empresa X, no caso de não cumprimento das obrigações estabelecidas que venham a ser estabelecidas pelo Poder Judiciário. Esta medida envolve a aplicação de multa fixa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por cada incidente de violação das medidas judiciais determinadas, com possibilidade de majoração em caso de persistência da ilegalidade”.

O ajuizamento da referida ação vem gerando polêmicas:

De um lado há quem defenda a liberdade de crítica e manifestação, inclusive em face de ministros do Supremo Tribunal Federal, não existindo ato ilícito e muito menos fundamento para indenizações. Fundamenta-se, ainda, que a Instituição não teria legitimidade para o ajuizamento da referida ação, em virtude da desvinculação de interesse de grupos específicos em situação de vulnerabilidade. Ademais, há quem entenda que as referidas postagens não teriam a menor capacidade de afetar o Estado Democrático Brasileiro.

Por outro lado, como visto, a Defensoria Pública é expressão e instrumento do Estado de opção democrática, sendo certo que, conforme o STF, a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública não está condicionada à comprovação prévia da hipossuficiência dos possíveis beneficiados pela prestação jurisdicional. Por fim, de acordo com os signatários da petição, estaríamos diante de clara afronta ao Estado Democrático e aos Poderes Constituídos da União, até mesmo porque colocam em dúvida a legitimidade das eleições e das decisões judiciais.

E você, possui alguma opinião sobre o tema? Deixe seus comentários e vamos aguardar ansiosamente os desdobramentos da referida ação judicial. Sucesso nos estudos,

Marcos Gomes


[1] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/defensoria-encabeca-acao-que-pede-r-1-bi-do-x-por-danos-morais-coletivos/

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