Em uma decisão histórica, o Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB) condenou um shopping center e uma empresa de serviços gerais a pagar R$ 15 mil por danos morais a uma mulher transexual impedida de usar o banheiro feminino. Essa decisão reforça a importância de respeitar a identidade de gênero e combater estigmas e preconceitos.
Contexto do caso
O caso ocorreu quando a transexual foi barrada de usar o banheiro feminino por um funcionário da limpeza do shopping, que a tratou de forma grosseira e desrespeitosa, utilizando termos pejorativos como “traveco” e “veado”.
A ação judicial destacou que negar o acesso ao banheiro feminino viola direitos básicos e prejudica a integridade psicológica e social da pessoa transexual.
Decisão judicial
O juiz José Herbert Luna Lisboa, da 4ª Vara Cível da Comarca de João Pessoa, enfatizou que a decisão de indenização por danos morais foi principalmente motivada pela maneira desrespeitosa e grosseira com que a transexual foi tratada.
Ele destacou a importância de garantir que todos tenham acesso igualitário aos espaços públicos, conforme sua identidade de gênero.
Perspectiva internacional
A questão do uso de banheiros por pessoas transexuais é tema de debate e decisões judiciais em diversos países:
- Estados Unidos: em 2020, a Suprema Corte decidiu que leis contra a discriminação sexual no trabalho se aplicam a pessoas transgênero, mas a questão dos banheiros ainda varia conforme o estado. Em muitos estados, a discriminação contra pessoas trans em espaços públicos, incluindo banheiros, é proibida por lei.
- Canadá: a legislação canadense protege explicitamente os direitos das pessoas trans de usar banheiros que correspondam à sua identidade de gênero. Em 2017, o Bill C-16 foi aprovado, adicionando a identidade de gênero e expressão de gênero à lista de características protegidas pela Lei de Direitos Humanos do Canadá.
- Reino Unido: no Reino Unido, o debate é acalorado. Em 2010, o Equality Act proibiu a discriminação baseada em identidade de gênero, mas as discussões sobre a implementação prática, especialmente em espaços públicos como banheiros, continuam sendo um ponto de controvérsia.
Debates legislativos e judiciais no Brasil
No Brasil, a questão também está em evidência:
- Supremo Tribunal Federal (STF): em junho de 2024, o STF retirou a repercussão geral de um caso que definiria o direito de transexuais serem tratados conforme sua identidade de gênero no uso de banheiros públicos. A maioria dos ministros, seguindo o voto do ministro Luiz Fux, considerou que o caso não trazia uma questão constitucional, impedindo assim a análise do recurso.
Projetos de Lei em trâmite: existem diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que abordam os direitos das pessoas transexuais, incluindo o uso de banheiros públicos conforme a identidade de gênero.
- PL 5002/2013: conhecido como Lei João Nery, o projeto visa reconhecer a identidade de gênero das pessoas transexuais e travestis, permitindo a alteração de nome e gênero em documentos oficiais sem a necessidade de cirurgia. Embora trate principalmente da alteração de documentos, sua aprovação impactaria indiretamente o direito ao uso de banheiros.
- PL 7582/2014: propõe a criminalização de atos de discriminação por identidade de gênero e orientação sexual, o que incluiria a proibição de impedir pessoas trans de utilizarem banheiros públicos conforme sua identidade de gênero.
- PLC 122/2006: este projeto visa a criminalização da homofobia e transfobia, e embora tenha enfrentado resistência e alterações ao longo dos anos, busca estabelecer penalidades claras para atos discriminatórios, o que abrangeria situações como a do uso de banheiros públicos.
Fundamentação jurídica
A decisão do TJ-PB baseou-se em princípios constitucionais e legais que asseguram a dignidade da pessoa humana e proíbem qualquer forma de discriminação.
Constituição Federal
- Artigo 5º, inciso III: proíbe tratamentos desumanos ou degradantes.
- Artigo 5º, inciso X: assegura a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas.
- Artigo 5º, inciso LXI: determina que ninguém pode ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente.
Código Penal
- Artigo 140: define a injúria como crime, quando se ofende a dignidade ou o decoro de alguém.
Lei nº 13.869/19 (Lei de Abuso de Autoridade)
- Define e pune atos de abuso de autoridade, reforçando a proteção contra discriminações e atos ilegais cometidos por agentes públicos.
Polêmicas e debates
Os debates em torno do uso de banheiros por pessoas transexuais revelam um cenário complexo e multifacetado, com argumentos de ambos os lados:
Apoio ao uso de banheiros conforme identidade de gênero
- Direito à dignidade e igualdade: argumenta-se que impedir o uso de banheiros conforme a identidade de gênero viola a dignidade e igualdade das pessoas trans.
- Proteção contra discriminação: leis e decisões judiciais que apoiam o direito de usar banheiros conforme a identidade de gênero visam combater a discriminação e promover a inclusão social.
- Experiência internacional: países como Canadá e partes dos Estados Unidos já implementaram leis que protegem esses direitos, servindo de exemplo de boas práticas.
Argumentos contra o uso de banheiros conforme identidade de gênero
- Questões de segurança e privacidade: alguns argumentam que permitir o uso de banheiros conforme a identidade de gênero pode comprometer a segurança e privacidade de outros usuários.
- Resistência cultural e social: existe uma resistência baseada em valores culturais e sociais que veem a medida como uma ameaça aos costumes estabelecidos.
- Decisões judiciais: casos como o do STF, que retirou a repercussão geral sobre o uso de banheiros por transexuais, refletem a complexidade e a divisão de opiniões dentro do próprio sistema judicial.
Conclusão
E você, o que acha sobre essa decisão?
Acredita que o Brasil está no caminho certo para garantir os direitos das pessoas transexuais? Deixe sua opinião nos comentários.
Referências
- Decisão da Suprema Corte dos EUA;
- Legislação Canadense sobre Direitos Trans;
- Equality Act 2010 – Reino Unido;
- Notícia sobre decisão do STF.
Felipe Duque – Mestre em Direito Político e Econômico na Mackenzie-SP. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, com conclusão pelo regime de Aproveitamento Extraordinário nos Estudos (art. 47, § 2º, da Lei nº 9.394/96). Ex-Assessor de Desembargador no TJPE. Procurador da Fazenda Nacional. Integra voluntariamente a Coordenação de Assuntos Estratégicos Judiciais da PGFN. Professor do Estratégia Carreira Jurídica e Estratégia OAB. Autor do livro “Reforma Tributária Comentada e Esquematizada”.
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