Procurador reconhece direito de aluna superdotada

Procurador reconhece direito de aluna superdotada

Procurador decide não recorrer de decisão judicial que favorece aluna superdotada, garantindo a manutenção dos seus direitos educacionais e destacando a importância do caso.

aluna superdotada

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o caso sobre a aluna superdotada

Um fato inspirador chamou a atenção da comunidade jurídica: o procurador do Estado de Minas Gerais, Vitor Mangualde, da PDOP – Procuradoria de Direitos Difusos, Obrigações e Patrimônio, decidiu não recorrer de uma sentença que permitiu a uma aluna superdotada avançar uma série, sendo matriculada no 1º ano do ensino fundamental.

O procurador responsável pelo caso analisou o processo, chegando à conclusão de que continha provas substanciais do alto desempenho intelectual da criança, sua maturidade mental e as altas notas obtidas após o avanço de escolaridade, mesmo sendo a mais nova da turma.

Com base nessas evidências, o procurador utilizou a resolução AGE 25/2019, que dispõe “sobre a autorização para não ajuizar, não contestar ou desistir da ação em curso, não interpor recurso ou desistir do que tenha sido interposto”.

O procurador ressaltou na petição: “O sistema não deve trabalhar contra, mas sim propiciar condições para que as diferenças de cada um sejam tratadas adequadamente. Isso sim é Justiça”.

aluna superdotada

A bela atitude do procurador não passou despercebida. A advogada da aluna superdotada iniciou um post em sua rede social (Instagram), elogiando o procurador:

“Em 30 anos de advocacia, fui surpreendida pela petição mais comovente da minha carreira! O procurador do Estado de Minas Gerais peticionou da forma mais carinhosa e sensata que já vi, informando que não iria recorrer da decisão e que deseja que o menor alcance seu pleno potencial e seja feliz

O Advogado-Geral do Estado, Sérgio Pessoa de Paula Castro, também elogiou a atuação do colega, afirmando que “a nossa atuação deve estar em harmonia com a realidade e buscar efetivar não somente os direitos fundamentais, mas, sobretudo, a felicidade de todos para uma sociedade mais justa, fraterna e solidária”.

No processo judicial que originou a sentença não recorrida, a aluna superdotada pretendia “pular” uma série em virtude de sua maturidade e nível de aprendizado. 

Mas o que diz a lei sobre essa possibilidade? Vejamos.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação -aluna superdotada

Atualmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB — Lei 9.394, de 1996) já prevê a aceleração de estudos para estudantes com altas habilidades, mas não traz detalhes como deve ocorrer o processo. 

A LDB, em seu artigo 23, aduz que a educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar, podendo a escola reclassificar os alunos tendo como base as normas curriculares gerais.

Já o artigo 24 é claro ao apontar que a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita:

  1. por promoção, para alunos que cursaram, com aproveitamento, a série ou fase anterior, na própria escola;
  2. por transferência, para candidatos procedentes de outras escolas;
  3. independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino;

Por sua vez, o inciso V, do mesmo artigo 24, prevê que a verificação do rendimento escolar poderá observar a possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado.

A superdotação de alunos é tratada a partir do artigo 58 da LDB, no capítulo dedicado à educação especial.

Entende-se por educação especial a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

O artigo 59 garante aos alunos com superdotação os seguintes direitos:

I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;
II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;
III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
IV - educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;
V - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.

Portanto, a ideia central da LDB é de reconhecer a superdotação como uma condição apta a ser regulada e acolhida, permitindo assim que o aluno com altas habilidades possa aproveitar ao máximo suas potencialidades, sendo plenamente integrado à sociedade.

Mesmo não sendo este o caso, importante pontuar que o Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente e sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.127), estabeleceu que o menor de 18 anos não pode se submeter ao exame da Educação de Jovens e Adultos (EJA) para obter o certificado de conclusão do ensino médio e, assim, poder entrar mais cedo no nível superior. Esse atalho tem sido utilizado por muitos jovens que conseguem aprovação no concurso para ingresso na universidade antes de terminarem o ensino médio regular.

TEMA 1.127

Tese fixada: É ilegal menor de 18 anos antecipar a conclusão de sua educação básica submetendo-se ao sistema de avaliação diferenciado oferecido pelos Centros de Educação de Jovens e Adultos-CEJAs, ainda que o intuito seja obter o diploma de ensino médio para matricular-se em curso superior.

O STJ considerou constitucional a limitação etária de 18 anos para a inscrição no EJA ensino médio, não havendo que se falar em restrição de acesso ao sistema educacional, muito menos em ofensa ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. 

Mas atenção: aluna superdotada

Esse entendimento do STJ é voltado para o EJA (antigo exame supletivo), que é uma modalidade de ensino da rede pública que abrange tanto o ensino fundamental quanto o ensino médio, e é destinada aos jovens, adultos e idosos que não tiveram acesso à educação na escola convencional na idade apropriada, ou seja, permite que o aluno retome os estudos e os conclua em menos tempo, possibilitando melhores condições de competição no mercado de trabalho.

Diante de todo esse contexto, o procurador do Estado de Minas Gerais decidiu, de forma correta, não recorrer da sentença que reconheceu o direito da aluna superdotada.

A dispensa de recurso utilizada pelo procurador de MG teve base em regulamento interno (Resolução 25/2019, AGE/MG), que tem por objetivos, dentre outros, diminuir a litigiosidade e evitar a condenação do ente público em honorários de sucumbência.

Que esse exemplo sirva como inspiração para as procuradorias de todo o país. Ótimo tema para provas de advocacia pública (AGU, PGE’s, PGM’s).

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