Contratação de shows sem licitação sempre é improbidade administrativa? REsp 2.029.719-RJ

Contratação de shows sem licitação sempre é improbidade administrativa? REsp 2.029.719-RJ

De início, vale salientar que o Superior Tribunal de Justiça acaba de estabelecer um marco importante para quem trabalha com contratações públicas e que vai cair nas provas, retomando temas que sempre caem.

Isto porque, em decisão unânime da Segunda Turma, o STJ reafirmou deixando claro que nem toda irregularidade na contratação de shows configura improbidade administrativa:

A mera intermediação na contratação de show artístico sem licitação, com base na inexigibilidade prevista no art. 25, III, da Lei 8.666/1993, não configura improbidade administrativa na ausência de prova de superfaturamento ou benefício indevido.

REsp 2.029.719-RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.

Veja, o caso que chegou ao STJ era sobre uma prefeitura que contratou um cantor sertanejo famoso para um evento dos servidores municipais.

Contratação

O problema? A empresa contratada não era a representante exclusiva do artista, mas uma intermediária. O Ministério Público entrou com ação de improbidade, mas o STJ disse “não”.

Bora entender isso.

Tudo mudou em 2021

Aqui está o ponto que muita gente ainda não entendeu completamente.

A Lei 14.230/2021 mudou tudo no campo da improbidade administrativa, mas essas mudanças ainda estão sendo digeridas pelos tribunais, pois ainda há casos que foram propostas antes da mudança.

Antes da nova lei, bastava demonstrar uma irregularidade administrativa para configurar improbidade em muitos casos. Era uma responsabilização mais automática, digo, havia um dolo presumido.

Inclusive, veja esse julgado correlato:

A petição inicial da ação de improbidade pode ser rejeitada tão somente quando não houver indícios mínimos da existência de ato de improbidade administrativa, de modo que havendo a sua presença, deve a exordial ser recebida e realizada a instrução processual, sendo a sentença o momento adequado para se aferir a existência de conduta dolosa, bem como a ocorrência de dano efetivo ao erário.

STJ. 2ª Turma. REsp 2.175.480-SP, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, julgado em 18/2/2025 (Informativo 842).

Agora, a lei ficou muito mais exigente.

Para condenar alguém por improbidade, é preciso provar duas coisas fundamentais: primeiro, que o agente agiu com dolo específico (ou seja, com intenção de obter vantagem indevida); segundo, quando se trata de dano ao erário, é necessário comprovar prejuízo real e efetivo.

Veja isso:

É inconstitucional — em razão da necessidade da existência do dolo do agente — a previsão da modalidade culposa de ato de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992, arts. 5º e 10, em sua redação originária).

É constitucional a contratação direta de advogados pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, se preenchidos os requisitos da lei e desde que não haja impedimento específico para a contratação desses serviços.

Teses fixadas:

a) O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, em sua redação originária.

b) São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar:

(i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e

(ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores.

STF. Plenário. RE 610.523/SP e RE 656.558/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 28/10/2024 (Repercussão Geral – Tema 309) (Informativo 1156).

Em palavras mais simples: não basta mais dizer “houve irregularidade, logo houve improbidade”. É preciso provar má-fé e dano concreto.

Inclusive, isso pode ser aplicado imediatamente:

A Lei nº 14.230/2021 promoveu diversas alterações na Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).

Para o deferimento da indisponibilidade de bens a Lei passou a exigir “a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo" (art. 16, § 3º). Além disso, a Lei estabeleceu que não incidirá “sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita” (art. 16, § 10).

A tutela provisória de indisponibilidade de bens é uma medida que pode ser, a qualquer tempo, revogada ou modificada. Logo, as novas regras da Lei nº 14.230/2021 podem ser aplicadas aos processos em curso, tanto em pedidos de revisão de medidas já deferidas como nos recursos ainda pendentes de julgamento.

Tese jurídica firmada: As disposições da Lei 14.230/2021 são aplicáveis aos processos em curso, para regular o procedimento da tutela provisória de indisponibilidade de bens, de modo que as medidas já deferidas poderão ser reapreciadas para fins de adequação à atual redação dada à Lei 8.429/1992.

STJ. 1ª Seção. REsps 2.074.601-MG, 2.089.767-MG, 2.076.137-MG, 2.076.911-SP e 2.078.360-MG, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgado em 6/2/2025 (Recurso Repetitivo - Tema 1257) (Informativo 840).

O que o Tribunal de origem fez de errado?

O Ministro Marco Aurélio Bellizze foi cirúrgico ao identificar os problemas na decisão que condenara os servidores. Vejamos os equívocos:

Primeiro erro: condenou sem provar má-fé. O tribunal de origem disse que os réus eram culpados apenas porque a empresa contratada era “mera intermediária” entre a administração e o representante exclusivo do cantor. Mas cadê a prova de que os servidores agiram com intenção de se beneficiar? Não havia.

Segundo erro: presumiu dano sem comprovar. Aqui mora um problema técnico importante. O tribunal aplicou o chamado “dano in reipsa” – ou seja, presumiu que houve prejuízo pelo simples fato de ter ocorrido a irregularidade. A nova lei não permite mais isso. É preciso demonstrar concretamente quanto o erário perdeu.

Terceiro erro: inverteu a lógica da prova. O mais grave foi que o tribunal remeteu para a liquidação de sentença não o cálculo do valor do dano, mas a própria verificação se houve ou não prejuízo. Isso é como condenar alguém por roubo e depois mandar apurar se realmente houve furto.

O que faltou para caracterizar improbidade?

Neste caso específico, ninguém questionou aspectos fundamentais: o show aconteceu? O cantor se apresentou? O valor pago estava dentro do preço de mercado? Houve superfaturamento?

Como observou o STJ: “não houve qualquer questionamento acerca do montante pago pela apresentação do cantor sertanejo no aludido evento dos servidores municipais e nem quanto ao destino dos recursos, tampouco se cogitou de locupletamento ilícito dos agentes públicos”.

A pergunta que fica é simples: se o serviço foi prestado pelo preço justo, onde está o dano ao erário?

🟢 O que pode: Contratar artista consagrado através de empresa intermediária, desde que não haja superfaturamento ou benefício indevido.

    O que não pode: Usar a intermediação para mascarar favorecimento pessoal ou pagar valores acima do mercado.

    🟡 O que é preciso demonstrar: Se houver suspeita de improbidade, é necessário comprovar tanto a intenção dolosa quanto o prejuízo efetivo ao erário.

    Como o tema já caiu em provas

    FAUEL – 2019 – Prefeitura de Mandaguari – PR – Advogado

    Com base na jurisprudência dos tribunais superiores, assinale a alternativa CORRETA sobre improbidade administrativa.

    C) Para que se configure como ato de improbidade administrativa a indevida dispensa de licitação, deve o autor da ação provar a existência de efetivo dano ao erário. (Certo)


    Quer saber quais serão os próximos concursos?

    Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!
    0 Shares:
    Você pode gostar também