Em breve síntese, o Superior Tribunal de Justiça definiu que prestações existenciais não geram proveito econômico mensurável, estabelecendo novo paradigma para remuneração advocatícia
De início, vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento revolucionário sobre um dos temas mais controvertidos do direito processual contemporâneo: como calcular honorários advocatícios nas ações em que cidadãos processam o Estado para obter medicamentos, exames e tratamentos médicos.
Isto porque, em julgamento histórico da Primeira Seção, realizado em 11 de junho de 2025, a Corte fixou tese vinculante que representa verdadeira mudança de paradigma na judicialização da saúde pública brasileira.
A decisão unânime estabeleceu que “nas demandas em que se pleiteia do Poder Público a satisfação do direito à saúde, os honorários advocatícios são fixados por apreciação equitativa, sem aplicação do art. 85, § 8º-A, do CPC”.
Deixa eu explicar melhor o contexto histórico dessa questão
Ora, para compreender adequadamente a magnitude dessa decisão, é fundamental contextualizar a evolução do tema.
Tradicionalmente, o Código de Processo Civil estabelece uma “ordem de vocação” para fixação de honorários sucumbenciais, privilegiando critérios objetivos e percentuais.

Segundo o artigo 85, parágrafo 2º, do CPC, a forma preferencial consiste na aplicação de percentuais sobre o valor da condenação ou proveito econômico obtido. Subsidiariamente, quando não é possível mensurar esse proveito, utiliza-se o valor atualizado da causa como base de cálculo.
Apenas excepcionalmente, nas hipóteses de proveito inestimável ou irrisório, aplica-se o critério equitativo.
Perceba a complexidade específica das ações de saúde
Veja, as ações de saúde sempre geraram perplexidade jurídica porque transitam numa zona cinzenta entre essas categorias.
De um lado, é inegável que medicamentos, exames e procedimentos médicos possuem valor econômico definido – afinal, laboratórios e hospitais cobram preços específicos por seus produtos e serviços.
Por outro lado, quando um paciente obtém judicialmente um medicamento oncológico, por exemplo, esse fármaco não se integra ao seu patrimônio como bem alienável ou transferível.
Destarte, a questão central residia em determinar se o custo da prestação médica constitui “proveito econômico” para fins de cálculo dos honorários advocatícios.
A resposta a essa pergunta definiria se os honorários seriam calculados por percentual sobre valores frequentemente elevados – alguns tratamentos custam centenas de milhares de reais – ou por critério equitativo, geralmente resultando em valores menores e mais uniformes.
O que decidiu o STJ
Assim, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do leading case REsp 2.169.102/AL, construiu fundamentação inovadora que resolveu definitivamente a controvérsia.
O voto condutor partiu de premissa fundamental: embora as prestações de saúde tenham conteúdo econômico mensurável, elas não geram proveito patrimonial efetivo para o requerente.
Ademais, a decisão distinguiu claramente as ações contra o Poder Público daquelas movidas contra operadoras de planos de saúde privados.
Enquanto nestas últimas o STJ já havia consolidado que o valor da prestação integra a base de cálculo dos honorários, nas demandas contra entes públicos prevaleceu a lógica da natureza existencial do direito à saúde.
Por que essa distinção entre público e privado faz toda a diferença?
Perceba que essa diferenciação não é meramente formal, mas reflete distinções substanciais entre os regimes jurídicos aplicáveis.
Nas relações com operadoras privadas, discute-se fundamentalmente o cumprimento de obrigações contratuais em ambiente regido pelo Código de Defesa do Consumidor.
O beneficiário paga mensalidade e tem direito à contrapartida estipulada no contrato.
Já nas ações contra o Estado, está em jogo a efetivação do mandamento constitucional do artigo 196, que estabelece a saúde como “direito de todos e dever do Estado”.
Nesse contexto, a ordem judicial não cria obrigação nova, mas apenas concretiza dever preexistente do Poder Público, individualizando a norma constitucional para o caso específico.
Logo, como observou a Corte Especial em precedente anterior (EREsp 1.838.692), inexiste “similitude fático-processual” entre as hipóteses, justificando tratamentos diferenciados para situações juridicamente distintas.
E o CPC?
Como se sabe, a Lei 14.365/2022 introduziu os parágrafos 6º-A e 8º-A ao artigo 85 do CPC, estabelecendo limitações ao uso da equidade e criando patamares mínimos para honorários fixados por esse critério.
Em resumo, o voto da relatora desenvolveu interpretação sistemática que afasta a aplicação do parágrafo 8º-A nas ações de saúde contra o Poder Público.
Isto porque, cidadãos em situação de vulnerabilidade – afinal, quem busca medicamento judicialmente geralmente não conseguiu obtê-lo pelos meios ordinários – seriam forçados a escolher entre dois caminhos igualmente dramáticos: arriscar a sucumbência que poderia dilapidar seu patrimônio ou renunciar ao tratamento potencialmente salvador.
Inclusive, sob a perspectiva principiológica, a decisão reconheceu que o parágrafo 8º-A utiliza marcos estranhos à administração pública.
Isto porque, a tabela de honorários da OAB, por exemplo, não se aplica a advogados públicos e defensores públicos, que são remunerados por subsídio.
Desta forma, os percentuais do parágrafo 2º destinam-se a relações privadas, não à condenação da Fazenda Pública, regida por regime específico do parágrafo 3º.
Assim, decidiu o STJ:
Nas demandas em que se pleiteia do Poder Público a satisfação do direito à saúde, os honorários advocatícios são fixados por apreciação equitativa, sem aplicação do art. 85, § 8º-A, do Código de Processo Civil.
STJ. REsp 2.166.690-RN, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/6/2025 (Tema 1313).
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