Danos causados por animais: Responsabilização civil do proprietário

Danos causados por animais: Responsabilização civil do proprietário

Entenda a responsabilidade civil do proprietário pelos danos causados por seus animais, com base na legislação e jurisprudência vigente.

danos causados por animais

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

A 1ª turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal confirmou a condenação de uma mulher ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, em razão do ataque de seu gato a um cachorro de pequeno porte (raça poodle), em via pública (Processo nº 0760699-90.2023.8.07.0016).

Entenda o caso

A filha da ré passeava na calçada com o gato no colo e, em determinado momento, colocou o animal no chão. Foi aí que a tutora do cachorro se aproximou com seu animal de estimação, momento no qual o gato atacou o pequeno cachorro. A dona do cão tentou proteger seu pet, e acabou sofrendo ferimentos. 

A dona do gato alegou que não havia adotado o animal e que o fato de sua filha o ter levado para casa por algumas horas não configurava adoção ou consentimento para criá-lo, ou seja, aduziu que o animal é de rua e não pertence à família.

Argumentou, ainda, que não havia provas de que a dona do cachorro tivesse sofrido lesão grave ou sofrimento que justificasse a indenização por danos morais. Subsidiariamente, solicitou a redução do valor da indenização.

Decisão Judicial

A Turma Julgadora, ao analisar o caso, verificou que as provas demonstravam que a filha da ré passeava na calçada com o gato no colo, sem coleira, e, em determinado momento, colocou o animal no chão, e logo após houve o ataque. 

O Judiciário afastou a alegação de que o animal não pertencia à ré:

“Não merece acolhida a tese da recorrente de que o gato não pertence a sua filha, porquanto, conforme comprovado nos autos ela era a responsável pelos cuidados veterinários do animal e inclusive o retirou da residência após o ataque”

A Turma ressaltou que:

restou comprovada a negligência da filha...em passear com o gato sem a coleira e o prejuízo material causado pelo ataque do animal, cabe a recorrente indenizar a vítima pelos prejuízos sofridos”. 

E continuou:

“No caso, observa-se que apesar de ambos os animais eram de pequeno porte (gato e poodle) e não tenha havido lesão ao cachorro da autora. A situação descrita pela autora revela um sofrimento e constrangimento que vão além de um simples aborrecimento, afetando diretamente sua esfera pessoal e ofendendo seus atributos de personalidade, justificando assim a necessidade de reparação por dano moral.”

Portanto, o Colegiado considerou que a situação vivenciada pela autora extrapolou o mero aborrecimento, afetando diretamente sua esfera pessoal. Diante disso, manteve a sentença que condenou a ré ao pagamento de indenização por danos materiais, no valor de R$ 118, e por danos morais, em R$ 2 mil.

Análise Jurídica – Danos causados por animais

Neste caso, a grande questão a ser debatida é a responsabilidade do dono de um animal que causa danos a outrem.

O que diz o ordenamento jurídico?

O artigo 936 do código civil atribui a responsabilidade civil ao dono ou detentor do animal por danos causados pelo bichinho:

Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.
(Código Civil) 

Portanto, caso um animal ataque outro animal ou mesmo pessoas, e cause danos, mesmo que exclusivamente extrapatrimoniais, o seu dono (proprietário) ou detentor deverá ser responsabilizado.

Essa responsabilidade do dono do animal é do tipo objetiva, ou seja, não há necessidade de prova da culpa ou dolo, mas pode, em tese, ser afastada, caso se comprove hipótese de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima

Nesse sentido, basta analisar a própria ementa do julgado ora tratado (gato que atacou o poodle):

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSO CIVIL. PRELIMINAR DE IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DE JUSTIÇA REJEITADA. CIVIL. ATAQUE DE GATO A CACHORRO DE PEQUENO PORTE EM VIA PÚBLICA. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO. INEXISTÊNCIA DE FORÇA MAIOR OU CASO FORTUITO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM MANTIDO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

A responsabilidade objetiva do proprietário de animais

Como bem pontuado pela Jaqueline Santos Oliveira:

“O novo Código Civil introduziu sensível mudança, ao dispor: “Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não prova culpa da vítima ou força maior.”(BRASIL, 2008). Ve-se que o Código Civil caminhou no sentido de facilitar a situação da vítima, tornando a prova mais objetiva (VENOSA, 2006). Permaneceu, na nova redação, a presunção de responsabilidade do dono ou detentor, mas caiu o número de hipóteses previstas em lei como excludentes da responsabilidade. Apenas em duas situações poderá o responsável presumido ser eximido de suas responsabilidades: culpa da vítima ou força maior (ROSSO, 2007 & SOARES, 2008).”

Importante pontuar que a responsabilidade civil consiste no dever de reparar os danos sofridos por alguém em caso de ação ou omissão que viole uma norma jurídica legal ou contratual.

É o que prevê os artigos 186 e 927, ambos do Código Civil de 2002: 

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 

(Código Civil)

O que a doutrina e os tribunais têm admitido é a responsabilização do dono do animal pelos danos causados pelo bichinho, e isso se dá porque a obrigação de quem possui animal é mantê-lo e guardá-lo de forma que não possa causar prejuízos a outrem.

Por outro lado, caso haja algum tipo de prejuízo causado pelo animal, presume-se que houve falha na vigilância, decorrente de negligência na sua guarda, atraindo a responsabilização.

Assim, também não podemos deixar de pontuar a questão da natureza jurídica dos animais de estimação.

Natureza jurídica dos animais de estimação

Nas últimas décadas, prevaleceu a corrente clássica de que os animais de estimação possuíam natureza jurídica de coisa, sendo um bem móvel (semovente). E, portanto, seriam simplesmente objetos de direitos, e não sujeitos de direito. 

No entanto, existe uma corrente moderna, na qual os animais são considerados sujeitos de direito. Algumas decisões judiciais já adotam essa visão, permitindo que animais sejam autores de ações judiciais, apesar de não serem decisões majoritárias.

Mas o Superior Tribunal de Justiça tem caminhado para adotar uma corrente intermediária, pela qual os animais de estimação seriam um “terceiro gênero“, ou seja, os animais seriam seres dotados de sensibilidade (seres sencientes).

Seres sencientes são seres que possuem a capacidade de sentir e perceber o mundo ao seu redor. Isso inclui a habilidade de experimentar emoções como dor, prazer, alegria e sofrimento. 

Acompanhe trecho do REsp 1.944.228:

2.1 A relação entre o dono e o seu animal de estimação encontra-se inserida no direito de propriedade e no direito das coisas, com o correspondente reflexo nas normas que definem o regime de bens (no caso, o da união estável). A aplicação de tais regramentos, contudo, submete-se a um filtro de compatibilidade de seus termos com a natureza particular dos animais de estimação, seres que são dotados de sensibilidade, com ênfase na proteção do afeto humano para com os animais.

O ministro relator para o acórdão, Marco Aurélio Bellizze, chama atenção para o fato de que “Eventual impasse entre os companheiros sobre quem deve ficar com o animal de estimação, adquirido durante a união estável, por evidente, não poderia ser resolvido, simplesmente, por meio da determinação da venda dos pets e posterior partilha, entre eles, da quantia levantada, como se dá usualmente com outros bens móveis, já que, como assentado, não se pode ignorar o afeto humano para com os animais de estimação, tampouco a sua natureza de ser dotado de sensibilidade”.

Conclusão – Danos causados por animais

Enfim, podemos cravar com segurança que a responsabilização por danos causados por animais deve recair sobre seu dono/detentor, conforme artigo 936 do código civil e jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Ótimo tema para provas de direito civil e processo civil.

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